###Tudo Está nas Mãos de Deus

1739 Words
Patrick dirigiu até sua casa em silêncio. O rádio estava desligado, as luzes da cidade pareciam distantes, e cada pensamento pesava como chumbo em sua mente. A imagem de Lana desmaiada, Tereza doando sangue, Drew desolado no banco do hospital... tudo girava como um filme confuso. Ao chegar em casa, foi direto para o quarto. Pegou uma muda de roupas, itens de higiene, um casaco mais quente e separou sua agenda com compromissos do dia seguinte. Olhou brevemente para o próprio reflexo no espelho: olhos fundos, feição exausta, barba por fazer. Mas não podia parar agora. Colocou tudo em uma mochila e voltou para o hospital. Era quase uma da manhã quando subiu novamente para o apartamento reservado onde Lana e Tereza estavam hospedadas. Assim que entrou, notou que ambas dormiam. Lana, com o rosto ainda pálido, estava sob vigilância médica; sua pressão havia estabilizado, mas a ordem era clara: repouso absoluto por 48 horas. Já Tereza, apesar do cansaço evidente e da doação expressiva de sangue, mantinha um semblante tranquilo. A nobreza daquela mulher o impressionava cada vez mais. Patrick caminhou devagar até o sofá-cama do apartamento e o abriu com cuidado para não fazer barulho. Arrumou ali um lençol, se sentou por um instante com a cabeça entre as mãos e, em silêncio, fez uma prece. "Senhor... eu não costumo pedir nada. Mas desta vez... olhe por todos nós. Por Lana, pelos nossos bebês, por Tereza que se sacrificou... e até por Marys. Que a Tua vontade seja feita, mas... por favor, dá força pra gente suportar." Deitou-se sem tirar os sapatos, pois sabia que o sono viria leve — se viesse. 03h47 da madrugada O som dos passos apressados e o bipe constante ecoando na ala de UTI não chegaram aos ouvidos de Patrick. Lá dentro, o corpo de Maris entrou em colapso novamente. Os monitores dispararam alarmes. Médicos e enfermeiros correram. Parada cardiorrespiratória. A segunda em menos de 24 horas. — Carregando... choque! — Ritmo retomado... pressão caindo. — Vasopressores prontos? — Prontos. — Reforça a ventilação. Ela voltou. Está instável, mas voltou. A médica responsável olhou para o relógio e suspirou. — Estabilizamos. De novo. Mas... ela entrou em coma profundo. — Vai avisar a família? A médica balançou a cabeça. — Ainda não. Estão exaustos. A esposa do rapaz desmaiou, a sogra está em repouso, e o pai da paciente já foi para casa. Por enquanto... não. Pela manhã, quando o Patrick perguntar, informaremos. Agora, só Deus. 06h42 da manhã O despertador interno de Patrick tocou antes que qualquer alarme fizesse efeito. Ele se sentou no sofá com um suspiro pesado. Levantou-se devagar, caminhou até o banheiro e lavou o rosto. Depois, foi até a cama de Lana e beijou sua testa, suavemente. Ela ainda dormia, tranquila sob o efeito dos sedativos leves administrados na noite anterior. Tereza também estava em repouso, com um soro ligado à veia e um monitor cardíaco silencioso ao lado. Patrick se dirigiu ao corredor e parou no balcão da enfermagem. — Bom dia. Alguma novidade sobre a paciente Maris? A enfermeira o reconheceu imediatamente e respondeu com gentileza. — Um momento, senhor Patrick. Vou chamar a médica da UTI para conversar com o senhor. Em poucos minutos, a doutora Helena — a mesma que coordenava os plantões da UTI — apareceu com o semblante sereno, mas firme. — Senhor Patrick, bom dia. Precisamos lhe atualizar. A paciente Maris teve uma nova intercorrência durante a madrugada, por volta das 3h45. Patrick arregalou os olhos, engolindo seco. — Uma nova parada? Ela assentiu. — Sim. Mais uma parada cardiorrespiratória. Nós agimos rápido, estabilizamos, e por isso não achamos necessário acordar o senhor ou os familiares. Sabíamos que todos estavam física e emocionalmente esgotados. Patrick passou a mão pelo rosto, sentindo o peso da notícia. — E agora? Qual é o quadro? A médica respirou fundo antes de responder. — Infelizmente, ela entrou em coma profundo. O cérebro está preservado, mas a atividade neurológica é mínima. Não houve morte cerebral, mas o estado é crítico. Os sinais vitais estão sob controle, mas... tudo agora está nas mãos de Deus. Silêncio. Patrick apoiou os cotovelos no balcão de mármore e abaixou a cabeça por um instante. Depois levantou os olhos, firmes. — Vocês fizeram o que podiam. A equipe foi excepcional. Obrigado. Agora... é com Ele mesmo. A médica assentiu. — Qualquer alteração, o senhor será imediatamente informado. — Obrigado. Patrick retornou ao apartamento lentamente. O dia ainda nem havia amanhecido por completo, mas a energia dentro dele já estava drenada. Sentou-se no sofá, olhou para Lana e Tereza, ainda dormindo, e respirou fundo. Pegou o celular, olhou para a tela e escreveu a seguinte mensagem para Drew: Depois digitou para os sogros: “Seu Francisco, Dona Tereza está bem. Está dormindo, sendo monitorada. Lana também, sob cuidados médicos. Vou permanecer aqui até mais tarde, então fiquem tranquilos. Assim que as duas acordarem, eu aviso.” E, por fim, uma mensagem para Louis: “Me cobre depois pelo relatório da manhã. Hoje fico aqui. Cuida da empresa com o Harry, que amanhã retomo.” Patrick então fechou os olhos por alguns minutos, apenas para respirar. A rotina da vida havia sido quebrada, e ele sabia que não havia como controlar tudo — mas enquanto tivesse forças, cuidaria das mulheres da sua vida, das vidas que estavam sob seus braços. Porque ali, mais do que em qualquer lugar, ele sentia o peso — e o valor — de ser homem. Quando o Amor Fala Mais Alto que a Dor A manhã ainda se arrastava preguiçosa pelos corredores frios do hospital, e o relógio marcava pouco depois das nove quando a figura de uma mulher firme e decidida entrou pela recepção do setor de internação. Era Dall, cunhada de Tereza, uma mulher de feições marcantes e presença serena, com os cabelos presos num coque elegante e uma bolsa de couro pendendo do ombro. Ela se apresentou calmamente à recepção e logo foi encaminhada ao apartamento onde Lana e Tereza estavam internadas. Patrick, que cochilava no sofá retrátil do quarto, despertou ao ouvir a porta se abrindo. — Bom dia, Patrick — disse Dallacom um sorriso gentil, entrando com passos suaves. — Vim assumir o posto de cuidadora por algumas horas. Já está mais do que na sua hora de descansar. Patrick sentou-se, esfregando o rosto cansado. O semblante dele era visivelmente abatido, com olheiras marcadas e os olhos avermelhados de tanto esforço para manter a compostura. Tereza, ainda deitada na cama, se ajeitou ao ouvir a irmã. Lana, com a barriga levemente elevada sob a camisola hospitalar, ergueu a cabeça com um sorriso fraco. — Tia... — murmurou ela, aliviada. — Bom dia, minha menina — Dallase aproximou, beijando a testa de Lana e em seguida abraçando Tereza com carinho. — Como vocês estão? — Estamos bem agora... Mas o Patrick precisa descansar, Dalla— respondeu Tereza com voz suave. — Ele passou a noite em claro, cuidando da gente. — E ainda quer continuar aqui — completou Lana, encarando o noivo com preocupação. — Amor, por favor... vá descansar um pouco. A gente está bem. A tia vai ficar aqui. Patrick olhou para as duas mulheres que amava tanto e suspirou fundo. A verdade é que seu corpo doía, sua mente latejava, e seu coração estava um turbilhão de sentimentos. A cena da noite anterior — a operação longa, o sangue doado por Tereza, a parada cardíaca silenciosa na madrugada — estava gravada como fogo em sua memória. Mas o pior era saber que, mesmo com tudo, nada garantia que Maris sobreviveria. — Eu... só tenho medo de sair e alguma coisa acontecer — confessou ele, massageando a nuca. — Patrick — Dall o interrompeu com firmeza, mas com ternura no olhar. — Eu acabei de vir da recepção da UTI. O quadro da paciente continua o mesmo. Eles já disseram que qualquer alteração eles ligam imediatamente. E você precisa estar inteiro. Não só pela Lana, mas por tudo o que ainda vai enfrentar. Tereza reforçou: — Vá pra casa, meu genro. Toma um banho, dorme um pouco. Leva a roupa da Lana para lavar e pega algumas roupas pra você também. Mas não precisa ter pressa. Fica até a noite, descansa bem. Patrick hesitou mais alguns segundos, até que Lana segurou sua mão e o olhou com os olhos cheios de ternura. — Amor... por nós. Por nossos bebês que está crescendo aqui dentro. Pela nossa família. Vai... Ele assentiu, respirando fundo. Levantou-se, ajeitou a blusa amarrotada e se aproximou da cama de Lana, beijando a testa dela demoradamente. — Eu volto mais tarde. Qualquer coisa... qualquer coisa mesmo, me liga. — Pode deixar — respondeu Dall, sentando-se ao lado da irmã e observando Patrick recolher seus pertences. Antes de sair, Patrick foi até Tereza e beijou sua mão. — Obrigado... Por tudo. Ela sorriu, emocionada, e o observou sair. Quando a porta se fechou, o silêncio se instalou por um breve instante, interrompido apenas pelo bip suave dos monitores e o som distante dos passos no corredor. Dall olhou para as duas e disse: — Vocês foram muito fortes ontem. Eu acompanhei tudo pela TV... já está até saindo nas notícias que uma mulher foi baleada por agiotas no estacionamento do shopping. Fiquei preocupada. Quando vi que estavam todas envolvidas, vim imediatamente. Tereza assentiu com o olhar baixo. — Eu nunca pensei que fosse doar tanto sangue assim... Mas eu não podia deixar aquela mulher morrer, mesmo ela tendo feito o que fez com a nossa filha. — Você fez o que era certo, mana. E fez mais: deu uma lição de humanidade que muita gente rica nesse mundo precisa aprender — respondeu Dall, acariciando a mão da irmã. Lana, emocionada, sorriu com os olhos marejados. — Eu fico tão orgulhosa de você, mamãe... Dallolhou para a sobrinha e brincou: — E você, mocinha, vai sossegar esses nervos, viu? Nada de ficar tentando resolver o mundo agora. Você está gestando uma vida! Lana riu baixinho, e as três mulheres seguiram em silêncio por alguns segundos. O momento, embora delicado, era de profunda conexão. Do lado de fora, a vida seguia seu curso. Mas dentro daquele quarto, três mulheres sabiam que o que sustenta a verdadeira nobreza não é o sangue azul, nem a conta bancária — é a escolha consciente de agir com bondade, mesmo diante das mágoas mais profundas.
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