Indecisão

957 Words
Ralph estava sentado no interior de um galpão subterrâneo. O som dos gritos masculinos ecoava pelo corredor estreito, abafado pelas paredes de concreto. Ele ouvia tudo — as súplicas, o desespero, o barulho seco da dor — mas não se importava. Tomava, com calma, o iogurte que Louis havia deixado sobre a mesa ao entrar. O contraste era grotesco: a tortura no fundo da sala e o gosto suave de morango escorrendo pela garganta. O homem que gritava lá dentro era um inimigo. E Ralph não se incomodava com a agonia dos inimigos. Quando terminou, se levantou sem pressa. Deixou o copo vazio sobre a mesa e subiu as escadas do galpão, cruzando com um dos seguranças, que evitou o olhar. Lá fora, Adonis dava ordens aos homens do perímetro. Além de Louis, Adonis era o único em quem Ralph confiava. Mas, diferente dos outros soldados, Ralph sabia: Adonis não era leal à organização. Não era leal a Louis. Adonis era leal a Ralph e só. Esperava, em silêncio, que Louis caísse. Que Ralph assumisse. Que a tormenta enfim acabasse. Quando viu Ralph se aproximar, Adonis interrompeu as instruções e o acompanhou em silêncio por alguns metros. Depois, comentou direto: — A casa tá com pouca coisa. A empregada disse que a geladeira tá vazia. Louis deu ordem pra não comprar quase nada. Ralph suspirou. Sabia bem do que o irmão era capaz, mas não suportava ver Georgina sofrendo. — Ele disse que ela não merece muito — completou Adonis. — Que comida demais deixa mulher mimada. Ralph parou de andar. Passou a mão pelos cabelos. Respirou fundo. — Vai até o mercado. Compra tudo que for preciso. E diz pra empregada que foi ordem minha. Adonis assentiu. — Algo mais? Ralph pensou por um segundo. — Pode dizer, capo. — Adonis... Louis é o capo. — A maior parte dos homens não aceita a posição dele. Estão só esperando você liderar. — Eu não vou trair meu irmão — respondeu Ralph, firme. — Eles que esperem, estão esperando sem motivo, meu irmão continua onde está; Adonis o observou com calma. — E você vai aguentar ver Georgina sendo machucada? Vai ficar de braços cruzados enquanto ele força e a sodomi.za? Vai mesmo, Ralph? Ralph fechou os olhos por um instante. — Eu vou falar com ele. Ele não pode fazer isso. — Você conhece seu irmão. São feitos da mesma carne. Sabe que, assim que se casarem, ele vai sodo.mizar a menina. Vai destruir ela. O silêncio caiu pesado entre os dois. Ralph seguiu andando, o maxilar travado. Por dentro, ele já sabia que a conversa com Louis não resolveria nada. E talvez fosse isso que mais doía. Ele não se sentia capaz de trair o irmão. Louis foi a primeira pessoa que ele amou. A primeira que segurou sua mão, dormiam juntos quando pequenos — e até hoje, se precisassem, seriam capazes de dividir qualquer espaço, qualquer silêncio. Salvaram a vida um do outro mais de uma vez. E morreriam um pelo outro, se fosse necessário. Como trair o próprio irmão? Como? Não podia. Não sabia. Mas, ao mesmo tempo, a imagem de Georgina invadia sua mente com força. Ela era calma, delicada. E o desestabilizava como ninguém. Ele não sabia o momento exato em que começou, só sabia que estava nela, que seus olhos e coração estavam na noiva do seu irmão gêmeo. Gostava do jeito que ela sorria, do som da voz baixa, do modo em que ela prendia o cabelo, do jeito que ficava em silêncio sem parecer vazia. Gostava... demais e amava. Mas não sabia qual dos dois amores teria que escolher. Porque, de um lado, havia Louis — e o amor que os mantinha de pé desde a infância. Do outro, Georgina — o elo que podia fortalecer a máfia inglesa… ou destruí-la. O telefone tocou. Ralph olhou para a tela e viu o nome: Bartolomeo Falcão. Não atendeu, pois sabia o que ele queria. O chefe do Cartel inglês também esperava a queda de Louis. Parecia que toda maldita pessoa na Inglaterra desejava a morte do seu irmão. Muitos queriam a sua morte também, claro. Mas a de Louis... essa era sonhada por muita gente, muita.. E o pi.or era que Louis não tinha palavra. Se achava um deus. Acreditava que podia voltar atrás em tudo. Que bastava sorrir, oferecer bebida cara, um acordo falso, e tudo estaria resolvido. Mas naquele mundo — até mesmo nas ruas mais sujas da Inglaterra — uma palavra tinha que ser sustentada.A quebra de uma promessa gerava mais inimigos do que se podia imaginar. Louis já tinha muitos por isso. Porque um homem sem palavra… é um homem sem honra. Podia m.atar, derramar sangue, tort.urar. Tudo isso era esperado de um Sallow. Mas quebrar a própria palavra? Isso o tornava desprezível até entre monstros. E Louis... Louis não tinha palavra. Ralph socou a parede à sua frente com força. O impacto tirou a pela dos dedos, mas ele não sentiu dor. Só raiva. Não ia trair o irmão. Não ia. Antes disso, preferia cair com ele. Se afundar junto. Era isso que sempre foram: dois irmãos ligados por um destino sujo. Mas então e Georgina? E era aí que tudo se complicava. Ela não era só uma mulher, não era só um desejo. Era a filha de Osborn e sabia que, na cabeça dos inimigos, ela seria usada como alicerce para tomar o poder. Ela era uma peça valiosa. E se Louis perdesse o controle sobre ela… se ela caísse nas mãos de outro... todo o império Sallow poderia ruir. Ou pi.or: ser reconstruído por outro nome e Georgina sofreria ainda mais, porque alguém pi.or que ele e Louis subiria ao poder.
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