Divórcio

1478 Words
O carro preto parou em frente à casa luxuosa da família Castellani. Ainda era dia, mas as nuvens escuras pareciam anunciar a tempestade que viria — e ela não seria de chuva. Antônio Castellani desceu do carro com passos decididos, mandíbula tensa, os olhos fervendo. O motorista tentou abrir a porta, mas ele dispensou com um gesto seco. Ele mesmo entrou, atravessando a sala decorada com exagero e subindo os degraus de mármore sem anunciar a chegada. Encontrou Laura — a esposa — na suíte, sentada à penteadeira, se arrumando como se fosse sair. Vestia um robe de cetim branco e brincava com os cabelos como se não houvesse nada de errado no mundo. — Ah, querido! Que bom que chegou cedo. Estava pensando em jantar fora... — Laura — ele interrompeu, com a voz cortante. — Pode parar com essa palhaçada agora mesmo. Ela o olhou pelo espelho, arqueando uma sobrancelha. — O que foi agora? Ele jogou uma pasta sobre a cama. A mesma pasta que Patrick lhe entregara na reunião. Documentos, fotos, extratos. Todos os podres de Britney. — Isso. É isso que foi. A sua filha. A sua criação perfeita. A menina mimada que você sempre protegeu, mesmo quando já sabia que estava errada. Laura empalideceu. — Que absurdo é esse? — Não finge que não sabia! Você sempre soube que ela estava envolvida com aquele vagabundo casado. Que estava sugando dinheiro da empresa. Você acobertou! E mais: eu sei dos seus encontros semanais no hotel Paradise com o "instrutor" da academia. — Ele cuspiu as palavras com nojo. Ela levantou abruptamente. — Você está me acusando? — Eu estou afirmando. Já te investiguei. Já sabia. Só não queria acreditar. Mas agora chega. Ele abriu o cofre do closet, puxou uma gaveta e jogou os papéis do divórcio sobre a cama. — Isso é seu futuro. A mansão? Vai ficar para mim. Você e a Britney vão morar naquele apartamento que comprei para ela quando entrou na faculdade. Aquele mesmo que ela nunca usou, porque achava "pequeno demais". Pois agora vai servir. — Você não pode me expulsar da minha própria casa! — gritou ela, com os olhos arregalados. — Posso sim. Essa casa está no meu nome, comprado antes do nosso casamento. O apartamento está no seu nome e no dela. Resolvido. A faxineira vai uma vez por semana, o resto é com vocês. E trate de começar a trabalhar, Laura. Porque o cartão acabou hoje. E nenhum centavo mais será desviado para sustentar luxos. Laura cambaleou. — Você está me abandonando por causa de uma empresa? — Não. Estou me libertando. Porque hoje eu percebi que tenho vergonha da família que construí ao seu lado. A Lana... sim, a assistente pessoal do Patrick... aquela moça... ela me lembrou o que é dignidade. O que é respeito. E me mostrou que valores vêm de casa. Que tipo de mãe você foi para nossa filha, hein? Ensinar a usar os outros, destruir casamentos, mentir, manipular? Ela começou a chorar, mas ele foi até a porta. — As lágrimas não colam mais. Amanhã o advogado vem buscar sua assinatura. E o carro que está na garagem? É da empresa. Também fica. — Drew! — ela gritou, mas ele já havia descido as escadas. A porta bateu com força. Laura caiu de joelhos no chão do quarto, tremendo. Pela primeira vez em anos... ela estava sozinha. Sem fortuna. Sem marido. E agora, dividindo um apartamento com a filha que arruinar tudo com a própria ambição. Drew permaneceu por alguns minutos sozinho na sala depois que a esposa e a filha saíram. O silêncio parecia pesar sobre seus ombros como uma armadura de chumbo. Ele se sentou no sofá, passou as mãos pelos cabelos e, por fim, cobriu o rosto com as palmas. Drew estava de pé na sala de estar, as mãos nos bolsos e o olhar fixo no chão. Quando a porta se abriu e Brittany entrou com um ar confiante, ele ergueu os olhos e a seriedade em seu semblante bastou para fazê-la vacilar por um instante. — Pai... você me chamou com tanta urgência. O que foi? Ele apontou para o sofá. — Sente-se, Brittany. Ela sentou, cruzando as pernas, ajeitando o cabelo como se estivesse se preparando para uma sessão de fotos. Drew permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de dizer: — Hoje foi o último dia que eu sustentei mentira nessa casa. O último dia que eu compactuei com esse teatro. Brittany o olhou, confusa. — Teatro? Do que você tá falando? Ele soltou uma risada amarga. — Você sabe muito bem. Você me envergonhou. Envergonhou seu sobrenome. Foi vista por funcionários da empresa onde eu sou acionista, se esfregando com o Richard Hamilton — um homem casado! — no escritório. E ainda teve a audácia de arrastar um advogado para tentar extorquir um homem que você traiu. — Pai! Você não entende — — Cale a boca! — ele explodiu, pela primeira vez em anos levantando a voz daquela maneira. — Eu desisti hoje das minhas ações na empresa. Eu vendi tudo. Sabe por quê? Porque não tive mais cara pra olhar nos olhos de ninguém. Porque a filha que eu criei, a menina que eu ensinei a andar de bicicleta e levei à escola, virou isso! Uma vergonha ambulante. E pior: tem a quem puxar. Porque sua mãe... — ele suspirou — já não é santa há muito tempo. Brittany ficou sem palavras. — A partir de hoje — continuou ele — vocês duas vão morar no apartamento que está no nome dela. E se virem. Eu vou pagar a pensão obrigatória, como manda a lei. Mas mais do que isso, não contem comigo. O cartão de crédito está cancelado. O carro, recolhido. A vida de dondoca acabou. Trabalhem. Mostrem que ainda têm algum valor. Porque como esposa e filha, falharam. — Você não pode fazer isso comigo! — ela gritou, levantando-se. — Posso sim. E já fiz. E mais uma coisa: se você já era capaz de trair antes do casamento, imagine depois. Patrick teve sorte de te flagrar a tempo. Eu é que fui cego por muito tempo. Ela caiu sentada de novo no sofá, o rosto pálido. Drew a olhou mais uma vez antes de virar de costas. A humilhação o corroía. Não apenas por ter sido enganado, mas por tudo que permitira. A filha que ele tanto amava havia se transformado em motivo de vergonha. Não bastava ela ter se envolvido com um homem casado, ela fez isso dentro da empresa onde o pai era acionista. Com o diretor financeiro, Richard Hamilton. E tudo enquanto ainda estava noiva de Patrick — o mesmo rapaz que ele tinha em tão alta conta. "Se ela já faz isso antes do casamento... o que não teria acontecido depois?" pensou com amargura. Drew sentia como se tudo em que acreditava tivesse se rompido de uma vez só: o respeito da esposa, o caráter da filha, a honra de sua família. Foi tirado de seus pensamentos por uma ligação. O visor do celular mostrava o nome de Patrick. Respirou fundo antes de atender. — Patrick? — atendeu, com a voz rouca. — Drew, desculpe ligar num momento como esse... Mas eu queria que você soubesse de uma coisa. Drew se calou por alguns segundos. — Eu me sinto um i****a, Patrick. Um i****a completo. Ver minha filha, minha esposa... tudo isso. Eu fui humilhado. Você também foi, e de maneira ainda pior, e mesmo assim... — a voz falhou. Patrick falou com firmeza, mas sem arrogância: — Eu fui humilhado sim, Drew. Eu acreditei na Brittany, estava noivo dela. E vi com os meus próprios olhos... Ela com o Richard. Dentro da minha empresa. E sabe o que eu aprendi com isso? Que a vergonha não é de quem é enganado. É de quem trai. Eu não vou carregar essa culpa, e nem quero que você carregue. Drew tossiu, a emoção ameaçando transbordar. — Você é mais digno do que muitos homens que conheci, Patrick. — Nós somos homens dignos, Drew. E é por isso que a gente segue. Quem tem que se esconder é quem mente, quem manipula, quem suja o próprio nome. Você fez o que tinha que fazer. Agora, siga em frente sem carregar o erro delas. Houve silêncio dos dois lados por um tempo, até que Drew murmurou: — Obrigado, Patrick. Por não me deixar afundar nesse abismo. Eu precisava ouvir isso. Patrick sorriu do outro lado da linha. — Estamos juntos nessa. E, se precisar, sabe que pode contar comigo. Quando desligou, Drew sentiu algo diferente. Como se, pela primeira vez em muito tempo, estivesse respirando com o próprio peito. O futuro ainda parecia incerto, mas ele tinha dado um passo. Um passo na direção certa. E dessa vez, ele faria valer a pena.
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