A chuva cai forte lá fora, batendo nas janelas amplas do escritório. O relógio marca quase dez da noite. A mesa de madeira maciça está coberta de pastas, copos de uísque e um cinzeiro de cristal.
Antônio Mancini está sentado à cabeceira, o semblante sereno, embora os olhos revelem o cansaço de quem comanda um império que nunca dorme.
Do outro lado da mesa, Andrew Roberts um homem robusto, bem vestido, cabelos grisalhos penteados para trás e um sorriso de quem nunca faz nada sem cálculo.
Um inglês de modos refinados, mas com um ar de crueldade velada.
— Antônio…— ele começa, acendendo um charuto — você sabe que admiro a forma como conduz seus negócios. Disciplina, elegância… e resultados. É raro encontrar isso hoje.
Antônio gira o copo entre os dedos, sem pressa.
— Elogios vindos de você costumam custar caro, Andrew.
Andrew ri baixinho.
— Justamente por isso, trago uma proposta à altura.
Ele apoia o charuto no cinzeiro, inclinando-se levemente sobre a mesa.
— Estou expandindo operações para a Itália. Tenho contatos em Milão, mas preciso de alguém com o poder de abrir certas… portas. E quem melhor que um Mancini para isso?
Antônio ergue o olhar, desconfiado.
— A Itália não é um terreno fácil, Andrew. Você sabe que o nome Mancini pesa, tanto quanto atrai atenção.
— Justamente por isso. — Andrew sorri. — Você tem o nome, eu tenho o investimento. Uma parceria perfeita.
Antônio o observa em silêncio por alguns segundos, depois pergunta:
— E o que ganharia eu, além de carregar o risco?
Andrew se recosta na cadeira, dá um gole no uísque e responde com tranquilidade:
— Uma aliança estável. Uma que consolidaria nossos dois impérios de uma vez por todas.
Antônio inclina levemente a cabeça.
— Continue.
Andrew abre um sorriso calculado.
—Thomas. Jovem, inteligente, preparado. Herdeiro natural dos meus negócios. E você tem uma filha… linda, educada, e com um sobrenome que ainda faz as pessoas abaixarem a cabeça.
O ar na sala muda.
Antônio pousa o copo devagar sobre a mesa, o olhar endurecendo
— Está sugerindo o que eu penso que está sugerindo?
— Um casamento, Antônio. Uma aliança verdadeira. Mancini e Roberts. Poder na Itália e na Inglaterra. Controle sobre os dois mercados. É o tipo de união que o mundo respeita… e teme.
Antônio se levanta lentamente, indo até a janela. A chuva reflete a luz da sala em seu rosto.
— Casar minha filha como se fosse parte de um contrato comercial?
Andrew dá de ombros.
— Ora, você sabe como esse mundo funciona. Amor é um luxo que a gente não pode se permitir. Além disso… — ele faz uma pausa e tira um envelope dourado do paletó — há uma oferta concreta.
Ele desliza o envelope pela mesa. Dentro, cifras altas, impressionantes, suficientes para financiar uma operação inteira.
— Um adiantamento simbólico. — completa Andrew, satisfeito. — E mais, se concordar em oficializar a parceria. Thomas pode vir aqui nas próximas semanas. Um jantar, uma apresentação formal. Nada forçado.
Antônio observa o envelope sem tocá-lo.
O silêncio dura longos segundos.
Por fim, ele fala, baixo, mas com firmeza:
— Virgínia é tudo o que me resta, Andrew. Não é um bem negociável.
Andrew sorri, mas há frieza em seus olhos.
— Não é uma negociação, Antônio. É uma oportunidade. Você sabe que o mundo mudou. Sozinhos, somos poderosos. Juntos… seremos intocáveis.
Antônio o encara, a tensão crescendo.
— Você está tentando me comprar com dinheiro e promessas, Andrew. Mas lembre-se eu não vendo sangue.
Andrew se levanta, ajusta o paletó.
— Pense bem. O dinheiro abre portas, mas as alianças mantêm elas abertas.
Ele se aproxima da porta, mas antes de sair, diz num tom mais baixo:
— E quando seu nome for esquecido, Antônio… o de Virgínia pode garantir que o legado Mancini continue vivo. Ou morra com ela.
A porta se fecha.
Antônio fica imóvel por um tempo, olhando a chuva. Depois volta o olhar ao envelope sobre a mesa.
Não o pega.
Mas também não o joga fora.
Do lado de fora, Henrique passa discretamente pelo corredor, tendo ouvido parte da conversa.
Ele vê o rosto de Antônio o olhar pesado, calculando cada movimento.
E sabe que, a partir daquele dia, o jogo mudou.
Agora não era apenas sobre segurança.
Era sobre poder, herança… e a vida de Virgínia no meio de tudo.