Capítulo 29
Daniela Marçal
Como se o meu mundo desabasse em câmera lenta, eu tinha que ver de camarote o até então meu namorado ao lado da sua família feliz.
O restaurante ainda exalava um calor aconchegante, uma realidade que não era a minha, um contraste c***l com o frio que me subia pela minha espinha. Bem diante dos meus olhos, ele não poderia negar em um futuro próximo que eu fui testemunha da sua má vontade.
Paul sempre dizia que a mãe não gostava de sair, que ela era antissocial. Que ela odiava os holofotes, que para ela ir a um jantar parecia que estavam querendo começar a terceira guerra mundial.
No entanto, não era isso que os meus olhos contemplavam nesse momento. A minha então sogra, se ela souber da minha existência, parecia bem à vontade com a sua taça de vinho branco. Era ela que ditada a conversa na mesa, e quase poderia garantir que ela estava jogando Paul em direção a mulher mais tímida do grupo.
Tentei me beliscar para ver se era um sonho, mas não, era a realidade sendo jogada na minha cara.
Eu nunca seria aquela mulher, eu estou sim com uma inveja daquela pessoa que tinha a atenção da matriarca da família do Paul. Era até injusto com ela, pois a mesma nem deve sonhar com a minha existência.
Ninguém daquela mesa redonda, além do meu namorado deve saber que eu sou, ou era, a mulher que ele confidenciava os seus sonhos. Que levava para jantar e que mandou flores para o escritório como um pedido de desculpas ou uma tentativa de aproximação.
Naquela mesma mesa redonda, estava ele, meu namorado, Paul. A risada dele ecoava, genuína e solta, em meio a rostos que eu não conhecia pessoalmente, mas já vi em revistas e notícias do mundo empresarial. A mulher de cabelos grisalhos e sorriso doce segurava a mão dele, não me parecia nada com a descrição que Paul passou para mim. Ele afirmava que a mãe era controladora e fechada, que ela não estava preparada para perder o seu filho amado. Meus olhos demoram por último no homem mais velho de óculos e semblante sério o ouvia atentamente a conversa do grupo.
Eles eram a família dele. A família que ele nunca mencionou me apresentar, que eu não conhecia porque Paul sempre dava um jeito de falar que não era a hora, que não era o momento ou que a mãe estava muito enferma do coração.
Nossa, ele usou uma doença tão séria para me amolecer sobre a família dele.
O quão i****a eu posso ser?
Era mais um motivo para terminar esse relacionamento onde eu estava acomodada, não era feliz e não me sentindo parte real do mundo dele.
Não era apenas o choque de vê-lo em um universo à parte do meu, mas a humilhação profunda de perceber o quão pouco eu significava para ele a ponto de não ser apresentada. Era a confirmação silenciosa de que, para Paul, o meu mundo e o dele eram paralelos que jamais se tocariam. A indiferença com a qual ele a manteve à distância era o veneno mais c***l, transformando o pouco de sentimento que ainda restava em uma amarga desilusão. Estava sentindo um misto de tristeza, raiva e vergonha. Aquele Paul, o do restaurante, era um estranho para mim. E, de repente, me senti uma estranha em minha própria história, não estava comando a minha própria narrativa.
Pierre chama a minha atenção, droga, mesmo que eu vá embora, ainda tenho que ser uma pessoa que mantem a profissionalidade intacta.
A negociação que transcorria na minha mesa não podia ficar em segundo plano, a noiva de Pierre Montenegro era um amor de pessoa, mas meus olhos sempre recaiam naquela maldita mesa afastada o suficiente para Paul agir como se eu não existisse em sua vida.
Aquela outra família tinha chegado para o almoço, os três eram outra família de renome, olhar novamente para aquela menina, entender que aquele momento não era por acaso terminou de me deixar na beira de um desespero sem fim.
Naquele momento eu entendi exatamente o que acontecia, do por que paul nunca ter me pedido em casamento.
- Você está bem? – Ainda ouço meu chefe falar, mas eu estava tudo, menos bem.
Disse que sim, uso até o deboche, uma arma eficaz, mas nada estava bem. Tudo estava ruindo em minha vida.
O mais estranho era a sua preocupação que soou genuína, mas podia ser aparência, Paul era bom em ser falso, Xavier poderia ser também.
Meu chefe que era um homem sério, meio taciturno e que m*l falava duas frases completas, estava preocupado comigo, mas não mais que eu que me sentia quebrada.
As negociações entraram em um campo onde era tudo ou nada, Xavier agora tentava convencer Pierre Montenegro a vender um hotel que estava na família a gerações.
Tentei ajudar, mesmo sabendo que não iria ver o processo que se iniciaria quando a compra fosse confirmada.
Meu projeto estava acabando, Xavier brincava com o meu desespero, e Paul claramente tinha suas próprias ambições, seus sonhos e claramente eu não estava neles.
Meus olhos viram ele ser gentil com a filha do casal, deles conversarem, e até trocarem alguns olhares mais demorados.
Ela era a noiva perfeita para a família de Paul, e isso me matava por dentro. Não por inveja, mas por me sentir uma i****a, como uma plebeia iria almejar ser princesa?
Quando Xavier pegou na minha mão, parecia que uma mágica aconteceu, meu coração se aqueceu, pois estava gelado pela constatação que nunca estaria à altura daquela família.
Naquela fração de segundos onde o calor daquele homem estranho me aquecia, Paul teve o seu olhar finalmente preso em um ponto diferente da mulher diante dele.
Sentia os olhos de Paul em mim, mas o que me prendeu foi a gentiliza nada convencional do meu chefe.
Xavier conseguia o hotel, eu consegui intender onde estava na relação com Paul. E acredito que agora tudo será mais fácil, pois já estava quebrada.
O que não era para estar acontecendo era a gentileza de Xavier, isso sim é estranho.
- Vou à toalete, preciso retocar a minha maquiagem... – Queria ver a minha decadência ao vivo e a cores.
- Estou te aguardando aqui. – Xavier me olhava como se soubesse exatamente o que estava acontecendo, e de certa forma ele sabia.
Ele sempre sabia.
Caminho até toalete daquele lugar, nem vi como poderia ser do mesmo nível que o restaurante, ou mais glamouroso. Minha cabeça estava ainda entre a negociação que foi feita com sucesso e a cena de ver o meu namorado tão à vontade com pessoas que eu tinha ciência que nunca conheceria na minha vida.
Entrei no banheiro, lavei o meu rosto e passei um batom querendo sair daquele lugar logo. Queria ir para casa, mas não era isso que aconteceria.
Respirei e contei algumas vezes até dez, sinceramente eu não queria arrumar uma briga, ir até aquela mesa e dizer o quanto o Paul era um i***** pra sua família.
Não fazia sentido ele me chamar para comer, e depois eu o ver aqui com a família e uma possível noiva.
Era isso que aquela mulher era, e não precisava nem investigar. Estava mais claro que água cristalina, eu podia sentir isso bem claro dentro de mim.
Pela primeira vez estava muito lúcida para entender a situação, ele nunca me pediu em casamento, porque eu não era igual aquela mulher.
E nunca seria.
Depois de me organizar, abrir a porta do banheiro, dou de cara com o desgraçado que eu começo a entender que não conheço de verdade.
Era duro pensar, mas o i****a do Xavier tinha razão.
- Dani... - Sua voz era aflita, mais uma confirmação que ele estava devendo.
E devendo muito!
- O que faz aqui, Paul? Já terminou o seu almoço em família? - Paul engole seco.
- Daniela, você está entendendo tudo errado... - Acabei rindo, nada como uma risada sem qualquer traço de humor para deixar a conversa mais constrangedora.
- O que estou entendendo de errado? Eu ainda não falei nada, e você já está aqui pedindo desculpas. - Paul respira fundo.
- Sei que me ver sentado com a minha família e amigos próximos pode soar estranho... - O interrompi.
- Paul, você sempre deixou claro que a sua família era um terreno que eu nunca iria explorar. Estava bem claro, eu que nunca entendi as entrelinhas. – Digo tudo com uma calma absurda. - Você não queria me apresentar para sua família, e tudo bem, agora não importa mais. - Tento sair, mas ele me segura.
1...2...3... Tinha que contar para não surtar!
- Daniela, eu estou há três dias te procurando, precisava conversar com você, e não conseguia te achar. Eu precisava da minha namorada e... - Vejo uma figura bem conhecida por mim. Xavier estava no corredor que leva aos banheiros, aquele homem que era tão assustadora às vezes, era minha tábua de salvação nesse momento.
- O que está acontecendo aqui? - Xavier diz com a sua voz potente, mas não evasiva demais. - Você está bem "Dani"
"Dani", o apelido que somente a Olívia falava, e ele somente pronunciou no final de semana.
- "Dani"!?- Ouço Paul rosnar perto do meu ouvido.
Me solto da mão que me segurava no lugar, e me ponho entre Paul e Xavier.
- Estou em uma reunião de negócios com o meu chefe, Paul. Tenho que ir... - Não sei se foi reflexo, ou eu realmente pude ver um sorrisinho nos lábios do Xavier.
Esse homem não ri!
- Precisamos conversar urgentemente Daniela Marçal. - Paul diz como se fosse meu dono, como se eu fosse largar tudo para ir atrás dele.
Cadê o lorde pelo qual eu imaginei uma vida?
- Não, você precisa voltar para o almoço com a sua família e a família Scott. - Paul me olha atentamente.
- Não me faça ter que repetir, Daniela. - Paul me dá um aviso. Sendo que ele nunca foi assim.
- Eu acredito que você esteja surdo ou está se fazendo de doido. - Xavier caminha para mais próximo do nós. - Daniela está em horário de serviço, ela é minha estagiária, até o projeto acabar, ela deve me obediência a mim. - Fecho os olhos querendo sumir do planeta terra. - Acho melhor você ouvir o que ela disse, voltar para família que você nunca a apresentou. - Paul fica vermelho de raiva. - A filha do Scott deve já estava planejando o seu noivado com a sua mãe e futura sogra. - Aquela era a confirmação.
Eu conhecia muito bem Xavier Lancaster para saber que ele não falaria aquilo à toa. Meu chefe era igual a uma raposa astuta, ele sempre tinha três passos a diante, ele sabia exatamente o que era aquele de almoço. Eu sabia sem estar lá na mesa.
- Não é nada disso que está você está pensando, Xavier... - Paul diz irritado. - Não se cansou de brincar de adolescente? Vai ainda continuar querendo ferrar a minha vida? - Fico sem entender.
- Ah Paul, você é a última pessoa que me preocuparia na fase dessa terra. Estou sim, preocupado com a minha estagiária que não te conhece como eu. Mas você, eu realmente não ligo para quem você é, o que faz o que deixa de fazer.
Olho para Paul.
- Não precisa ir atrás de mim depois de ficar com a sua família, acabou tudo... – Digo decidida olhando para ele. - Já entendi que não tenho espaço na sua família, e provavelmente não tenho nem lugar no seu coração.
Viro e ando pelo restaurante como se o meu mundo finalmente estivesse em colapso, nada era como antes, talvez nesse momento era o melhor a acontecer.