A sala anexa à UTI exalava aquele cheiro limpo e gelado de hospital, misturado ao silêncio sufocante de quem esperava o tempo passar. Dreew permanecia sentado, cotovelos apoiados nos joelhos, mãos entrelaçadas, com os olhos fixos no chão. Pela vidraça interna, podia ver o quarto isolado onde Maris seguia inconsciente. Ninguém podia entrar — nem mesmo ele. A contaminação cruzada havia restringido todas as visitas. Só médicos e enfermeiros tinham acesso controlado.
A porta se abriu com leveza e o médico responsável entrou, acompanhado de uma mulher de jaleco branco, olhar acolhedor e postura serena.
— Senhor Dreew? — começou o médico. — Esta é a doutora Lisandra, psicóloga do hospital. Precisamos conversar com a sua filha... e achamos prudente que ela esteja conosco no momento da notícia.
— Sim, claro — Dreew respondeu, levantando-se. — A Brittany precisa saber...
— Eu estarei ao lado dela — disse a psicóloga com suavidade. — Mas precisamos definir o momento e o ambiente adequado. A senhora Maris permanece estável, mas ainda em estado crítico. Sua filha deve ser preparada emocionalmente.
O celular de Dreew vibrou no bolso. Um número desconhecido piscava na tela. Ele franziu o cenho e pediu licença com um gesto rápido.
— Me perdoem um instante. Preciso atender.
Saiu da sala e encostou-se ao corredor ao lado da ala restrita. Atendeu com a voz baixa e controlada:
— Alô?
— Senhor Dreew? É o detetive. Eu preciso falar com o senhor. Urgente. Pessoalmente.
— O que houve?
— O senhor precisa ver com os próprios olhos, mas... o culpado é alguém que o senhor jamais imaginaria.
Dreew endireitou o corpo, os músculos do maxilar enrijecendo.
— Fala logo. Quem?
A voz do outro lado hesitou por um segundo.
— Francis.
Silêncio. Um silêncio denso.
— Francis? Meu amigo de infância?
— Ele mesmo. Político de fachada, agiota nos bastidores. Toda a fortuna dele vem da ruína dos outros. Foi ele quem mandou fazer isso com a Dona Maris.
— Como vamos provar isso?
— Estou investigando. Já encontrei outras vítimas. Algumas sobreviveram, mas vivem sob ameaça. Ele coage, intimida, destrói silenciosamente.
Dreew engoliu em seco, a raiva fervendo sob a pele.
— Continue. Mas agora vamos além. Finja ser meu intermediário. Vá até ele. Descubra quanto a Mari está devendo. Diga que quer pagar. Vamos gravar esse miserável com a própria língua.
— Vai funcionar?
— Ele não pode saber que você é detetive. Se ele perguntar quem é você, diga que namorado dela.
— Sim, que sou representante de Dona Maris. Que ela sobreviveu, mas está em uma cadeira de rodas.
— Perfeito. Vamos acabar com essa farsa. Se tem algo que esse povo teme, é a verdade.
Desligou e voltou para a sala anexa. A psicóloga e o médico o aguardavam.
— Doutora Lisa — disse, recomposto — surgiu uma urgência pessoal. Eu preciso sair agora. Mas a senhora permanece no hospital até que horas?
— Até às cinco, senhor Dreew.
— Ótimo. Antes das cinco estarei de volta. Às cinco em ponto, conversaremos com a Brittany.
— Estarei pronta — ela respondeu com firmeza e doçura.
Dreew apertou a mão do médico com um aceno de cabeça.
— Obrigado por tudo, doutor. Até logo.
Saiu dali com o espírito em chamas e o propósito enrijecido. A cortina da mentira estava prestes a rasgar. E desta vez, ninguém escaparia da verdade.
“Dossiê Contra Um Criminoso de Gravata”
No fim da tarde, Dreeew aguardava na sala reservada do hotel executivo onde se hospedava durante a crise no hospital. O rosto cansado, mas os olhos atentos. Ele ainda sentia as palavras de Francis queimando como ácido. Não era mais sobre dívida. Era sobre justiça.
A porta bateu duas vezes. Dreew se levantou, e o detetive entrou, com a pasta de couro na mão e um olhar de quem já sabia demais.
— E então? — Dreew perguntou.
O detetive jogou a pasta sobre a mesa e soltou, direto:
— Ele é um bandido de gravata. Um criminoso da pior espécie.
Dreew sentou-se tenso.
— Você tem certeza?
— Tenho. Peguei ele em gravação. Disse que ela devia quinhentos mil. Cobrou setecentos. Ri da condição dela. Disse que queria ver a arrogância da Maris numa cadeira de rodas. Mas isso é só a ponta do iceberg.
Abriu a pasta, revelando documentos, fotografias, prints de mensagens.
— Eu fui atrás. Comecei a conversar com outras possíveis vítimas. Gente que emprestou dinheiro a juros impagáveis. Famílias destruídas. Algumas foram à falência, outras perderam casas, empresas e casamentos. E tem uma que está em coma. Assim como a sua ex-esposa.
Dreew arregalou os olhos.
— Ele fez isso com mais de uma?
— Sim. Mas adivinha? A maioria tem medo. Ele usa capangas, chantagens e intimidação. Muitos acham que não vale a pena mexer com “quem tem imunidade parlamentar”.
— Mas você conseguiu alguém?
— Consegui dez testemunhas. Dez, senhor Dreew. E estão dispostas a assinar os depoimentos. Eu só estou esperando a Maris acordar para fechar o pacote com chave de ouro. Aí, sim, vamos abrir um processo criminal completo. Com denúncia formal. E com meus contatos no alto escalão, eu garanto: ele vai apodrecer na cadeia.
Dreew ficou em silêncio por alguns segundos, então perguntou:
— Quanto era a dívida mesmo?
— Segundo ele, 500 mil dólares. Mas com juros de 30 dias, ele já cobrava 700.
Dreew soltou um suspiro pesado.
— O milhão que eu depositei na sua conta...
— Eu usei 700 para pagar o cheque. Sobrou 300. E eu vou devolver ao senhor — disse o detetive, com firmeza.
— Não. — Dreew ergueu a mão. — Os trezentos mil ficam com você. Porque o que você tá fazendo não é apenas um serviço de detetive. Você tá indo além. Tá ajudando. Tá protegendo outras vidas. E os seus contatos vão garantir que esse psicopata pague.
— Mas senhor Dreew, isso é muito.
— Você quer justiça, certo?
— Mais do que tudo.
— Então continue. Quando você conseguir tudo, se me trouxer provas sólidas, gravações, assinaturas, movimentações, conexões políticas eu vou lhe dar mais.
O detetive baixou os olhos por um segundo. Quando voltou a encarar Dreew, havia respeito e determinação em sua expressão.
— Obrigado, senhor Dreew. Pode confiar em mim. O que esse homem fez não pode ficar impune.
Dreew assentiu com um aceno lento, mas firme.
— Ele vai cair. E quando cair, vai saber que foi derrotado por quem ele achava fraco.