Neve, contrato e a quebra do silêncio

1264 Words
Neve, Contrato e a Quebra do Silêncio Daniela Marçal O sol alpino banhava o terraço, mas o calor que eu sentia não vinha dele. Vinha daquela proximidade silenciosa na cozinha, do toque não-toque de Xavier, e do desafio que ele lançou sobre os meus lábios. "Eu espero a mesma intensidade que teve na neve e que teve no meu quarto." Ele havia transformado o desejo em cláusula. O beijo, a rendição pura, agora era uma ferramenta para "convencer a imprensa". A estratégia dele era clara: transformar a minha confusão numa performance, mantendo a fachada enquanto se mantinha emocionalmente intocável. Eu deveria ter sentido raiva, mas, estranhamente, senti uma faísca. Ele estava jogando, mas, pela primeira vez, ele estava me dando uma carta na mão. Virei as costas para ele, pegando uma torrada com a calma que não sentia, e disse, sem o olhar: — Não se preocupe, CEO. Eu me lembro do meu papel. A questão é: o seu papel é só de fachada? Ele não respondeu, mas senti a pausa dele, a hesitação. Isso bastou. Olívia, como a mediadora inconsciente que era, nos salvou daquele impasse, arrastando-nos para fora sob o pretexto de encontrar a cenoura perdida para o boneco de neve. (...) Eu estava vestida para a minha primeira lição de esqui (o "projeto" de Xavier), mas meu corpo ainda tremia de outra adrenalina. Quando saímos para o ar frio, senti a neve sob as minhas botas, mas tudo o que eu conseguia sentir era a memória dos lábios dele. Xavier estava me guiando para um canto mais isolado do chalé, onde a neve era macia e menos inclinada. Ele usava as calças de esqui escuras de ontem, mas o seu blazer de casimira cinzento sobre a camisola preta, mesmo no meio da neve, fazia-o parecer o bilionário pronto para fechar um negócio a qualquer momento. — O esqui exige foco total, Daniela — ele começou, a voz estritamente instrutiva enquanto me entregava um par de esquis. — Se você pensar em hotéis, ou em fofocas, você cai. Pense só na gravidade e nos seus músculos. Eu coloquei os esquis, sentindo-me desajeitada, grande. Olívia estava mais à frente, fingindo esquiar com um par de patins de plástico. — Eu não estou pensando em hotéis, Xavier — respondi, apoiando-me nele para manter o equilíbrio. Nossos corpos estavam próximos de novo, mas a tensão era diferente: era uma guerra fria disfarçada de aula. Ele ignorou a minha provocação, colocando as minhas mãos nos bastões. — Regra número um: Posição de arado. Junte as pontas dos esquis para frear. É o seu botão de pânico. Não o perca de vista. — Entendido. Botão de Pânico... ou Botão de Beijo, já não sei mais. Ele se endireitou, a expressão se fechando. O seu olhar azul se tornou uma lâmina. — O que aconteceu na noite passada não é um botão, Daniela. É um incidente isolado. Foi resultado de exaustão e proximidade imprudente. Não vai acontecer novamente. Aquela resposta me pegou de surpresa, mas não me desanimou. Xavier não iria fugir de mim, ele me beijo, ele queria... eu queria... somos adultos! — Não vai, Xavier? — Eu senti a coragem de ontem à noite voltar, alimentada pela minha confusão. — Você me beijou com a força de um homem que estava morrendo de vontade. E agora você está tentando me convencer que foi um erro de cálculo. Qual é a regra aqui? Você me move o mundo, me dá esperança e depois me diz que é tudo mentira? Não estava ficando louco, Xavier não moveria um dedo para qualquer pessoa, eu sei disso por que eu vi com os meus próprios olhos. Não faria como Paul, deixar ele comandar tudo, eu iria buscar a minha felicidade, não ficaria parada. Ele deu um passo para trás, a sua aura de controle voltando com força. — A única regra é o contrato, Daniela. E eu sou claro: eu não amo. Eu não amarei. O que eu ofereço é segurança e proteção para você e para Olívia. Em troca, eu exijo uma fachada irrefutável. O Contrato Que Não Foi Escrito — Vamos ser francos, então. — Eu decidi que era hora de parar de dançar. — Você quer que a nossa i********e pareça convincente. Você quer que eu aja com a "mesma intensidade" para os satélites. Qual é a linha, Xavier? Qual é o preço dessa intensidade? - Eu estou fazendo exatamente o que a Marina mandou eu não fazer, me apaixonar... Olho para ele. O silêncio na montanha foi brutal. A única coisa que se ouvia era o riso distante de Olívia. Xavier me olhou com uma intensidade que quase me fez vacilar. Ele estava calculando, decidindo o quanto da verdade revelar. — O contrato inclui toques públicos — ele finalmente disse, a voz baixa, quase um rosnado. — Mãos dadas, abraços de conforto, beijos na testa. Nada mais que isso. Se a situação exigir mais para a credibilidade — como se a imprensa nos pegasse voltando de uma noite —, nós podemos escalar. Ele estava falando sobre relações contratuais. O meu estômago afundou, mas o meu coração pulsou. Ele estava me dando uma escolha, mas também estava revelando o plano que ele já tinha na cabeça. — Você está planejando um casamento, Xavier. Isso não é um contrato, é uma aliança de longo prazo. — É uma fusão, Daniela. — Ele corrigiu, a mão roçando a minha luva. — A segurança de Olívia e a sua são a minha principal prioridade. Se isso significa um casamento formal, uma vida em comum, e, sim, uma família... então eu farei o necessário. Ele me encarou, e a sua voz se suavizou apenas o suficiente para quebrar o meu coração: — A única coisa que não entra no contrato, Marçal, é o meu coração. Ele está fora dos limites. Eu não dou o que não tenho. Você pode ter a minha vida, a minha casa, a minha segurança. Mas você não pode ter as minhas emoções. Eu senti a neve fria nas minhas bochechas, mas eram lágrimas que não caiam. Eu estava diante de uma proposta devastadora: Tudo o que uma mulher pode querer, menos o amor. — E o que você espera de mim, Xavier? Que eu aja como se fosse a mulher mais apaixonada do mundo, sabendo que é tudo uma mentira? Ele me empurrou suavemente para a frente, forçando-me a me mover um pouco nos esquis. — Eu espero superação, Daniela. Eu espero que você não desista. Você tem que ser mais forte do que a sua ansiedade e mais focada do que o meu distanciamento. Agora, use o arado. Eu não vou deixar você cair sozinha. Ele estava ao meu lado, uma muralha de calor e contradições. Eu podia ter o homem que me beijou com fúria, mas sem o homem que me daria o amor que eu precisava. Eu tinha que escolher: segurança fria ou a luta solitária. Eu olhei para Olívia, que nos acenava. Eu respirei fundo, aceitei a dor da proposta dele, e fiz a minha jogada. — Certo, Xavier. Fusão aceita. Mas saiba que eu sou uma parceira volátil. E no momento em que você me deixar escorregar, eu não vou te perdoar. Eu comecei a deslizar, as pontas dos meus esquis se juntando, sentindo o equilíbrio precário, mas determinada a não usar o "botão de pânico". E nem o botão de beijo. Por enquanto. Mas por quanto tempo eu conseguiria manter esse contrato sem que ele percebesse que a minha intensidade era real? Obrigada pelos comentários e bilhetes lunares 🥰
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