Chapter 5

1825 Words
Acampamento da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Batalhão "VELEDA", 25 km dentro da linha Gótica, arredores de Montese, Itália, 9 de fevereiro, de 1945. Quando o tenente Macedo reuniu o g***o em sua barraca no meio daquela noite chuvosa e ainda fria da primavera italiana, Medeiros imaginou que iria receber algum tipo de punição, devido ao seu comportamento inadvertido e impulsivo das últimas missões, não tinha a menor ideia, no entanto, de que todos ali haviam sido escolhidos a dedo para compor uma força tarefa conjunta com os melhores homens da 10ª Divisão de Montanha - tropa de elite do exército americano - para uma missão muito especial, que mudaria sua vida para sempre. Os soldados do 3º escalão da Força Expedicionária Brasileira chegaram à Itália em vinte e dois de setembro de 1944. Um punhado de homens sem preparo, inocentes e patriotas. Foram meses extenuantes de combate, com pouco ou nenhum treinamento, enfrentando o enxame de projéteis das metralhadoras alemãs que, do alto das suas casamatas, ceifavam a vida dos brasileiros, com os campos minados, a chuva de bombas, morteiros e granadas e a voracidade dos canhões de 100 milímetros do 14º exército alemão. Eles se tornaram soldados de verdade tendo a guerra como mentora. O frio desumano do inverno europeu foi, aos poucos, congelando a alma cordial dos brasileiros, que viam seus compatriotas tombando, um a um, na selvageria daquela guerra insana. Depois da vitória gloriosa em Monte Castelo, todos no front italiano passaram a respeitar a bravura dos guerreiros do Brasil. Que, naquela ocasião, tiveram despertados dentro si uma b***a que só o deus da guerra tem poder de fazer aflorar. Nas quatro desastrosas tentativas anteriores da tomada do estratégico Monte, os inimigos impuseram um número inadmissível de baixas à tropa brasileira, sendo a derradeira e não menos penosa operação, chamada pelo exército americano pelo codinome ENCORE. Uma prova de fogo ansiada, não tanto pela bravura ou patriotismo, mas pura e simplesmente pelo ódio e d****o de vingança contra os alemães que cresciam com a visão de cada cadáver de brasileiro jogado no meio da lama. Muitas vezes um amigo ou apenas um conhecido, desfigurado e mutilado, esquecido e mumificado pelo frio. O soldado Pedro de Medeiros, ou Gaúcho, como todos o chamavam, fazia parte do 1º esquadrão de reconhecimento que ganhou muita notoriedade depois das bem sucedidas intervenções em Monte Castelo. Muito bom no combate corpo a corpo com baioneta e exímio atirador com o fuzil M1 Garand, logo se destacou como homem de confiança do oficial comandante do esquadrão. Ele era natural de Bagé, Rio Grande do Sul, e nunca imaginou que a sua vida simples e campeira nos pampas gaúchos mudaria tanto. Quando saiu do Porto do Rio de Janeiro nem sabia, ao certo, para onde estava indo. Só quando avistou da baía de Nápoles, pela proa do navio transporte, a fumaça branca que saía do cume do monte Vesúvio, se deu conta de quão distante estava de casa. Medeiros e outros nove companheiros de esquadrão, juntamente com mais vinte soldados americanos da Divisão de Montanha saíram no meio da madrugada, em 10 de fevereiro de 1945, em dois caminhões. Só depois de uma hora de viagem, os soldados foram informados da natureza da missão: a invasão do Castello di Leone, local que a inteligência aliada acreditava ser um quartel general e depósito de armas e munição. Quando se aproximaram da base do monte de onde já era possível avistar as ruínas da milenar construção, foram surpreendidos por um barulho forte semelhante a uma sequência interminável de trovões. De dentro do castelo, três máquinas voadoras, diferentes de tudo que ele já tinha visto, decolavam verticalmente. Eram helicópteros, aeronaves experimentais e raríssimas naquela época. Divididos em dois grupos avançaram pelo bosque da encosta, um pelo flanco sul e o outro pelo oeste do monte. Os americanos escalaram a muralha e o g***o brasileiro entrou por uma lateral desmoronada da fortaleza, surpreendentemente pouco guarnecida. Depois de receber o sinal para avançar, Medeiros logo tratou de procurar um ponto elevado com uma visão privilegiada e, com seu fuzil M1, abateu duas sentinelas. Do outro lado, ouviam-se os disparos das submetralhadoras americanas. Os dois grupos se encontraram no centro do pátio depois de clarear o perímetro, entrando em seguida no interior do castelo. O que parecia as ruínas de uma fortaleza medieval, na verdade, revelou ser um complexo subterrâneo. O combate foi rápido. Surpreendentemente, os alemães restantes esboçaram o mínimo de resistência. Veio, então, a ordem de fazer o reconhecimento do local. Trocaram os fuzis por armas curtas e foram avançando pelos corredores de concreto. Logo perceberam não se tratar de depósito de armas ou algo do gênero, pois o lugar mais parecia um laboratório ou uma instalação hospitalar. Mas já estava vazio. Tudo tinha sido levado às pressas e o que não fora levado estava destruído. Não havia nada além de equipamentos antigos, geradores inutilizados, rádios velhos e material médico espalhados pelo chão. Logo concluíram que aquilo deveria ser um bunker nazista evacuado rapidamente devido ao iminente avanço aliado. Talvez um esconderijo para altos oficiais nazistas. Um objeto se destacava intacto em cima de uma plataforma no centro de uma sala envidraçada de formato circular. Assemelhava-se a uma mesa cirúrgica com o formato do contorno do corpo humano e com vários cabos elétricos soltos. No canto da sala contígua, trancado dentro de uma caixa de aço, que Medeiros abrira com uma coronhada de fuzil, encontrou o que parecia ser um estranho capacete metálico, porém, com lentes coloridas sobre os olhos e terminais para conexão elétrica na lateral. O objeto lhe pareceu muito interessante, um bom souvenir de guerra, e ele não hesitou em colocar na mochila. Em seguida, ouviu um ruído atrás de uma porta semiaberta e seu sangue gelou instantaneamente. Entrou no compartimento com sua p*****a Colt .45 em punho e se deparou com um soldado alemão de uniforme preto, sem qualquer identificação, sentado no chão segurando um detonador com o rosto lívido e um sorriso de pavor. Ele falou algumas palavras inteligíveis em alemão apertando então o gatilho... Nada aconteceu. Ainda tentou sacar uma p*****a Luger, mas não teve tempo. Medeiros atirou na sua cabeça. O estampido do disparo atraiu o resto do g***o que chegou em segundos e, depois de observarem melhor a cena, descobriram que era uma armadilha. O lugar estava repleto de cargas explosivas em quantidade suficiente para obliterar o monte inteiro. *** De volta ao acampamento nos arredores do Burgo de Montese, Gaúcho mostrou a nova aquisição a um colega de esquadrão que não soube precisar o que seria o objeto, porém apostou num equipamento de aviação semelhante aos usados pelos pilotos de caça. Concluíram, então, que só poderia ser das estranhas aeronaves que viu decolando do castelo naquele dia. Três dias depois, todos que participaram da incursão em Castello di Leone foram chamados e interrogados por oficiais da inteligência acerca de detalhes ou informações negligenciadas num primeiro momento. Com medo, Medeiros nada disse sobre o capacete. No dia seguinte à incursão, o castelo e as instalações subterrâneas foram completamente destruídos por um bombardeio concentrado de aviões da Luftwaffe. Três bombardeiros foram abatidos por caças da RAF (Força Aérea Britânica). O empenho dos alemães em destruir o lugar, num momento tão delicado da guerra, com o avanço das forças aliadas em diversas frentes europeias, reacendeu as especulações sobre a real finalidade do bunker. Os boatos das armas secretas de Hitler, que poderiam mudar os rumos do conflito, preocupavam a inteligência aliada. Em sete de maio de 1945, é assinado o termo de rendição da Alemanha. A guerra na Europa estava terminada, mas o nazismo, não. *** Medeiros ficou conhecido como o herói de Bagé. Pelas suas atuações na campanha em Monte Castelo, recebeu a Cruz de Combate de prata da FEB, foi promovido, por bravura, à graduação de Terceiro Sargento, e ainda condecorado com a Estrela de Bronze, quarta maior honraria do Exército Americano. Foi recebido, também, como herói na cidade, homenageado no quartel e na Câmara de Vereadores, mas o alarde passou. Pedro não se adaptou mais à vida no campo. E, aos vinte cinco anos, mudou para Porto Alegre. Diferente de outros Ex-combatentes que voltaram irreconhecíveis para o Brasil, seguiu sua vida normalmente, casou e se tornou vigia noturno. Era alegre e adorava contar suas aventuras na Itália aos amigos, principalmente, de mostrar aquele estranho capacete que trouxera da guerra. Dez anos depois, revirando o baú de lembranças na sua garagem, ele se deparou com o capacete que havia trazido do Castello di Leone impecavelmente conservado. Viu-se refletido no metal prateado e, imediatamente, os acontecimentos daquele dia passaram na sua cabeça como um filme. Um arrepio percorreu seu corpo quando se lembrou do rosto do soldado alemão, do sorriso alucinado e das palavras que ele jamais entenderá. Pedro sempre fora curioso e já havia esperado tempo demais. Era hora de se libertar daquela angústia e superstição. Começou a manusear o capacete e ficou intrigado com o compartimento na parte traseira do artefato. Tentou, sem sucesso, abri-lo com todas as ferramentas que possuía. Por fim, adaptou fios elétricos às conexões na lateral e, receosamente, ligou-os na energia elétrica. Foi maravilhoso, pareceu que o capacete ganhara vida. Os mecanismos internos entraram em funcionamento. Com um leve zumbido, seguido de um ruído de relógio antigo, ele emitia luzes que pulsavam mudando de cor automaticamente. As lentes se moviam coordenadamente no ritmo das luzes. Não resistiu e vestiu o capacete. No início, ficou maravilhado com a experiência, e pensou como aquilo iria fazer sucesso entre seus amigos. Foi quando sentiu que, da parte de trás do capacete, saiu um tirante metálico que o prendeu firmemente à sua cabeça. Ele se desesperou e tentou tirar aquilo, puxando pelos fios, mas o tirante não cedeu e o equipamento não parou de funcionar. Sentiu em seguida, uma pontada na nuca e uma dor lancinante. Uma agulha grossa atravessara a parte de trás da sua cabeça e injetara um líquido lá dentro. O ex-soldado gritou de dor e, desesperadamente, tentou tirar aquilo da cabeça, mas não adiantou e caiu desacordado no chão. As luzes ainda funcionaram por um tempo enquanto seus olhos se moviam descoordenadamente. A agulha se recolheu e o tirante se soltou liberando o capacete que foi parar embaixo do seu carro devido às suas convulsões. Pedro ficou em estado vegetativo vários meses e, quando acordou, não era mais o mesmo. Envelheceu, seus cabelos caíram. Era uma figura mórbida. Passou a falar coisas sem sentido e, às vezes, se dizia soldado da coroa portuguesa. Agressivo, foi internado como esquizofrênico morrendo, numa tarde de sábado no Sanatório Militar de Porto alegre. Oficiais do Exército visitaram a casa investigando sua morte. Fizeram perguntas e concluíram se tratar de trauma pós- guerra. Sua mulher lhes entregou o capacete que, enviado para o Rio de Janeiro, foi considerado como equipamento médico e, depois, arquivado com outros artefatos da segunda guerra no Instituto Histórico do Exército.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD