###Sala reservada da UTI

1037 Words
O médico ajeitou os óculos, olhou para Dreew com seriedade e disse: — Senhor Dreew, agora que a cirurgia foi concluída, eu preciso explicar o quadro completo da sua ex-esposa. Nós conseguimos retirar dois dos projéteis que estavam em regiões seguras, sem comprometimento vital. Mas o terceiro... — ele respirou fundo — o terceiro projétil está alojado na coluna cervical, em um ponto extremamente delicado. Dreew apertou os punhos. — Por que não tiraram? Não seria melhor? Isso não é perigoso? O médico assentiu levemente. — Entendo sua angústia. Mas preciso que o senhor compreenda: às vezes, tentar retirar um projétil como esse pode causar um dano ainda maior que mantê-lo onde está. A bala está localizada entre vértebras, muito próxima da medula espinhal. Se tocássemos ali com o bisturi, ela poderia perder completamente os movimentos — ou até entrar em parada durante a cirurgia. Ele fez uma pausa e continuou: — Esse tipo de caso é conhecido na medicina como "projétil de risco vital". Nesses casos, a decisão mais segura é manter o corpo estranho onde está, monitorando os efeitos colaterais e tratando os sintomas. É como conviver com uma cicatriz que pulsa por dentro. Dreew franziu a testa, com um nó na garganta. — Mas ela vai conseguir viver com isso? O médico assentiu com seriedade. — Vai sim. Mas haverá consequências permanentes. Mesmo que ela recupere os movimentos — e aqui eu preciso ser honesto, ainda não sabemos se ela conseguirá — ela terá que fazer fisioterapia contínua, por tempo indeterminado. Vai precisar tomar medicamentos para dor crônica, além de anti-inflamatórios e neuromoduladores, porque essa bala poderá causar crises de dor severa. Dreew sentiu o estômago virar. — E o emocional dela? — Essa é outra parte delicada, senhor. Traumas como esse, além do impacto físico, deixam sequelas psicológicas profundas. Ela poderá enfrentar crises de ansiedade, depressão, transtornos de estresse pós-traumático. Por isso, ela precisará de acompanhamento psicológico contínuo. O médico inclinou-se levemente para frente. — Eu já tratei pacientes com projéteis alojados no cérebro, nas costas, na garganta. Cada corpo reage de uma forma. Alguns vivem bem por muitos anos. Outros desenvolvem dores crônicas ou surtos neurológicos. Vai depender muito da força interior dela. Mas pelo que vimos... ela é uma guerreira. Drill levou a mão ao rosto e passou pelos olhos. — E se um dia ela tiver que tirar essa bala? — Se for inevitável, será uma cirurgia de altíssimo risco. Poderá deixá-la tetraplégica. É por isso que nossa equipe decidiu, com ética e zelo, não mexer no local. Fizemos tudo o que estava ao alcance da medicina humana. Agora, como costumo dizer... é com a medicina do Alto. O silêncio pairou. Dreew apertou os olhos, respirando fundo. — Se ela sobreviver... Eu prometo que vou cuidar dela. Com todos os cuidados que ela precisar. Não importa como ela volte... Ela é mãe da minha filha. E avó dos meus netos. O médico sorriu de leve. — Então ela já tem o principal remédio: o amor. E isso, senhor Dreew,pode ser mais forte do que qualquer bisturi. O médico fechou a prancheta, respirou fundo e encarou Dreew com firmeza gentil: — Senhor Dreew, agora que ela está fora de risco de morte, o próximo passo é pensar no que virá. O senhor me perguntou o que pode fazer… e eu vou lhe dizer: o senhor precisa preparar o retorno dela ao mundo. Drill franziu o cenho. — O que isso significa, exatamente? O médico levantou e falou com calma: — Primeiro, a Maris não está em isolamento por acaso. Um dos projéteis atingiu o intestino. Tivemos que remover parte dele. Infelizmente, isso causou contaminação cruzada com material fecal, algo extremamente perigoso. A cavidade abdominal foi invadida por bactérias do intestino, e se não tivéssemos agido rápido, ela teria entrado em septicemia. Drill levou a mão à boca, absorvendo tudo. — E ela vai ficar com sequelas? — Sim. Uma cicatriz extensa no abdômen. Muito visível. Mas não é isso o mais importante. A medula foi afetada e, embora ainda não tenhamos certeza sobre a paraplegia, a chance dela não voltar a andar normalmente é alta. E, se voltar, será com bengala, desvio de coluna e muita dor crônica. Drill parecia em choque. — Então... ela vai precisar de cadeira de rodas? — Vai. E não será por pouco tempo. Talvez para o resto da vida. E mais: nada de saltos, nada de sapatos comuns. Somente sapatos ortopédicos. Se o senhor realmente cuidar dela, vai precisar preparar sua casa com rampas, barras de apoio, banheiro adaptado, cama com acesso lateral e área de circulação livre para a cadeira de rodas. O empresário assentiu lentamente, determinado. — Eu vou fazer isso. Ela morava em um apartamento, mas ela vai voltar para casa. Para a minha casa. Vai morar comigo. — Ótimo. Então comece por contratar um arquiteto. Ou melhor... o senhor não disse que sua filha é arquiteta? Dreew hesitou. — É sim. Brittany. Mas eu não queria contar a ela ainda. Ela está cuidando dos filhos, eles nasceram prematuros e estão na UTI neonatal. Ela já está emocionalmente sobrecarregada. O médico apoiou a mão no ombro de Drill. — Senhor Dreew já se passaram quinze dias. Sua ex-esposa não corre mais risco de vida. O tempo de esconder acabou. A verdade precisa vir à tona. Se Brittany é arquiteta, ela será a melhor pessoa para adaptar a casa da mãe. Mas, sim, leve apoio psicológico junto. Uma psicóloga e, se possível, uma psiquiatra. Porque ela precisa ser preparada para receber essa notícia com equilíbrio, ainda mais amamentando. Dreew respirou fundo. — Eu vou fazer isso. Eu vou cuidar de tudo. Mas por favor, me ajude a fazer isso da forma certa. — O senhor não está sozinho, senhor Dreew. Vamos acionar o setor de serviço social do hospital. Eles têm uma equipe especializada em comunicações delicadas. Uma psicóloga acompanhará o senhor, e nós vamos preparar sua filha para saber exatamente o que aconteceu com a mãe dela — sem traumas desnecessários. Dreew assentiu, mais firme agora. — Muito obrigado, doutor. Eu não vou fugir disso. Ela pode ter sido minha ex-mulher… mas agora, ela é minha responsabilidade. E eu vou honrar isso.
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