O relógio do hospital marcava 22h47 quando o cirurgião principal saiu do centro cirúrgico e caminhou em direção à sala de espera reservada para os familiares. Drew levantou-se de imediato, ao lado de Patrick, com o coração comprimido por horas de silêncio e tensão. Todos ao redor prenderam a respiração.
— Acabamos a cirurgia. — disse o médico, retirando o gorro e a máscara com um suspiro exausto. — Foram doze horas intensas. Ela teve duas paradas cardiorrespiratórias: uma no trajeto da ambulância e outra já dentro da sala cirúrgica, antes da primeira incisão. Foi um milagre termos estabilizado a tempo de operar.
— E agora? — murmurou Drew, os olhos marejando. — Ela vai sobreviver?
— Fizemos tudo o que era humanamente possível. Agora está nas mãos de Deus. — respondeu o médico, sem rodeios. — A bala perfurou o intestino grosso, que precisou ser parcialmente removido. Houve risco de septicemia. Também estava alojada próxima à medula lombar. O neurocirurgião conseguiu retirar sem comprometer por completo os nervos, mas há uma chance real de paraplegia.
Patrick fechou os olhos com força, respirando fundo. Drew levou as mãos ao rosto, engolindo o choro com dificuldade.
— Ela está na UTI agora. — continuou o médico. — Ficará sedada pelas próximas 72 horas. Essas primeiras horas são cruciais. Se não houver infecção, rejeição, nem falência de órgãos, ela sobreviverá. Mas, por ora, é só isso que podemos fazer.
O silêncio que se abateu foi sepulcral. Era a resposta esperada, mas ainda assim, difícil de digerir.
O médico prosseguiu:
— Preciso pedir, com todo respeito: que todos os familiares retornem para casa. Ela está em cuidados intensivos. Ninguém poderá entrar na UTI além da equipe médica. Estaremos revezando plantonistas especializados. A qualquer novidade, entraremos em contato imediatamente.
Patrick assentiu.
— Eu entendo. Todos estão exaustos. Só me diga uma coisa: o sangue deu certo?
O médico então lançou um olhar de respeito a Teresa, que aguardava deitada em uma maca ao lado, recebendo soro.
— Sim. A doação da senhora Teresa foi essencial. Salvou a vida dela. Retiramos duas bolsas completas. E por isso mesmo, peço que a senhora permaneça no hospital em observação pelo menos até amanhã. Foi uma doação de alto volume.
— Eu não sairia daqui mesmo se me deixassem. — respondeu Teresa, com um fio de voz. — Só quero saber se a doação ajudou.
— Ajudou muito. Salvou uma vida. — reforçou o médico, tocando gentilmente em sua mão.
A ginecologista de Lana, chamada às pressas após o desmaio e o pico de pressão, também apareceu no corredor e se dirigiu a Patrick com firmeza profissional.
— A Lana está bem. O desmaio foi resultado de estresse, susto e pressão emocional. Os exames estão normais, mas eu quero ela em observação por, no mínimo, 48 horas. A gravidez é recente. Não quero correr riscos desnecessários.
Patrick acenou com a cabeça.
— Está certo. Façam o que for preciso. Não mediremos esforços. Minha sogra e a Lana ficam. Elas terão tudo do bom e do melhor. Só quero que elas fiquem bem.
O grupo de familiares, então, foi se dispersando. Lena insistiu para ficar, mas Patrick foi firme.
— Lena, vai descansar. Leve o rapaz para casa. A situação agora está entregue aos médicos. Aqui não há mais nada que possamos fazer hoje.
— Mas e se algo acontecer? — ela sussurrou, aflita.
— Nós seremos avisados. Eu e Drew vamos ficar no plantão, revezando. Vocês precisam dormir. Amanhã será outro dia.
Com um último olhar para a irmã e a mãe, Lena abraçou o pai e saiu, finalmente convencida. Aos poucos, o hospital foi se silenciando. As luzes da ala de espera foram diminuídas. A noite se impôs como um véu espesso de expectativa e oração.
Patrick caminhou até o vidro da UTI e observou a maca onde Maris descansava. Intubada, conectada a múltiplos aparelhos, e envolta em cobertores aquecidos. Drew estava sentado no canto, em silêncio absoluto, com o rosto entre as mãos.
— Agora é com ela... — murmurou Patrick. — E com Deus.
E do outro lado da vida, Maris parecia ouvir, mesmo inconsciente.
Enquanto o médico se afastava, deixando para trás a última atualização, o grupo se movimentava para se despedir e retornar para casa — ainda sob o peso de tudo que tinham ouvido.
Lena apertou o braço de Luc, tentando mostrar firmeza. Mas ele, com o rosto sério, virou-se para o sogro com gentileza:
— Seu Francisco, se o senhor quiser, eu posso levar a Lena. Eu levo ela pra casa em segurança.
Francisco ergueu o rosto, cansado, mas decidido:
— Agradeço, rapaz. Mas a minha filha vai comigo. Ninguém leva ela, não. Eu mesmo levo.
Lena respeitou a autoridade do pai, embora trocasse um olhar compreensivo com Luc. Ele apenas assentiu e deu um beijo carinhoso em sua testa, aceitando a decisão.
Do outro lado do corredor, Harry e Louis acompanharam a cena em silêncio.
Louis se aproximou da mãe com delicadeza:
— Mamãe, deixa que eu levo a senhora pra casa. A senhora está cansada, não está em condições de dirigir sozinha agora.
El , ainda com a expressão abatida e levemente pálida pelo susto de tudo, assentiu:
— Está bem, meu filho. Eu vou com você, sim.
Harry, então, virou-se para a prima:
— Nice, eu te deixo em casa. O tio Francisco já tem muita coisa pra se preocupar, não precisa se desviar do caminho. Eu passo lá antes de ir pra minha casa.
Nice concordou com um aceno de cabeça. Estava quieta, afetada pelo susto, e seu olhar ainda se voltava com frequência para Lana, que agora dormia sob observação em uma das enfermarias do andar.
Antes de se dispersar, o Sr. Francisco se aproximou de Patrick, como quem precisava de uma última palavra.
— E você, meu genro... vai ficar aqui?
Patrick respondeu com firmeza, ainda com o blazer sobre os ombros:
— Vou só em casa, tomar um banho e trocar de roupa. Amanhã pela manhã não vou para a empresa. Vou ficar aqui, acompanhando a Lana e esperando os exames dela.
— Certíssimo. — aprovou Francisco.
— Só pela tarde que eu passo na empresa para resolver o necessário. Já avisei ao Louis. O foco agora é ela.
— Fez bem. — disse o pai de Lana, emocionado, batendo levemente no ombro de Patrick. — Você está sendo um homem e tanto.
Louis ouviu e confirmou com um olhar silencioso. Patrick apenas assentiu, sentindo que não era hora de palavras — era hora de presença, cuidado e fé.
Aos poucos, cada um se despediu. Teresa foi levada nos braços do filho até o carro. Harry guiou Nice em silêncio até o elevador. Lena saiu com o pai. E Patrick ficou por último, olhando para o vidro do quarto de Lana com os olhos marejados.
Ela ainda dormia, serena, como se nada soubesse do caos que os rodeava.
E ele sussurrou:
— Descansa, meu amor. Eu vou cuidar de tudo.