Os laços invisíveis do escândalo

1814 Words
Os laços invisíveis do escândalo Daniela Marçal Parecia que eu estava dando passos em um campo minado, prestes a explodir! Eu estava nervosa, sentia a sua mão fria tocar a minha, seu cheiro me tranquilizava, mas não bastava para fechar os olhos e passar por tudo que já estávamos enfrentando. No meio daquele evento onde parecia que toda a alta sociedade havia comparecido, nos aproximamos do anfitrião da noite, Lord Harrington, um homem que sabe o peso do julgamento público. Xavier me conduziu pela mão até Lord Harrington, o anfitrião da noite. O homem, embora parecesse ter saído de uma pintura a óleo, tinha um sorriso nos olhos que denunciava uma compreensão profunda daquela comédia social. Ao seu lado estava Lady Harrington, a famosa Sophie, vinte anos mais jovem, cujo cabelo ruivo e presença vibrante sempre eram tema nas colunas de fofoca. Eu sei porque consumia esse conteúdo, sempre atenta ao que falavam do meu chefe, tinha que me preparar para o que me esperava no dia seguinte de trabalho. O casal na minha frente não se parecia o que era pintando nas manchetes inflamadas de questionamentos sem sentido, era um senhor que se apaixonou por uma mulher linda e deslumbrante. - Lord Harrington, Sophie. - Xavier começou, a voz polida e fria, mas com uma leve inclinação de respeito. - O evento está impecável. Como sempre. Lord Harrington sorriu, com a gentileza de quem já viu todos os truques do salão. Ele apertou a mão de Xavier e logo se voltou para mim, pegando minha mão e dando um beijo casto. -Daniela Marçal. Tão bela quanto visto nas fotos – Faz uma pausa tranquila. - E devo dizer, muito mais composta do que a maioria das pessoas que se aventuram pela primeira vez neste circo. - Ele observou, os olhos azuis faiscando. - Sejam bem-vindos ao centro do furacão, meus caros. Me sentia realmente em um furacão de sentimentos. Lady Harrington, Sophie, deu um passo à frente, com um gesto de solidariedade. - Ignore os olhares, Daniela. A diferença de idade que nos perseguiu é a mesma curiosidade tóxica que agora se concentra na sua nacionalidade. “Por que a brasileira?” - Ela lembrou o que uma das entrevistadas falou em dos programas que abordavam o nosso possível casamento. Claro, com uma pitada de ironia. - A elite de Londres adora um enigma, e um magnata escolhendo uma mulher de um continente inteiro de distância... – Diz como se já tivesse se acostumado com as suas próprias perguntas sem respostas. – Infelizmente, vira um banquete para quem vivi de escândalo e mídia. Senti-me imediatamente à vontade com a honestidade dela. Abri meu primeiro sorriso genuíno da noite. - É reconfortante saber que não somos os únicos sob o microscópio. Mas, sim, a obsessão pela “escolha exótica” de Xavier parece ter superado até a do anel. – Digo vendo que os dois concordam. Xavier, que estava ouvindo em silêncio, finalmente interveio, com um tom de desafio seco. - Eles sempre precisam de um ângulo para justificar a atenção. Se não é a idade, é o país. Eles não entendem que, às vezes, a única razão é que a pessoa é a única que importa. - Ele olhou para mim, e por um instante fugaz, a declaração pareceu menos para a plateia e mais para nós dois. Lord Harrington riu, um som rouco e caloroso. - Ah, Xavier, as palavras certas na hora certa! É assim que se joga, minha cara Daniela. Você e Sophie têm muito em comum. Duas mulheres inteligentes que roubaram o coração de homens que a sociedade jurou que nunca se curvariam. Aos olhos deles, não pode ser amor. Tem que ser dinheiro, estratégia, ou, no seu caso, um “feitiço brasileiro". – Sinto as minhas bochechas esquentarem. Ele ergueu a taça em um brinde silencioso. - Não se preocupe com o que a mídia quer saber. Eles perguntam “Por que a brasileira?”, mas na verdade, eles querem saber “Por que não eu?". Sophie, então, me segurou a mão, a confiança dela contagiando. - Mantenha a cabeça erguida. Você é a única a estar com ele no final do dia. Deixe que eles falem sobre a diferença de idade, a nacionalidade, ou se o casamento é de fachada. O que importa é a paz que você encontra quando as luzes se apagam. E isso, querida, eles nunca vão conseguir tirar de você. O peso nos meus ombros diminuiu. Aquela breve conversa era um mapa de sobrevivência. Eu sabia que a guerra silenciosa com Paul era apenas uma distração; o verdadeiro desafio era sustentar a narrativa pública que acabávamos de criar. E eu estava pronta para aprender a lutar no meu novo campo de batalha. Porque eu não me daria por vencida, não quando já tinha ido tão longe. Nos se afastamos de Lord e Lady Harrington, seguindo para uma área mais reservada, perto de uma das vitrines de artefatos, após a conversa sobre a mídia e seus julgamentos. Assim que nos afastamos do casal Harrington, o peso invisível da performance recaiu sobre mim. Soltei um suspiro que não sabia que estava segurando. A conversa foi breve, mas reveladora. - Eles são a prova de que essa loucura é sustentável. - Comentei, olhando para Xavier. Ele já tinha voltado à sua postura impassível, os olhos percorrendo o salão com a atenção de um general. - Os Harrington sabem jogar o jogo, Dani. - Ele respondeu, a voz baixa, quase um ronronar perigoso. - Eles transformaram o escrutínio em capital social. E a Sophie... ela te deu o melhor conselho de todos. O que eles pensam é irrelevante. Só a narrativa que nós criamos tem valor aqui. Eu apertei a taça de champanhe, nem vi que horas ela foi repousada nas minhas mãos. - Sim, mas “Xavier Lancaster se casa com a brasileira estagiária para proteger a filha” é uma narrativa que não vende tanto quanto “Xavier Lancaster se casa com a brasileira estagiária por causa de um feitiço”. E eles querem saber o porquê, Xavier. Eles odeiam a incerteza". – Digo bebendo um pouco da minha bebida. Ele parou, virando-se para mim com a intensidade habitual. Em meio à penumbra elegante do museu, seus olhos eram a única coisa que importava. - Ótimo. Deixe que eles odeiem. - Ele disse. - Você não está aqui para agradar a eles, nem a mim. Você está aqui porque é necessário. O que te trouxe para o Reino Unido? O desejo de cuidar da sua afilhada. O que me trouxe a esse casamento de fachada? A necessidade de proteger minha filha de ser usada em uma disputa de custódia. – Ele deixou de fora a minha permanecia no Reino Unido, e sou grata por isso. Ele tocou meu ombro, não com carinho, mas com a firmeza de um pacto. - A verdade é complexa e privada. A fofoca é simples e pública. Nós oferecemos a fofoca. Eu sou o bilionário recluso; você é a beleza exótica. É a combinação perfeita de poder e mistério. Isso os manterá ocupados. Encostei-me levemente na coluna, observando Paul do outro lado do salão. Ele estava agora cercado por alguns conhecidos, mas seus olhos continuavam fixos em nós. - E o Paul? - Perguntei. - Ele está ali como um lembrete constante de que o “simples e público” pode ser facilmente desmantelado. Xavier seguiu meu olhar e um sorriso frio se formou em seus lábios. - Paul é um erro de cálculo. Ele acha que a moeda aqui é o sentimento. Não é. A moeda é a aparência de invencibilidade. Ele está com ciúmes porque eu consegui o que ele perdeu. Ele é o passado, Daniela. E este anel —Ele levantou minha mão, deixando o diamante brilhar sob as luzes. —É o nosso futuro blindado. Ele não tem poder contra ele. – Xavier beija exatamente em cima do anel, era um claro desafio, um ato para irritar o seu opositor. Eu suspirei, sentindo um arrepio, aquele ato não passou despercebido por ninguém. Me concentro novamente. Ele estava certo. Eu tinha que parar de pensar em Paul e começar a pensar como uma Lancaster. - Tudo bem. - Eu disse, recompondo a postura. - Então, qual é o próximo passo na nossa estratégia de “aparência de invencibilidade”? Precisamos nos misturar com quem, exatamente, para garantir que a história se espalhe da forma certa? E agora sem ser pega de surpresa. – Xavier dá de ombros. Ele se prepara para circular no salão, focando no setor de negócios ligado ao império hoteleiro dele. - Você está absolutamente certa, não podemos ser surpreendidos. A tecnologia é o meu presente, mas o nome Lancaster é sinônimo de hospitalidade global. - Xavier corrigiu, um brilho de foco profissional substituindo a frieza anterior. - Não vamos nos prender aos geeks hoje. O foco é a tradição, a solidez. Ele ajeitou a lapela do paletó, já traçando a rota em sua mente. - Precisamos falar com Lorde Penhaligon. Ele é o chairman de um dos nossos maiores parceiros de logística de luxo. Ele não tem paciência para fofocas de tabloide, mas a presença da futura Senhora Lancaster em público é a validação de que o nosso império, mesmo com o foco na tecnologia, ainda é sólido nos pilares antigos. Assenti, sentindo o papel de garantia de estabilidade cair sobre mim. Não era a exótica, mas a fundação. - Lorde Penhaligon. Entendido. Devo perguntar sobre as novas rotas de suprimentos para os hotéis na Ásia ou apenas sorrir e ser o adereço impecável? - Perguntei, um toque de sarcasmo profissional na voz. Xavier esboçou um sorriso fino, apreciando a inteligência ácida dela. - Aí está você! – Era como se eu finalmente chegasse. - Não é um adereço, Daniela. Você é a prova de que eu tenho bom gosto, mas também de que estou focado no futuro. Penhaligon respeita a discrição e a força. Não mencione logística, a menos que ele o faça. Sua tarefa é simples: Mostre que você é digna de carregar o nome. Fale sobre arte, talvez sobre o design do museu. Algo que mostre que você não está aqui apenas pela conta bancária, mas pelo nível. Ele estendeu a mão para mim, e eu aceitei, sentindo a energia mudar. O tom era de negócio puro. - Perfeito. – Era o que eu sabia responder. - Vamos garantir que Lorde Penhaligon saiba que a Rede Lancaster está em boas mãos, mesmo com a presença inesperada de uma brasileira. Começamos a atravessar o salão. O olhar de Paul nos seguiu cada passo, mas desta vez, não senti o fogo da raiva, mas sim a frieza calculada do propósito. A partir daquele momento, não era mais uma estagiária; eu era a estratégia de relações públicas de um bilionário.
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