Capítulo 3 — Fábio

1165 Words
FÁBIO Observação ao leitor: Este capítulo mergulha na mente de um predador. O tom é frio, calculista e repulsivo, como deve ser. Fábio é uma ameaça, e a intenção é que você sinta nojo, desconforto e tensão ao ler seus pensamentos. Ele não é um herói, nem um vilão romantizado. É um monstro, e é assim que deve ser sentido. A cadeia não muda um homem. Não como as pessoas pensam. Tem quem saia de lá querendo virar santo, rezando pra esquecer o passado, pedindo perdão por coisas que nunca vai deixar de ser. Eu não. Dois anos trancado, olhando o mundo por uma fresta enferrujada, só me ensinaram uma coisa: quem eu sou de verdade. O sangue quente, os instintos rosnando, a fome que não explica, mas também não mente. Lá dentro, era só concreto, suor, gritos de preso e o eco da minha própria cabeça. Nenhuma mulher. Só a lembrança delas. Mas agora? Agora eu tô solto. E essa casa... essa casa é um banquete. A primeira vez que vi a Sara, soube na hora. Ela não é só uma menina. É uma visão. Loirinha, pele clara que parece que vai rachar se tocar, magra, com aquele jeito frágil que dá vontade de segurar forte só pra ver até onde aguenta. O cabelo liso, comprido, descendo até a b***a como uma cortina que balança quando ela anda. E os olhos... verdes, grandes, assustados, como se ela soubesse que o mundo não é seguro, mas ainda não entendesse o porquê. Dezesseis anos, a Pri disse. Mas o corpo? Já é de mulher. Ela tenta esconder nas roupas largas, nos moletons folgados, mas eu vejo. Cada curva, cada pedaço. Ela não sabe o poder que tem. E é isso que me pega. Eu observo ela todo dia. Não é só olhar. É estudar. O jeito que ela caminha, leve, como se tivesse medo de fazer barulho. O jeito que evita cruzar comigo, baixando os olhos e apertando o passo quando entro na sala. É engraçado. Quanto mais ela foge, mais eu quero. Tem algo naquele jeito assustado, na pressa de sumir pro quarto, que me acende por dentro. É o jogo. Ela sente, eu sei que sente. Intuição de mulher, dizem. Mas isso não muda nada. Só torna tudo mais... interessante. Na primeira semana, eu ficava encostado no batente da porta da cozinha, tomando uma cerveja, enquanto ela passava pelo corredor. Não falava nada. Só olhava. Via a mão dela tremendo segurando o copo d’água, os pés descalços hesitando no chão frio, a respiração curtinha que ela tentava esconder. Uma vez, ela saiu do banho com uma toalha enrolada, o cabelo pingando, gotas escorrendo pelo ombro. Passou pela sala fingindo que não me viu, mas eu vi tudo. A pele úmida, o jeito que a toalha marcava a cintura. Fiquei quieto, só com um sorriso no canto da boca, deixando ela sentir o peso do meu olhar. Outra noite, ela esqueceu de fechar a porta do banheiro direito. Eu tava no corredor, encostado na parede, no escuro. A fresta era pequena, mas o suficiente. O vulto dela se movendo lá dentro, o som da água caindo, o espelho embaçado. Não precisava ver tudo. Minha cabeça completava o resto. E era perfeito. As pessoas não entendem o que é sentir isso. Essa fome. Esse vazio que só se preenche quando você toma o controle. Não é só desejo. É poder. É saber que ela tá ali, tão perto, respirando o mesmo ar que eu, mas ainda fora do meu alcance. Por enquanto. Porque o que é bom exige paciência. E eu sou paciente. Tentei abrir a porta do quarto dela uma noite dessas. Era tarde, a casa silenciosa, o tipo de silêncio que engole qualquer barulho. Girei a maçaneta devagar, sentindo o metal frio na palma da mão. Trancada. O estalo seco da tranca ecoou no corredor, e eu ri baixo, sozinho ali no escuro. Ela sabe. Tranca a porta, encosta a cadeira na maçaneta — eu ouvi o arrastar do móvel uma noite. Ela sente o perigo. E isso só me faz querer mais. Porque uma hora ela vai escorregar. Uma hora vai baixar a guarda. E eu vou estar esperando. A Pri, coitada, acha que tá me salvando. Me trouxe pra cá com aquele papo de “recomeço”, de “família ajuda família”. Ela sempre foi assim, coração mole, achando que todo mundo tem conserto. Não entende que eu não quero ser consertado. Eu sou o que sou. Só aprendi a ser mais esperto. Mais quieto. Mais calculista. A cadeia me ensinou isso: você não é pego se souber jogar. E eu sei jogar. O pai da Sara? Um inútil. Passa o dia no sofá, garrafa de cerveja na mão, assistindo futebol e rindo das minhas piadas. Me trata como se eu fosse da família, como se eu não tivesse passado dois anos atrás das grades por roubo e uma briga que deixou um cara sangrando no chão. Ele não pergunta nada. Não vê o jeito que a filha se encolhe quando passo por ela. Não nota o silêncio dela. Esse tipo de homem facilita tudo. Ele não vai ser problema. Eu anoto tudo na cabeça. Os horários, os hábitos. Sei que às terças a Pri vai pro mercado, fica fora por umas duas horas. Que o pai sai cedo nas quartas pra resolver coisas na oficina, volta só à noite. Que a Sara toma banho depois do almoço, sempre com a porta trancada, mas a janela do banheiro fica entreaberta pra deixar o vapor sair. Sei que ela desce as escadas sem fazer barulho, como se quisesse ser invisível. Que fecha a cortina do quarto, mas não tranca a janela. Pequenos detalhes. Pequenos erros. É só uma questão de tempo. Ontem, eu tava na varanda, fumando, quando ela passou pela sala. Vi pelo reflexo na vidraça. Ela parou, olhou pros lados como um bicho assustado, depois correu pro quarto. Deixei o cigarro queimar até o filtro, sentindo o cheiro de tabaco se misturar com o ar quente da noite. Pensei nela ali, trancada, achando que tá segura. Mas segurança é ilusão. Uma porta trancada não para um homem como eu. Só me atrasa. Eu não sou burro. Já fiz merda antes, paguei caro. Dois anos comendo comida fria, dormindo em colchão duro, ouvindo o ronco de outros presos. Mas agora eu sei como fazer. Tem que ser com calma. Tem que ser limpo. Ninguém pode suspeitar. A Pri vai defender o “irmão querido”. O pai não vai nem notar. E a Sara... ela vai aprender que não adianta fugir. Sento no sofá agora, com a cerveja gelada suando na minha mão. A casa tá quieta, só o som do ventilador zumbindo no canto. Fecho os olhos e vejo ela. A loirinha. O cabelo molhado, os olhos assustados, o jeito que ela treme quando passo perto. O tempo dela tá acabando. E o meu? Tá só começando.
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