#LIVRE ÁRBITRO O Despertar da Aceitação e Missão

1336 Words
Maris, com os olhos úmidos, olhava para as mãos como se nelas estivessem gravadas todas as suas quedas. Ela então suspirou fundo e disse: — Mamãe... sabe de uma coisa que eu tenho pensado? Quando Deus nos deu o livre-arbítrio, Ele nos deu também uma grande responsabilidade. Mas eu fico imaginando se Ele... se Ele não sofre ao nos ver cair de novo. A gente estuda tanto antes de reencarnar. A gente planeja, faz compromissos, promete que não vai errar de novo. E aí... a gente volta e comete os mesmos erros. A mãe assentiu com ternura. — Sim, filha. Deus sente, mas não no sentido humano de tristeza. Deus vibra compaixão. Ele nos envolve em luz quando caímos... mas respeita o nosso tempo de aprendizado. E você está certa. Às vezes, caímos uma, duas, três vezes no mesmo erro. Mas em cada queda, um aprendizado é semeado — mesmo que pareça pequeno. Maris olhou para ela com sinceridade: — Então quer dizer que... se eu pequei pela mesma fraqueza mais de uma vez, eu não sou uma alma perdida? A mãe sorriu e tomou suas mãos: — De maneira nenhuma, minha filha. Você é uma alma em construção. Cada vez que retorna, traz mais ferramentas, mais oportunidades, e mais luz. Por isso, muitos espíritos voltam com a missão de redenção. Quando reencarnam pela terceira vez com a mesma dificuldade, já vêm com provas mais intensas... mas também com mais força espiritual. Maris assentiu, mas então seu semblante se tornou grave. — Só que agora, mamãe... eu também aprendi aqui que o nosso planeta está mudando, né? Que estamos passando por uma transição... Eu ouvi algumas palestras, li alguns livros. E parece que essa reencarnação, essa geração atual... é a última chance para muitos. A mãe olhou com mais seriedade e disse: — Sim, minha filha. A Terra está saindo da condição de planeta de provas e expiações, e caminhando para ser um mundo de regeneração. Isso quer dizer que os espíritos endurecidos, que já tiveram inúmeras oportunidades e ainda escolhem o m*l, a corrupção, a mentira, a crueldade, não poderão mais continuar reencarnando aqui. Maris arregalou os olhos. — Eles vão para onde? — Serão levados a mundos compatíveis com suas vibrações. Mundos mais primitivos. Lá, eles continuarão o aprendizado, mas com mais dor e mais luta. Não é punição. É justiça divina e amorosa. Aqui, ficarão os que estão dispostos a se melhorar — mesmo que ainda errem, mas que não desistam do bem. Ela então segurou o rosto da filha com as duas mãos e concluiu: — Por isso, minha filha... quando você voltar, mesmo que não lembre de tudo, não ignore a intuição que vai gritar dentro de você. Vai sentir sede de mudança, fome de perdão, necessidade de servir... Essa será sua bússola. E lembre-se: amor sem caridade não há salvação. Porque só o amor em ação nos transforma. A mãe de Maris segurou as mãos da filha com um olhar terno, mas firme. Havia algo em sua expressão que preparava o espírito de Maris para uma verdade mais difícil. — Minha filha... você se lembra dos tiros que sofreu, não é? Maris assentiu com um leve arrepio. — Sim... eu lembro. Três. Um deles me fez desmaiar. Depois, só escuridão. A mãe apertou um pouco mais suas mãos. — Uma das balas... alojou-se na sua coluna cervical. Os médicos estão lutando pela sua vida com muita dedicação. Mas... é possível que, caso você retorne, você volte com limitações. Pode ser que você não ande mais... O silêncio caiu como um véu pesado. Maris sentiu o mundo girar ao redor dela, mesmo naquele plano de leveza e silêncio. Seus olhos se encheram de lágrimas. — Eu... eu vou ficar paraplégica? — Ainda não sabemos. Tudo depende da misericórdia divina, do mérito, da sua missão... Mas é preciso que você esteja preparada. Por isso, eu te pergunto: Se isso acontecer... Você vai considerar isso uma injustiça de Deus? Ou vai conseguir enxergar que, talvez, seja o caminho que o Pai Celeste encontrou para a sua transformação? Maris fechou os olhos e, por um instante, sentiu o medo humano a tocar. Pensou em tudo o que perderia. Em dançar, correr, em cuidar de si. Pensou no julgamento das pessoas. Pensou no espelho. Mas, no plano em que estava, não havia máscaras, nem desculpas. Só verdade. Respirou fundo, abriu os olhos úmidos e respondeu com a voz embargada, mas decidida: — Se for esse o caminho... então que seja. Eu não quero voltar a ser quem eu era. Eu precisei morrer... pra entender o que é viver. Se a dor no meu corpo for a ponte pra curar o que eu destruí dentro de mim... eu aceito. A mãe sorriu com lágrimas discretas nos olhos. O brilho do espírito da filha começava a vibrar diferente. — Isso, minha menina... é redenção. E esse sentimento... essa aceitação... é o início da cura — não só da alma, mas, quem sabe, até do corpo. Não sabemos o que vai acontecer. Mas saiba: paraplegia não é castigo. É missão. E se for preciso, você vai ensinar ao mundo o que é amar, agradecer e recomeçar... sentada numa cadeira, mas de alma em pé. A notícia que muda tudo O corredor branco do hospital estava silencioso, como se o tempo tivesse desacelerado para respeitar o sofrimento de todos ali. Dreew permanecia de pé, as mãos unidas, os olhos vermelhos de cansaço, medo e culpa. Quando o médico finalmente apareceu, trazendo consigo o peso do conhecimento técnico e da humanidade contida na medicina, Dreew se endireitou, esperando o golpe que seu coração já pressentia. — Doutor... como ela está? O médico respirou fundo. A voz dele era calma, mas firme, como quem sabia o peso de cada palavra. — Senhor Dreew, a Maris sobreviveu por um milagre. Dispararam três projéteis. Nós conseguimos extrair dois com sucesso, embora um deles estivesse perigosamente próximo ao pulmão. Dreew apertou os olhos, contido. — E o terceiro? — O terceiro projétil está alojado na coluna cervical. Fizemos exames, consultamos uma junta de especialistas. Retirar a bala seria praticamente assinar uma sentença de paraplegia definitiva. Está localizada em uma área extremamente delicada, entre as vértebras cervicais. Por isso, decidimos deixá-la onde está. Dreew pareceu perder o chão. — Mas... e as chances dela voltar a andar? — A verdade, senhor Dreew... é que não sabemos. Pode ser que ela recupere os movimentos. Pode ser que não. O que posso afirmar é que, se ela não ficar paraplégica, terá que fazer fisioterapia pelo resto da vida. Mesmo com fisioterapia, haverá dias de dores severas. Essa bala é um corpo estranho dentro do organismo dela, e o organismo vai responder a isso com inflamações periódicas. Ela vai precisar de acompanhamento constante. Dreew abaixou a cabeça, emocionado. Passou a mão pelo rosto e deixou que o peso das lágrimas se libertasse sem vergonha. — Ela entrou em coma, não foi? — Sim. No início, foi coma induzido, para estabilizar as funções cardíacas. Mas após a segunda parada cardiorrespiratória, ela entrou em coma profundo espontâneo. Agora, os exames mostram que está em um estágio mais leve. Mas ainda em coma. Dreew engoliu em seco. E então, em voz baixa, mas decidida, falou: — Se ela sobreviver... Eu juro que vou cuidar dela. Mesmo que nunca mais sejamos casados. Mesmo que ela não volte a andar. Ela é a mãe da minha filha... a avó dos meus netos. E eu não vou deixá-la desamparada. Nunca mais. O médico o olhou por um momento, admirado. Os olhos cansados se suavizaram. — O senhor é um homem de uma grandiosidade rara. Poucos fariam essa promessa. E acredite, ela vai precisar. Pela condição em que está, e pelas dores que inevitavelmente virão. Dreew assentiu. E enquanto o médico se afastava, ele se virou em direção à janela, onde o sol começava a nascer. Sussurrou baixinho: — Se Deus me der essa chance, eu vou honrar essa missão. Mesmo que seja minha última.
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