O som dos motores importados preenche o pátio de pedra da mansão. Três carros pretos entram em fila, o primeiro deles parando diante da escadaria principal.
Henrique já está lá, em posição, observando tudo com o mesmo olhar atento de sempre. O ar da manhã está pesado, e o clima parece mudar no instante em que Antônio Mancini desce do carro.
Terno escuro, óculos de sol, o andar firme de quem está acostumado a comandar homens e a ser temido por eles.
Ele cumprimenta um dos seguranças ,depois volta-se diretamente a Henrique.
— Entre comigo.
Henrique o segue pelo corredor principal, o som dos passos ecoando no mármore. Assim que entram no escritório, Antônio fecha a porta, deixando o silêncio tomar conta do ambiente.
O escritório é amplo, forrado por prateleiras. Ele se senta atrás da mesa, tira os óculos e o encara.
— Soube que tivemos um problema ontem.
Henrique mantém-se firme.
— Dois homens seguiram Virgínia no shopping. Não chegaram a se aproximar, mas agiram como se estivessem observando. Intervi antes que fosse necessário algo mais... chamativo.
Antônio cruza as mãos, pensativo.
— E acha que foi coincidência?
— Não.
— Quem mandaria?
Henrique hesita um segundo.
— Suspeitos não faltam. Mas eram profissionais o bastante pra não cometer erros visíveis.
Antônio solta um leve suspiro e apoia as costas na cadeira.
— Você fez o certo. E ela?
Henrique desvia o olhar por um instante, lembrando do olhar assustado de Virgínia e das perguntas da noite anterior.
— Abalada. Mas segura.
Antônio se levanta, vai até o bar do escritório e serve um copo de uísque. A tensão silenciosa é quase palpável.
— Minha filha acha que vive num mundo de fantasia… onde o sobrenome dela não significa perigo. Ontem, ela aprendeu um pouco da realidade.
Ele se vira novamente, o olhar fixo em Henrique.
— Você, por outro lado, me provou algo.
Henrique o encara, atento.
Antônio dá um meio sorriso, frio
— Que eu estava certo sobre você.—ele dá alguns passos à frente.— Rápido. Eficiente. Silencioso. E, principalmente, não deixou ela te distrair.
Henrique não responde, mas mantém a postura.
Antônio se aproxima mais, o tom agora mais baixo, quase confidencial.
— A maioria dos homens quebra na presença dela. Eu avisei, não avisei?
— Sim, senhor.
— E você? — Antônio o observa por alguns segundos, tentando ler o que se passa por trás do olhar calmo de Henrique. — Conseguiu manter o foco?
— Sempre.— responde ele, firme.
Antônio o encara por mais um momento. Depois dá um leve sorriso satisfeito e bate uma vez no ombro dele.
— Bom. Continue assim. Ela é o bem mais valioso que eu tenho e o mais perigoso também.
Henrique apenas acena, sem desviar o olhar.
Antônio volta para a mesa, pega alguns documentos e completa:
— Vou reforçar a segurança ao redor dela. Mas quero você na linha de frente. Vinte e quatro horas, sem exceções. Onde ela for, você vai. Entendido?
— Entendido.
Antônio então se inclina levemente sobre a mesa, o olhar mais sério agora:
— E, Henrique…
Henrique o encara, atento.
— Se alguém tentar se aproximar dela seja quem for, não hesite. Entendido?
— Sim, senhor.
Antônio dá um último gole no uísque, coloca o copo sobre a mesa e conclui, num tom que soa tanto como ordem quanto aviso:
— Proteja minha filha… até dela mesma, se for preciso.
Henrique faz um leve aceno e sai do escritório, o som da porta se fechando atrás dele.
Do lado de fora, o corredor está silencioso.
Mas no andar de cima, Virgínia observa pela grade da escada olhos fixos em Henrique, expressão curiosa, eles cruzam os olhos por um instante , e ele entende que o olhar dela é tão perigoso quanto qualquer arma.