O jantar de rendição

1842 Words
O jantar da rendição Xavier Lancaster O restaurante de cobertura era um refúgio de vidro e luz fria, o cenário perfeito para o teatro de alta tensão que se desenrolava entre nós. A vista panorâmica do centro financeiro era a minha paisagem habitual, mas esta noite, não conseguia desviar o olhar do meu "ativo funcional". Daniela estava impecável, claro, mas a sua perfeição estava agora temperada com uma eletricidade que a tornava perigosamente real. Os meus pais tinham nos irritado, e isso, ironicamente, nos uniu de uma forma que jamais imaginei. O garçom serviu o vinho, um Château Margaux 1999, o meu ano de graduação, e se retirou, nos deixando sozinhos sob as estrelas de cobertura. O silêncio que se seguiu não era de negócios; era o silêncio de uma bomba-relógio. Tic tac — Os seus pais — ela começou, quebrando o silêncio, a sua voz baixa, mas firme. — Eles são… o par de ativos perfeito, como você disse. — Eles são a razão pela qual eu odeio a ideia de um casamento de conveniência. — Eu girei o vinho no copo. — E a razão pela qual o nosso contrato era estritamente sobre dinheiro e logística. Eu não queria ser eles. Ela pousou o copo, os seus olhos castanhos fixos nos meus, intensos e desarmados. — Pois bem, Xavier. Você está a falhar. — Falhando? — perguntei, tenso. — Eu acabei de lhe dar uma posição de poder na empresa, te reivindiquei na frente dos meus pais e estou num encontro com você. Qual é a minha falha? O sorriso dela desapareceu. Ela inclinou-se para a frente, e o blazer que lhe comprei, o símbolo do meu controle, se tornou de repente a armadura da sua confissão. — A falha é que eu já não estou no contrato. — Ela disse, sem rodeios. A sua voz era sedosa e aterrorizante. — Você está tentando ter um encontro comigo, o CEO metódico e frio. Mas eu estou a ter um encontro com o homem que me beijou na Suíça. O homem que comprou roupa para a filha e para a futura esposa num impulso. Fez chocolate quente, de certa forma me protegeu como pode da mídia... A minha respiração acelerou. Eu não conseguia desviar o olhar. — O que quer dizer, Marçal? - Ela se remexe. — Quero dizer, eu me apaixonei por você, Xavier. — A declaração me atingiu como um raio. O CEO frio em mim lutou para processar o risco. O homem assustado dentro de mim estremeceu. — Na Suíça — continuou ela, a sua voz era mais suave, mas a intensidade permanecia. — Não foi o beijo de contrato. Foi o beijo de quem precisava de ser resgatada da minha vida. Você não me viu como uma estagiária; me viu como Daniela. A forma como cuidou de mim, a forma como olhou para mim. E a Olívia… a sua filha é a coisa mais real no seu mundo, e agora no meu. Eu a amo. A ideia de família que criámos lá, no nosso mundo particular, era tudo o que eu sempre quis. Ela fez uma pausa, os seus olhos brilhavam com uma determinação que eu nunca tinha visto numa sala de reuniões. — Eu já não quero o contrato. Quero que seja real. Eu já gosto de você, Xavier, mais do que devia. Você é complicado, controlador, e a sua perfeição é insuportável de uma forma que me desafia. E isso é excitante. - Diz sendo implacável e verdadeira. Eu estava prestes a falar, a invocar a lógica, mas ela levantou a mão, me cortando com a mesma autoridade que usara no CFO mais cedo. — Mas escute bem: eu não vou amar sozinha. Aquele afirmação foi o estopim de tudo que estava prestes a estourar dentro de mim. — Eu amei sozinha por demasiado tempo. Eu amei a ideia de um homem que só existia na minha cabeça, e doeu. Eu não serei a sua esposa de fachada, a sua "Union de Ativos" silenciosa. Eu serei a sua esposa, e serei uma mulher que o ama e que exige ser amada. Eu não quero mais a sua eficiência. Eu quero a sua vontade. Assimilo cada palavra em um silêncio quase que esmagador. Nunca tinha ouvido que outra pessoa me amava. — Se o único sorriso que você quer é o meu, tem de me dar o direito de ter a minha própria carreira, as minhas próprias amizades e o meu próprio valor. E tem de me dizer que me quer, não como um ativo, mas como a sua mulher. Eu quero um casamento de verdade, Xavier. Eu quero que este contrato se torne o nosso voto. O ar estava pesado. Ela tinha colocado as cartas na mesa, todas elas. O medo primitivo de que o Brian tinha falado estava a me esmagar. O controle era a minha fortaleza, e ela estava a derrubar as muralhas, tijolo por tijolo. Mas, pela primeira vez, o terreno que eu sentia sob os meus pés não era o mármore frio do meu escritório, era o terreno quente e perigoso da emoção. — Eu… — Eu engoli em seco, o meu CEO estava a ter um erro de sistema completo. — Não sei o que é amar, Daniela. — Então, é melhor começar a aprender, Xavier. — O sorriso dela, agora, era o mais devastador de todos: era a esperança. — Porque eu não vou esperar para sempre. O silêncio no topo do mundo era ensurdecedor. O Château Margaux 1999 permanecia intocado no meu copo, e a vista de um milhão de luzes da cidade era irrelevante. Pela primeira vez, meu mundo, cuidadosamente construído em lógica e controle, estava em colapso. Daniela estava sentada em frente a mim, não mais como a estagiária ou o "ativo funcional", mas como a minha juíza. O olhar dela não era de súplica, mas de uma exigência que me obrigava à verdade. A minha mão apertou a base do copo, o medo primitivo de que o Brian tinha falado agora era uma dor física no meu peito. A minha fortaleza estava em ruínas. — Você está a pedir-me para desmantelar toda a minha vida — comecei, a minha voz áspera, quase irreconhecível. — Não é uma questão de dar-lhe uma carreira ou amizades, Marçal. É uma questão de me desarmar. Ela não vacilou. — Bom. — A sua resposta foi um sussurro cortante. — Você não precisa de uma armadura quando está em casa. Respirei fundo, o ar parecia demasiado fino. Tinha de ser franco, tal como ela foi. — Eu amo a Olívia — confessei, deixando as palavras mais preciosas saírem. — Eu a amo de uma forma que é incondicional e aterrorizante. Eu fui pai sozinho demasiadamente cedo. A minha vida era um esquema de segurança para ela. Depois da morte da mãe, eu prometi que ninguém a magoaria, e ninguém me usaria para chegar ao meu dinheiro ou ao meu sobrenome. Inclinei para a frente, tal como ela tinha feito, e senti o meu controle a esvair. — Cada mulher que se aproximou de mim, Daniela, queria algum tipo de benefício. Seja poder, dinheiro, uma chance de estar no meu mundo. Elas vieram com contratos implícitos, e eu os rejeitei. A minha eficiência, o meu CEO metódico... era a minha proteção. A minha forma de manter as pessoas à distância para que elas não pudessem partir o que eu estava a proteger: a mim e à Olívia. Os seus olhos castanhos eram poços de compreensão. Ela era diferente. — Você… você estava nas minhas mãos por causa da sua permanência no Reino Unido — continuei, a minha voz mais baixa. — O nosso contrato era sobre o meu controle total. E, no entanto, eu podia ver com os meus próprios olhos o amor que a Olívia tinha por você. O seu cuidado, o seu instinto de a proteger, era real. Não havia agenda escondida quando você lhe dava chocolate ou lhe comprava lápis de colorir na sss por saber que ela gostava de mexer na sua mesa de trabalho. Ela te ama, Daniela. E isso, para mim, é a prova final de que você é diferente. O meu CEO estava mudo. Era a vez do homem falar, eu precisava me dar essa chance também, afinal, nunca tinha dado esse passo antes. — Eu estive a fugir de você desde o beijo na Suíça. Não por causa do risco de negócios, mas por causa do risco de me sentir, de viver algo diferente do que eu estou acostumado e controlo. Você está certa. Você não é um ativo. Você é uma complicação que eu não consigo dispensar, acho que nem quero. Você é a única pessoa que me viu como Xavier e, mais importante, me chamou a atenção porque sabe que me escondi. Você me desafia, me irrita e me faz querer ser menos perfeito. Me faz querer mais de você... Pousei a mão na mesa, o meu dedo indicador a poucos centímetros do dela. — Eu não sei o que é amar, Daniela. O amor que eu conheço é o amor paternal, protetor e exaustivo. Não conheço nem o amor dos meus pais, quem me amou de verdade foi o meu avô, mas esse não está mais entre nós. Eu não sei o que é esse amor que você exige. Mas… — Engoli em seco, forçando a dizer as próximas palavras, o equivalente a assinar uma rendição total. — Eu sinto algo por você. É poderoso, perturbador e está a me fazer reconsiderar todas as fundações da minha vida. Eu quero você. Quero você como a minha mulher, não como um contrato que nem assinamos mais, vivemos a falar. - Ela ri docemente. - Não como um ativo. Eu quero que o nosso contrato se torne o nosso voto. Eu só… não sei denominar este sentimento ainda. Mas eu estou disposto a aprender o que é o amor verdadeiro, se você for a pessoa a ensinar. O silêncio voltou, mas desta vez, não foi tenso. Era uma lufada de ar fresco. As minhas palavras não foram suaves, mas foram verdadeiras. Eu tinha posto a minha inabilidade emocional na mesa. — Você está a me pedir tempo e paciência — ela disse, os seus lábios se curvaram num pequeno sorriso, a esperança no seu rosto a crescer e a ofuscar a luz fria do restaurante. — Estou a pedir uma trégua e uma lição. Eu desisto do controle total — confessei. — A sua carreira, as suas amizades, o seu valor… são seus, sempre foram. Eu preciso que você me mostre como ser um marido de verdade, porque eu não faço ideia. O meu "sim" é para a mulher que se apaixonou por mim na Suíça e que me está a desafiar agora. Inclinei-me, o meu olhar fixo no dela. — Mas preciso que saiba: você não vai amar sozinha. Se você está disposta a ter paciência enquanto aprendo sobre esse sentimento... Eu sou seu, Daniela Marçal. E a Olívia é nossa.
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