A psicóloga se inclinou mais próxima de Maris e disse com suavidade:
— Eu vou pedir para administrarem um medicamento leve, que vai ajudar a senhora a relaxar antes dos exames. Tudo bem? É importante que a senhora esteja tranquila.
Maris apenas moveu a cabeça em um leve “sim”.
— Daqui a alguns minutos os enfermeiros virão buscá-la. E eu volto depois para acompanhá-la. Se precisar de mim antes disso, é só pedir. Eu fico aqui até às 17 horas.
Assim que a psicóloga saiu do quarto, Maris permaneceu imóvel, deitada, com os olhos voltados para o teto branco e o coração pesado como chumbo. O efeito do sedativo começava a suavizar as dores do corpo, mas não era capaz de anestesiar o turbilhão que fervilhava dentro dela.
O quarto permaneceu em meia-luz. Os sons de bipes eram espaçados e regulares, e o medicamento começou a circular pelas veias de Maris, trazendo um leve torpor, mas não o suficiente para calar os pensamentos — esses estavam acordados e gritando por dentro.
Lentamente, as lágrimas retornaram aos olhos dela.
"Meu Deus... o que eu fiz da minha vida?"
"Eu não fui uma boa mãe pra minha filha."
"A Brittany cresceu à minha sombra... e essa sombra foi fria, dura, cheia de exigências e vazia de amor."
Ela engoliu seco, o nó na garganta machucando.
"Eu me preocupava com aparência, com status... com que roupa ela usava, com quem ela andava. Mas não me preocupei com o que ela sentia. Não estive do lado dela quando ela mais precisou."
"E mesmo assim... ela virou essa mulher. Mesmo sendo mãe solo, mesmo com as escolhas que fez... ela é forte, determinada, está lutando para ser um exemplo para os filhos. Meus netos..."
As lágrimas agora deslizavam sem controle.
"E eu? Que tipo de exemplo eu dei pra ela? Eu fui egoísta. Sempre fui. Sempre me coloquei em primeiro lugar. Sempre quis ser a vítima, quando na verdade... fui a culpada."
Ela se lembrou da jovem do shopping.
"Aquela moça... a Lana. Eu a destratei naquele dia. Como eu fui arrogante, grosseira... e o que ela fez?"
"Ela cuidou de mim. Me salvou. Me viu ali, sangrando, morrendo... e agiu. Ela chamou o meu ex-marido. Ela pensou primeiro em mim do que em qualquer mágoa."
"E a mãe dela... doou sangue pra mim. Um sangue raro. Me salvou. Deus... o que mais o Senhor quer me mostrar?"
"Essas meninas, essas pessoas que eu desprezei... elas me pagaram com bondade. Com cuidado. Com vida."
Ela se virou com dificuldade na maca, apertando levemente os lençóis entre os dedos trêmulos.
"Meus pais me criaram com bons exemplos. Foram justos. Eram simples, mas honestos. Meu pai me dizia: ‘Um dia, a vida ensina quem não aprende pelo amor.’ Eu ri disso por anos..."
Um soluço escapou de seus lábios.
"Mas ele tinha razão. A vida me ensinou. E foi da forma mais trágica."
Ela fechou os olhos.
"Mas eu estou viva. Isso é uma chance. Uma chance que eu não merecia, mas recebi."
"Eu vou me levantar. Nem que seja de cadeira de rodas. Eu vou mudar. Eu vou pedir perdão à minha filha. Eu vou me reconciliar com a mulher que eu nunca soube ser."
Um sopro de esperança tomou seu coração. E antes que o sedativo a conduzisse ao repouso, Maris fez uma oração muda, que só o coração podia traduzir:
"Obrigada, Deus... pela segunda chance."
“Eu quase morri... Eu deveria estar morta. E mesmo depois de tudo que eu fiz... essas pessoas me salvaram. Lana... a mãe dela... Elas cuidaram de mim. E eu? Eu destratei aquela menina no shopping. Com o veneno da arrogância escorrendo pela boca. E ela, em troca, me salvou.”
As lágrimas voltaram a escorrer, silenciosas, quentes, umedecendo os cantos de seus olhos. Era impossível evitar o espelho interno que agora refletia suas falhas com mais nitidez do que nunca.
“E a Brittany... minha filha. Quantas vezes eu a fiz se sentir menos do que era? Quantas vezes fui ausente, crítica, egoísta? O que ela enfrentou sozinha... mãe solo, em colapso, quase perdendo os filhos. E ainda assim, ela está ali... forte. Uma leoa. Que tipo de exemplo eu fui? Que tipo de mãe eu fui?”
A mente de Maris então tropeçou em outra lembrança — uma ainda mais amarga.
“Drew...”
O nome sussurrou em seu pensamento como um peso. Ela respirou fundo e fechou os olhos.
“Ele sempre foi honesto... justo... me respeitou... me amou... E eu o traí. Com aquele i****a do personal da academia, só para me sentir desejada, jovem, poderosa. Eu me sujeitei à sujeira... e perdi o homem mais íntegro que já passou pela minha vida. Meu Deus, que nojo de mim...”
Ela levou a mão ao peito, sentindo o coração acelerar com a lembrança de cada engano, cada mentira, cada manipulação.
“E mesmo assim... foi ele quem veio. Foi ele quem largou tudo e correu quando soube que eu estava morrendo. Que tipo de homem faz isso por uma mulher que o apunhalou pelas costas?”
“Eu preciso pedir perdão. A Deus... a ele... à minha filha... a todos que eu feri.”
De repente, um pensamento escuro invadiu sua consciência, arrepiando sua pele.
“E se o Drew descobrir a verdade? Que aquele... aquele desgraçado, o agiota, o ‘amigo’ de golfe, de eventos, de sorrisos falsos, foi quem mandou me matar? Só porque eu estava devendo dinheiro que ele me emprestou sem me dar opção de recusar...?”
Ela sentiu o corpo gelar.
“Drew vai se destruir se descobrir isso. Ele sempre acreditou no melhor das pessoas. Ele vai se sentir traído... não por mim, mas pelo mundo.”
“Político. Rico. Influente. Um assassino travestido de benfeitor. Meu Deus, não permita que o Drew descubra. Não agora. Ele não está bem. Eu vi nos olhos dele. Ele está despedaçado com tudo o que aconteceu. A Brittany, os netos... eu. Ele não merece mais uma decepção. Eu preciso protegê-lo. Eu preciso consertar o que eu ainda posso.”
Com a respiração acelerada e os olhos ardendo, Maris apertou os lençóis com os dedos. Pela primeira vez em muitos anos, ela se sentia pequena. Humana. E desesperadamente arrependida.