Conversa entre amigas
A semana tinha sido um teste para mim, uma aprova amargar que eu não estava preparada para o rumo que a minha vida tinha tomado.
Suspiro fundo.
O cheiro de terra molhada e a névoa fria que subiam do rio Tâmisa sempre me trazem uma nostalgia agridoce. É uma Londres que se esconde do sol, cinzenta e misteriosa, a cidade que me acolheu quando eu fugi de tudo que me era familiar. E agora, essa mesma cidade, que foi meu refúgio, se tornaria tão sufocante ao ponto de eu não conseguir voltar para a minha própria casa.
- Mamãe, a senhora não comeu o seu biscoito. - Olho para Olívia que estava comendo os doces que pedi na cafeteria.
- Mamãe? - Olho para Marina que fugiu do trabalho para me ver, já que eu não posso ir para casa por causa dos paparazzis.
Olho para a minha amiga, Marina estava muito preocupada comigo.
- Ela me chama de mãe, não tinha porque corrigir ela... - Olho para Olívia que parecia entretida no mundo dos doces. - Afinal, estávamos fazendo tudo isso por ela. Gosto de ser chamada de mãe, ir e buscar ela na escola e fazer comida juntas. É uma rotina prazerosa.
Marina me olha atentamente.
- É o seu noivo?
- Minha história com Xavier Lancaster não começou com contos de fadas, longe disso, mas também não era assim que eu imaginava me tornar a sua noiva. - Digo frustrada. - Se posso falar que isso é uma história...
- Mesmo com o contrato, vocês vão se casar no final das contas. Vão ser uma família, e o que todos estão falando, que vocês são a família mais improvável da alta sociedade. - Bufo irritada.
- Estou sendo julgada por todos, sem exceção. Todos se perguntavam o que Xavier Lancaster viu em mim. Como se eu tivesse uma doença. A única que é a mesma e que sempre me mostra que está feliz com essa loucura é a Olívia. - Olhamos para ela que agora desenha no seu tablet.
- Nem sei o que te falei sobre isso, infelizmente vai ter pessoas que vão sempre achar que tem algo de errado. E não é a sua culpa, elas são infelizes demais para ver a sua felicidade.
- Verdade... - Mexo meu café que deveria já estar frio.
- E o seu futuro marido, como ele está com tudo isso?
- Ele é um homem imponente, com olhos azuis profundos que parecem carregar o peso do mundo. E, por trás da sua fachada séria, se esconde um pai dedicado e, devo confessar, um tanto protetor. A vida de Xavier é um enigma para muitos, mas eu, como sua sombra, conheço seus horários, seus gostos, suas manias e, mais importante, as pressões que ele enfrenta. A principal delas tem nome e sobrenome: Elvira, a ex-sogra dele . Ela é motivo desse casamento arranjado, tenho medo de quando conhecer esse ser, ela tenha alguma opinião contra, afinal, eu não sou a noiva perfeita. Não lembra do porquê Paul nunca me apresentou para a sua família? - Digo olhando a cafeteria vazia, pois era um horário de pouco movimento.
- Ele vai todos os dias pra porta da nossa casa, ele pergunta se você está em casa para o porteiro. Me ligou algumas vezes querendo saber do seu paradeiro. - Suspiro bem cansada.
A mídia, o ambiente de trabalho, as demandas que Olívia tinha, a frieza do Xavier e o meu término com Paul tinha acabado com a minha saúde mental. Eu não consegui processar nada, eu somente embarquei no barco e fui junto com a maré. Não sentei e processei tudo o que estou vivendo, estou confiando em Xavier Lancaster, mas não parei pra pensar em como Paul deve me odiar nesse momento.
E foi assim que, há algumas semanas, ele me chamou ao seu escritório. Não era a sala de reuniões fria e impessoal, mas a sua sala pessoal, onde o cheiro de café se misturava ao de livros antigos. Ele me olhou, não com a frieza habitual, mas com uma vulnerabilidade que me pegou de surpresa.
- Paul tem que me esquecer, eu não vou voltar atrás na minha decisão. Sou uma mulher de palavra, e vou até o fim dessa história. A proposta foi clara: “Eu quero que você se case comigo. Não é um casamento de verdade. É um contrato. Um acordo. Você se torna a minha esposa de fachada, e eu te dou a estabilidade que você precisa aqui no Reino Unido. Você pode ficar, trabalhar, e não precisa mais se preocupar com o seu visto." Xavier conta comigo, e se eu não quiser voltar para as garras do meu padrasto, eu preciso ficar.
O meu padrasto, um homem ardiloso e c***l, estava de olho nas poucas economias da minha mãe, e eu precisava de uma forma de tirá-la daquele ambiente tóxico. Com o casamento, eu teria o poder de ajudá-la. Contar a verdade, tentar abrir os seus olhos, não posso deixar a minha mãe naquela situação.
-Você contou para o Xavier sobre a sua família? Não querendo colocar mais coisas na sua cabeça, eu sei que não está sendo fácil, mas, ele tem condições de saber tudo sobre você. Ele não precisa de muito para saber o seu real motivo para estar no Reino Unido, e por querer ficar aqui a todo custo. - Marina tinha razão.
- Contei que tinha uma família disfuncional, não dei muitos detalhes, mas vou ter que falar antes que ele saiba.
- Tem que ser sincera com ele, pois Xavier pode ser muita coisa, mas ele é bem direito e verdadeiro com você.
“Porque você é a única pessoa em quem eu confio,” ele respondeu, e a sinceridade em sua voz me desarmou. “Você conhece a minha rotina, o meu trabalho, e você... você se dá bem com a Olívia.”
A semana tinha sido difícil, eu estava cansada, Xavier me viu chorando ao ler as críticas que eu tinha recebido por aceitar me casar com ele.
Ele tirou o celular da minha mão, se sentou na minha frente, e disse que me entendia, e que me agradecia por aceitar ser a sua esposa.
" Esse acordo me beneficia também, Xavier. Eu vou me acostumar com a opinião pública."
Ele estava tão cheiroso naquele maldito dia, mas seus olhos gelados me lembrava que ele nunca faria em dessa farsa um casamento real.
“Eu sei que vai... Vou estar aqui para te proteger. Eu apenas tenho uma regra, Dani. Apenas uma regra,” ele disse, os olhos azuis se fixando nos meus. “Não se apaixone por mim, Daniela. Este é um casamento de conveniência, e não há espaço para sentimentos aqui.”
Aquelas palavras foram como um balde de água fria. A verdade é que, já sabia, mas ouvir aquilo me deixou ainda mais curiosa sobre esse medo dele. Uma curiosidade despertou em mim, fora que ele era bonito. Veja bem, eu não amava ele. Não era paixão, mas uma profunda admiração. Mas eu prometi a mim mesma que não cederia. Eu precisava daquele casamento mais do que de qualquer romance.
- Dani!? - Marina bate as mãos na minha frente. - Estava no mundo da lua.
Fico sem graça.
- Desculpa, é que eu ainda não tenho noção do que eu estou fazendo, Marina. Eu vou me casar! Você sabe que esse era o meu sonho.
A primeira pessoa que eu ligaria, e sei que me ajudaria é a minha amiga, Marina, a única pessoa que conhecia a minha história por completa
- Dani, quando você me ligou falando, eu achei que tinha enlouquecido. Você tinha acabado de terminar com Paul. No entanto, eu sei lá, já sentia que esse era o seu destino. Você sabe que eu sinto as coisas. - Acabei rindo. - Sei que Paul não faria esse sacrifício por você, mesmo que fosse te salvar de uma deportação, ele não se casaria com você. Agora Xavier, ele tem um grande motivo para esse casamento. O que me preocupa mesmo é o seu coração. - Olho para ela. - Não me leve a m*l, Paul não te envolveu, você estava em uma relação cômoda. Agora com Xavier, vocês vivem em uma intensa relação desde sempre. Ele te provoca, te atiça a ser a sua melhor versão. Eu tenho medo de você acabar se machucando no processo. Que você acabe se apaixonando por ele. - A olho nervosa.
- É a minha chance, Mari. - eu expliquei, a voz baixa. - Eu posso me livrar do meu padrasto, posso ajudar a minha mãe. E a Olívia… ela precisa de alguém. Eu não me apaixonarei, eu prometo.
- Dani, o amor é uma coisa traiçoeira. - ela alertou. - Você está apostando a sua felicidade em um jogo onde as regras não são justas.
As palavras de Marina me assombravam, ela tinha razão. A minha situação era arriscada. Mas eu não podia voltar atrás. O meu futuro dependia disso.
- Vou me arrumar para o coquetel. - Digo pagando a conta. - Vou mandar a minha parte do aluguel e vou pegar as minhas coisas quando a poeira baixar.
Marina me abraça apertado, nunca tínhamos ficado tanto tempo longe, mas era necessário.
Após sair da cafeteria com um batalhão de seguranças, uma Olivia ficou feliz por ter passeado comigo. Vou para casa do meu chefe para me arrumar para o evento dessa noite.
No carro eu fico pensando em tudo que eu não consigo por causa da correria. Olhando para a minha vida de uma nova perspectiva. A Londres cinzenta, as ruas movimentadas, as pessoas correndo para o trabalho. Todos eles seguem a sua rotina, enquanto a minha vida está prestes a mudar radicalmente. Eu serei a senhora Lancaster, a esposa de um homem que me deu uma oportunidade, mas me proibiu de sentir.
E, por mais que eu tente me convencer, a verdade é que o meu coração já está um pouco mais leve com a promessa de um futuro seguro. Mas também está mais pesado, com o medo de que a regra do meu noivo seja impossível de ser cumprida. Eu prometi que não me apaixonaria, mas o amor, como Marina disse, não segue regras. E a vida, bem, a vida tem uma forma peculiar de nos surpreender. E eu estou prestes a descobrir se o meu casamento de fachada será a minha salvação ou a minha perdição.