Capítulo 14. Perigo

1084 Words
Virgínia sai da loja, Henrique carregava várias sacolas nas mãos e ela com um sorriso satisfeito. Henrique permanece em silêncio e ela apenas o observa com um olhar curioso como se ainda tentasse entender quem é aquele homem que fala tão pouco e observa tanto. Eles caminham pelo shopping em direção ao estacionamento. Henrique está atento: cada reflexo nas vitrines, cada movimento fora do padrão. O treinamento fala mais alto que o cansaço tedioso de ficar aguardando Virgínia. Quando chegam ao elevador, ele nota um homem parado a alguns metros boné, moletom escuro, o rosto parcialmente coberto. Nada anormal, exceto pelo detalhe: o sujeito os observa há tempo demais. Henrique não comenta nada, apenas muda de posição, colocando-se entre Virgínia e o homem. O elevador chega. Eles entram. Henrique espera o andar deles se aproximar, e quando as portas se abrem, ele sente de novo o mesmo olhar. O homem havia descido pelo outro elevador estava alguns passos atrás, fingindo falar ao celular. Virgínia percebe o tom de alerta no rosto dele. — Aconteceu algo? — Fique atrás de mim.— diz Henrique, em voz baixa, mas firme. Ela hesita, confusa. — Por quê— Henrique puxa-a discretamente pelo braço e começa a andar em direção ao carro. Seus olhos varrem o ambiente. O homem continua seguindo. Agora são dois. A tensão cresce. Virgínia sente o coração acelerar. — Henrique… — sussurra. Ele abre o porta-malas, coloca as sacolas, e de súbito se vira a mão já sobre a arma. O som do clique metálico preenche o ar. — Vocês estão perdidos? — pergunta Henrique, com a voz calma, mas letal. Os dois homens congelam. Um deles tenta rir, nervoso. — Relaxa, cara… só estávamos indo pro carro. — Então vão. O olhar de Henrique é frio, calculado. Ele não precisa levantar a arma o modo como fala já é o suficiente para deixar claro que ele atiraria se fosse necessário. Os dois recuam rápido, sumindo entre os carros. Henrique os segue com os olhos até ter certeza de que se afastaram. Silêncio. Só o som distante dos motores e o coração acelerado de Virgínia. Ela o encara, surpresa. — Você… realmente achou que eles iam fazer algo? Henrique tranca o porta-malas e se volta pra ela. — Quando se protege alguém, não existe ‘achar’. Existe prevenir. Ela fica quieta por alguns segundos, observando o rosto dele duro, atento, quase impassível. Mas há algo ali, um controle absoluto que a intriga. — Então é assim o tempo todo? — pergunta ela, mais suave. — O tempo todo. Henrique abre a porta para ela. Virgínia entra sem protestar desta vez, o olhar distante, pensativo. Enquanto o carro sai do estacionamento, ela lança um último olhar pelo espelho lateral o reflexo de um dos homens ainda observando à distância. E pela primeira vez, ela entende o porquê da presença de Henrique. Não era apenas o capricho de um pai controlador. Era sobrevivência. Henrique, ao volante, mantém o olhar fixo na estrada. Não diz nada. Mas no fundo, já sabe: aquele incidente não foi coincidência. E se alguém estava de olho em Virgínia Mancini… então, as coisas seriam ainda mais difíceis para ele, afinal, ela tinha que morrer por suas mãos, não de terceiros. A noite cai sobre a propriedade. As luzes da fachada da mansão refletem sobre o jardim úmido, e o silêncio é cortado apenas pelo som distante dos grilos. Henrique está de pé na varanda lateral, o paletó pendurado na cadeira, camisa social ainda impecável, e o olhar fixo lá fora. A postura é a mesma de sempre vigilante, contido, como se nem o cansaço fosse capaz de atravessar aquela armadura. A porta de vidro se abre suavemente atrás dele. Virgínia aparece, agora vestindo um moletom largo e os cabelos soltos, ainda úmidos do banho. A expressão dela é menos desafiadora do que de costume há algo de curioso, até grato. — Você sempre fica assim, de guarda, mesmo quando está em casa?”— ela pergunta, encostando-se à moldura da porta. Henrique não se vira. — Enquanto você estiver aqui, eu também estou. Ela dá uma risadinha curta. — Isso soa mais como uma prisão particular do que proteção. — A diferença é que você ainda tem a chave. Virgínia o observa em silêncio por alguns segundos, tentando decifrar o que se passa por trás daquela voz firme e daquele olhar fixo. Ela se aproxima um pouco mais, os pés descalços no chão frio. — Sobre o que aconteceu hoje…— começa ela, hesitante. — Aqueles caras… você acha que eram mesmo uma ameaça? — Sim. — responde ele sem virar o rosto. — Mas meu pai disse que está tudo sob controle. — E esta, afinal, você está viva. Ela o encara, surpresa pela franqueza. — Meu pai esconde algo de mim ? Henrique finalmente vira o rosto, mas o olhar é impassível. — Não é da minha conta. Virgínia suspira, frustrada. — Você sempre fala desse jeito? Resposta curta, fria, tipo um robô treinado pra ignorar qualquer tentativa de conversa? Henrique desvia o olhar de novo, sem reagir. — Meu trabalho não inclui socializar, senhorita. Ela dá um passo à frente, insistente. — E se eu quiser te agradecer por hoje? — Não precisa. — E se eu quiser conversar só por conversar? Você...precisa de algo, comer alguma coisa ? — Não. O silêncio volta, pesado. Virgínia cruza os braços, encara o perfil dele e solta, meio irritada, meio curiosa: — Sabe, você é o homem mais sério que já conheci. Henrique então se vira, finalmente a encarando nos olhos o olhar firme, inabalável. — E você é o tipo de mulher que pode colocar um homem em perigo só por insistir demais. A frase paira no ar, cortante. Virgínia o encara, sem saber se ele quis dizer aquilo de forma profissional ou pessoal. O coração dela bate mais rápido, sem entender por quê. Henrique volta o olhar para o jardim. — É melhor se recolher senhorita. Boa noite. Ela hesita, como se quisesse responder, mas engole as palavras. Dá meia-volta e entra na casa, fechando a porta de vidro atrás de si com um pouco mais de força do que o necessário. Henrique permanece ali, imóvel, o vento batendo em sua camisa. Do lado de dentro, a luz do quarto de Virgínia se acende. E pela primeira vez, ele percebe o que Antônio quis dizer , a beleza dela não era o problema… era o perigo que vinha junto.
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