A psicóloga entrou no quarto de Maris em silêncio. Ela estava acordada, deitada com a cabeça voltada para a janela, como quem procurava no horizonte algo que não sabia nomear.
— Dona Maris… — chamou com doçura. — A senhora está pronta?
Maris girou lentamente o rosto, os olhos ainda úmidos, mas lúcidos.
— Ela… vem?
A voz era fraca, entrecortada. A psicóloga aproximou-se, sentando-se ao lado da cama.
— Sim. Ela vem. Mas antes, eu quero que a senhora respire fundo comigo. Vamos fazer isso juntas, tá?
As duas inspiraram e expiraram com calma.
— Eu preciso que a senhora esteja ciente de que ela também está fragilizada. Ela é forte, mas ainda está se recuperando. Então, tente não segurar o choro. Se vier, deixe vir. Mas evite se agitar. Sua filha precisa vê-la com esperança, não com medo.
Maris balançou a cabeça, as mãos trêmulas sobre o lençol.
— Eu só… eu só quero pedir perdão.
A psicóloga sorriu com ternura.
— E ela só quer te amar.
Nesse instante, ouviu-se um leve som vindo da porta. A psicóloga se levantou, caminhou até lá e abriu devagar.
Drew estava com a mão no ombro de Brittany. Ela, sentada na cadeira de rodas, segurava um ursinho de pelúcia — o mesmo que tinha sido colocado entre os bebês, para que absorvessem o cheiro dela nos primeiros dias.
— Pronta? — perguntou a psicóloga, olhando para a filha.
— Sim.
Drew empurrou devagar a cadeira para dentro do quarto. O tempo pareceu suspender.
Os olhos de Maris se arregalaram. A respiração dela travou por um segundo. Ela soltou um som quase mudo:
— Minha… Brittany…
A jovem não respondeu de imediato. Apenas olhou a mãe com um olhar que misturava mágoa, alívio e amor. Depois, as palavras vieram, como se rompendo uma barragem:
— Mãe…
Ela começou a chorar. Drew ajoelhou-se ao lado dela, segurando a mão da filha.
A psicóloga permaneceu em pé, observando a cena com atenção.
— Brittany, a sua mãe está viva porque alguém cuidou de você. E agora ela precisa de você para viver de verdade. — Ela olhou para Maris. — E você, Dona Maris, está viva porque alguém acreditou que ainda havia amor para te salvar.
Brittany respirou fundo.
— Mãe… a senhora me deixou tão sozinha por tanto tempo. Mas eu estou aqui agora. E os seus netos também. Eles precisam de você. Eu também.
Maris tentou se erguer na cama, mas o movimento foi limitado. Ainda assim, estendeu a mão.
— Filha… me perdoa… por tudo. Eu fui cega, fui… mesquinha. Você é melhor do que eu jamais fui.
Brittany segurou a mão da mãe, aproximando-se o máximo que podia na cadeira.
— Eu não quero que você se compare a ninguém. Eu só quero que a gente tente… de novo.
As duas choraram em silêncio. Drew se afastou um pouco, tentando conter a emoção.
A psicóloga se retirou discretamente, deixando para trás uma sala onde, pela primeira vez em muito tempo, a palavra “família” voltava a ter significado.
Os Netos Conhecem a Avó
Ainda com a mão da filha entrelaçada à sua, Maris respirava fundo, como se quisesse guardar aquele instante no coração para sempre. Brittany enxugava discretamente as lágrimas com o dorso da mão, tentando manter a compostura, mas o olhar revelava o turbilhão que ainda habitava seu peito.
Foi então que a porta se entreabriu novamente, e Nice apareceu com um sorriso gentil.
— Brittany… Posso?
A filha assentiu. Lena veio logo atrás, empurrando suavemente dois bercinhos móveis, adaptados com incubadoras portáteis. Os bebês estavam envoltos em mantas clarinhas, um azul suave e um rosa antigo, com touquinhas combinando. Cada um com suas feições delicadas, respirando com tranquilidade.
— Eles estavam dormindo… mas acho que sentiram a falta da mamãe. — disse Nice, com um brilho de emoção nos olhos.
Os olhos de Maris se arregalaram.
— São… eles? — sussurrou ela, a voz embargada pela emoção.
— Sim, mãe. — Brittany sorriu. — Seus netos. Essa aqui é a Ayla, e esse é o pequeno Noah.
Maris levou a mão livre à boca, e lágrimas começaram a escorrer. Brittany, com um esforço cuidadoso, se inclinou um pouco e beijou a testa da mãe.
— Eu dei o nome da menina em homenagem à Ayla, a amiga da loja…, aquela que me deu apoio no início da gravidez. E o Noah… bom, foi o Drew quem sugeriu, né, pai?
Drew sorriu emocionado.
— É um nome que carrega esperança, reconstrução… achei que combinava com a nova fase da nossa família.
Mice aproximou a incubadora de Ayla até o lado da cama de Maris, e ela pôde ver, de pertinho, o rostinho da neta. A bebê se mexeu, abrindo um dos olhos devagarinho.
— Ela é… tão pequena…
— E forte. — disse Brittany, com orgulho. — Como a senhora.
— Eu não mereço isso… — murmurou Maris, ainda com os olhos fixos na neta.
— Talvez não merecesse antes. Mas agora, está tentando. E isso é tudo o que a gente precisa. — respondeu Brittany, com firmeza e doçura.
Nice colocou a mão no ombro de Brittany.
— A psicóloga pediu que não nos demoremos, porque a senhora ainda está em recuperação. Mas amanhã, com autorização médica, vamos trazer os dois para passarem um tempinho maior aqui.
Maris assentiu, sem conseguir tirar os olhos dos netos.
— Eles têm cheiro de esperança. Eu… eu juro por tudo que sou, que vou lutar com todas as minhas forças pra estar ao lado deles… e de vocês.
Brittany sorriu, com os olhos marejados de amor.
— E nós vamos estar ao lado da senhora também, mãe.
Lena se aproximou, pegando levemente na mão de Maris.
— E se a senhora não se importar, nós da ala das “filhas emprestadas” também estamos por aqui. Não vamos arredar o pé enquanto a senhora precisar.
Drew, emocionado, segurou o ombro de cada uma das meninas como se agradecesse em silêncio.
E pela primeira vez em muitos anos, Maris sentiu algo que não sabia mais nomear.
Pertencimento.
Amor.
Família.