Vlad

2443 Words
*** Minha visão estava embaçada e sentia dores na cabeça, eu havia acordado com a nuca completamente dolorida. Me sento na cama olhando em volta. Fotografias se espalhavam pelas paredes do quarto, partituras de música e livros didáticos de literatura francesa estavam em cima de uma penteadeira cinza, e uma corrente de pisca pisca de árvore de Natal estava acesa e envolvida na cabeceira da cama. Eu estava no meu quarto. - Mas o que...- digo esfregando os olhos. Eu quis entender como eu fui parar no meu quarto, por que eu não me lembrava de ter entrado por aquela porta. - Você baba enquanto dorme.- uma voz familiar falou no fundo do quarto.- Não deve ser com tanta frequência, eu acho. Me viro quando reconheço a voz rouca. O garoto que me atacou, estava sentado em uma das minhas poltronas de borracha, como se estivesse estado ali por horas. Ele tinha cabelos loiros escuros e usava uma blusa preta com mangas curtas, que definia bem seus músculos. Um colar envolvido em seu pescoço tinha um pingente, que parecia ser uma rosa prateada. - Você. Levanto da cama rapidamente para tentar fugir. - Eu não faria isso.- ele se levanta da poltrona e vem na minha direção com passos lentos. - Fica longe de mim!- grito. Sua expressão calma e sorridente me assustaram ainda mais. Corro para o outro lado do quarto e alcanço a tesoura que estava em cima da penteadeira. Ele dá um sorriso malicioso e para bem na minha frente com um ar confiante. - Não vou machucá-la.- diz chegando mais perto. Eu aponto a tesoura mostrando para ele se afastar. - Você já me machucou, ontem à noite. Ele recua surpreso e com as mãos levantadas. - Você se lembra.- Sua voz m*l saiu. - Claro que eu me lembro.- respondo apavorada.- Como eu iria esquecer? Ele não é assustador, eu pensei. Nada nele era. Ele parecia normal, um adolescente normal, mas de uma forma mais bela e sedutora do que qualquer outro. E isso era irrelevante naquele momento. - E do que exatamente você se lembra?- ele pergunta de braços cruzados. Você vai se esquecer de tudo... - Ah meu deus..- as minhas mãos começam a tremer.- Os seus olhos... Me lembro vagamente dos olhos azuis anormais que se fixaram em mim na noite passada. Ele tenta se aproximar de mim, mas eu ergo a tesoura. - São encantadores, não são?.- ele diz se afastando com um sorriso.- Ô, calma, você caiu e bateu com a cabeça. - Não, eu não caí!- rebato com os olhos arregalados.- Você me derrubou, eu senti. Eu estava fugindo e você me atacou... - Está imaginando coisas. - Estou? Por que pareceu bem real, assim como os gritos vindos da sua casa. Ele dá um suspiro e abaixa as mãos. - Como é possível?- ele diz em um sussurro para si mesmo.- Como é possível você se lembrar? - Mas do que é que você está falando? Ele dá uma última olhada para mim, pude ver melhor as pupilas dos olhos dele. E não estavam como antes, elas não estavam brilhando e nem dilatadas. - Eu preciso ir. Abaixo a tesoura quando ele sai do quarto, percebi que minha respiração estava completamente desregulada. Ele ficou tão surpreso quando eu disse que me lembrava de tudo o que aconteceu. Como se não lembrar daquilo, fosse o que ele queria para mim. Mas eu lembrava. - Espera!- digo indo atrás dele. Desço até a metade das escadas e me deparo com ele parado perto o suficiente do meu rosto. - Sim?- ele espera uma resposta com a expressão divertida. O quão ele estava perto, o tom de seus olhos azuis mudaram para algo mais forte. Um azul brilhante. Chego mais perto, quase não deixando espaço entre nós dois. Eu podia sentir a sua respiração bater em meu nariz, me sentia pequena perto dele. - Você está mentindo para mim- disparo. - Estou?- ele finge surpresa.- Acho melhor você voltar para cama... - Pare com isso.- eu peço. Ele sorri, um sorriso fajuto. - Com o que? - Não faça eu parecer uma maluca.- digo ainda assustada.- Não seria justo. Seu sorriso desapareceu e seu ar calmo se foi. Ele aproxima seu rosto do meu ouvido, me fazendo lembrar da noite passada como se eu estivesse a revivendo. - Ninguém vai acreditar em você.-Ele se afasta do meu ouvido para encarar meu rosto.- Acredite, é um caso perdido. Ficamos nos encarando por alguns segundos, quando ouvimos passos vindos da sala. - Jean?- minha mãe aparece com o celular no ouvido direito.- Você acordou. Está tudo bem? - Diga, Jean.- ele diz baixinho sem desviar seus olhos dos meus.- Diga, está tudo bem? Permaneci imóvel, eu apenas segurava o corrimão. Dou um sorriso para a minha mãe e concordo com a cabeça. - Eu estou bem.- volto a olhar para ele. Ele sorri satisfeito e depois se vira para descer o resto da escada. Respiro profundamente, encarar uma situação como aquela não era fácil. Na verdade, encarar, não era bem a palavra que eu usaria. - Sra. Mohrelly.- ele se despede gentilmente. - Mais uma vez, obrigada Vlad.- diz ela agradecendo. Me sento na escada quando ele vai embora, fiquei abalada com o queixo caído. Eu não conseguia processar o que tinha acabado de acontecer. Eu não fazia ideia do que realmente estava acontecendo. Mas de uma coisa eu tinha certeza, aquele cara era perigoso. - Mas o que diabos foi aquilo?- ela exige saber depois de fechar a porta. Eu bufo. - Aquele garoto. Ele tem que ir embora daqui.-levo a mão a testa.- E também parar de agir como um adolescente normal, por que ele não é. - Mas do que você está falando? Ele é um adolescente normal, meu amor tem certeza de que se recuperou? A pancada na cabeça deve ter.. - Me deixado paranoica? Eu me lembro de ontem a noite e não foi do jeito que ele te contou. Eu ouvi gritos, ouvi gritos lá! - E como eu não ouvi? E como os outros vizinhos não ouviram? E Ross? O quarto dela é bem perto do seu. - Vocês duas tem um sono bem pesado.- explico.- E eu estava acordada, preenchendo fichas de inscrição da faculdade. - Querida você.. você deve ter visto coisas. Deve ser imaginação sua.- Ela me olha com ar de preocupação.- A propósito, ele cuidou muito bem de você. Você é que foi rude. Fecho os olhos e dou um suspiro. - Eu sei o que eu vi. E não foi uma pessoa cuidando de outra, tem muito mais, mesmo se eu te contasse, a compreensão não a atingiria- digo com firmeza.- As vezes a realidade não é diferente da imaginação. Ela cede com um sorriso. - Seu pai costumava dizer isso.- diz ela.- Eu sei que sente a falta dele... - Você acha que estou fazendo isso por causa do meu pai?- pergunto.- Isso não tem nada haver com ele. - Não querida, de jeito nenhum.- Ela começa e depois se senta ao meu lado.- Eu quis dizer, que sei exatamente como você se sente. - Não, não sabe.- eu rebato. - Claro que eu sei. Eu sinto a falta dele tanto quanto você.- ela diz me evolvendo em um abraço apertado.- Você está cansada e nervosa por que vai se formar daqui há três meses. E ele não vai estar lá.- senti minhas bochechas ficarem molhadas e percebi que as lágrimas caíram despercebidas.- Mas eu vou estar e Ross também. Jean, vai dar tudo certo... Concordo com a cabeça e a abraço ainda mais. - Isso também significa que você vai voltar para a escola.- ela continua e me afasto para olhá-la confusa- É, eu liguei pra sua diretora. Fiz questão de lembrar a ela que você tem um projeto de economia para apresentar amanhã. - Tem certeza de que eu posso ir? - Bem, você ainda será punida.- diz se lembrando.- Vai ajudar na limpeza das salas. *** Pego o celular e já eram cinco horas da tarde, fiquei imaginando se Vlad estaria em casa a essa hora, por que eu estava em frente a porta dele. Eu devia estar fazendo meu projeto de economia, mas eu não conseguia parar de pensar em que fui atacada, e ele estava morando bem no meu lado. Eu não iria esquecer tão facilmente, pois era quase inexplicável a forma como aconteceu. Bato na porta e ela abre fazendo um ruído agoniante. Entro quando eu percebo que não tinha ninguém atrás dela ou na casa, e eu a fecho atrás de mim. Ando pelo o grande espaço ficando distraída com algumas pinturas expostas na parede, elas pareciam ser de Paris, por causa da torre Eiffel. Outras pinturas também estavam penduradas na parede perto de uma janela, a janela onde eu havia me escondido do lado de fora na noite passada. Fixei meus olhos em uma pintura, ela estava pintada com cores diferentes das outras, não havia tristeza e nem cores mortas como as pinturas de Paris. Ela estava mostrando alegria, cheia de cores vivas, expandindo calor. Nela havia um chalé, que ficava perto de um lindo lago azul. - Eu as comprei de um pintor na França.- diz uma voz soprando nos meus cabelos.- São lindas, não são? Me viro e Vlad estava atrás de mim, com o seu cabelo loiro despenteado e o seu sorriso intimidador. Ele estava usando uma calça preta com uma blusa branca. - Será que dá pra parar de aparecer assim?- eu estava respirando rápido. Ele dá de ombros. - Você que resolveu invadir a minha casa. - Eu não invadi.- digo e ele levanta uma sobrancelha.- A porta estava aberta. Ele olha para a porta que agora estava fechada. - Vamos fingir que sim.- diz piscando para mim. Reviro os olhos. - Ela estava mesmo aberta.- insisto. - Mas é claro que ela estava.- diz e depois suspira.- Ora, vamos. Eu estou brincando com você. - Eu não estou no clima para brincadeiras. - Então o que você veio fazer aqui, garota? Coloco o cabelo atrás da orelha. - Temos que falar sobre o que aconteceu.- Ele se senta em uma poltrona de couro marrom perto da lareira acesa.- Pelo contrário eu não irei embora, se é o que pensa. Ele me encara relaxado. - Pois bem.- diz encostando suas costas na poltrona.- Eu acho que você vai querer se sentar. Olho para a poltrona do lado dele. - Obrigada, mas eu estou melhor aqui. Seu sorriso brilhou a luz das chamas da lareira. - Você tem medo de mim. - Eu não tenho.- digo com firmeza.- Apenas estou tentando entender o que está acontecendo, porque a minha cabeça tá fritando. Nada do que eu vi faz sentido. - Mas faz.- ele permanece calmo, enquanto eu estava começando a me exaltar.- Você viu tudo. - Eu não... - Eu a hipnotizei. Ou eu achei que havia hipnotizado.- ele acaricia o próprio queixo como se estivesse pensando. - O que você está dizendo?- pergunto e passo as mãos pelo rosto.- Eu não sei nem quem ou o que você é! Ele se levanta furioso. - A questão não é o que eu sou.- diz me prendendo na parede.- Você diz que não tem medo, mas o seu coração diz outra coisa. Eu posso ouvi-lo, e ele está bem acelerado, pulsando... - Você está me assustando!- digo empurrando-o. - Não jogue sujo comigo, Jean... - Mas o que você está dizendo!- eu abraço a mim mesma.- Ontem eu ouvi gritos... achei que alguém estava sendo atacado por você, quando na verdade eu que fui atacada. Você me machucou e tentou me aterrorizar. E deu certo. Ele aperta os lábios e tenta se aproximar. Mas eu levanto as mãos fazendo um sinal para ele parar ali mesmo. - Eu não quis machucá-la...- diz.- eu não machuco os humanos. - Humanos?- o ar ameaçou abandonar meus pulmões quando comecei a ficar tonta. Ele fixa os olhos em mim, tentando me avaliar de alguma forma. - Acredita em lendas?- ele pergunta. - Em lendas?- minha voz pareceu ecoar dentro da minha própria cabeça.- O que isso tem haver com o fato de que você pode ser um assassino ou um maníaco? Ele franze a testa, como se aquilo fosse uma ideia i****a. - Se isso fosse mesmo um fato- ele começa.- Por que você ainda está aqui falando comigo inteira? - Eu não sei.- as palavras saíram como um sussurro.- Eu não sei... - Você deve conhecer a lenda do conde da Romênia.- ele diz. - Você está me confundido...- hesito para tentar me acalmar. - Conhece a lenda?- pergunta mais uma vez. - Eu não me lembro muito bem.- respondo.- Eu ouvia essas histórias quando eu era pequena. - Então eu vou refrescar a sua memória.- diz.- Há alguns séculos, a Romênia foi erguida por uma família muito poderosa. Era uma linhagem muito forte e cheia de herdeiros e herdeiras.- ele explicou.- O povo os amava, os respeitava. Mas isso mudou quando descobriram o que eles eram. - Vampiros.- eu digo emendando. - Pensei que você não se lembrava dessa história.- seu tom era perseguidor. - De algumas partes. - A maioria das pessoas que viviam na Romênia, eram vampiros.- ele continuou.- E isso foi o começo de um caos. As noivas do Drácula foram queimadas em fogueiras enquanto o sol nascia, os filhos delas foram mortos por estacas em seus berços. E sua esposa grávida...- ele hesita, como se estivesse com raiva.- foi morta por um lobisomem de bando, enquanto tentava fugir na floresta. Por que ela também era uma vampira. - O conde foi o único que sobrou, por que ele tinha séculos e era o mais forte. Ele lutou e prometeu vingar a todos que ele perdeu, principalmente a mulher que ele amava. Os vampiros que eram leais a ele se juntaram para lutar contra os lobisomens e seus aliados humanos. Dando início a era escura, a guerra entre humanos, lobisomens e vampiros. Isso não é um absurdo? - É apenas uma história. Ele dá um sorriso torto. - Acontece, que essa história, está errada.- ele faz uma observação.- A esposa do Drácula estava grávida. E a história diz que ela morreu sem dar a luz. Mas ela teve a criança no castelo, na noite do ataque. - Onde você quer chegar com isso? - Eu sou essa criança, Jean. Meus olhos se arregalaram. A sensação era terrível e minha cabeça queria rejeitar aquilo, mas o choque era doloroso. Doloroso e persistente. O quê? - Eu sou o filho do Drácula.
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