Holambra- agosto de 2021.
A família arranjou-se na espaçosa sala durante o peridodo noturno. Alda reclamava sobre a água ser pouca; saia fraca, um fino fio e sem pressão, foi uma eternidade para a família conseguir fazer um asseio, cuidar da higiene corpórea.
Antes mesmo que passesse uma fanela por qualquer parte, os membros foram explorar o imóvel. Quem o viu por completo foi Evaristo, que teve de vir a São Paulo para fechar o acordo de compra. Na época, o senhor Esteves, estranhou as facilidades que João Magalhães, ex-proprietário da fazenda, lhe fornecia, oferecendo-se para pagar por algumas burocracias; parecia que o senhor, de pouco mais de sessenta anos, queria livrar-se da propriedade ruralista do que formalmente vender.
Racionalmente, Everisto pensou que poderia ser a idade. As pessoas, conforme envelhecem, perdem o afã por certas coisas, e viver no campo é uma delas.
A casa era enorme, projetada para ser bem iluminada, possuia paredes de vidro que permitia a luz solar adentrar e fornecer uma espetacular visão para quem estivesse acolhido dentro da mesma. Os cômodos eram muitos: uma sala de estar, outra de jantar, um jardim de inverno, cozinha, dispensa dois banheiros sociais, lavanderia e dois dormitórios que possivelmente era destinado aos funcionários que exerciam funções na casa.
Alda reparou que o ex-dono, deixou alguns móveis no local. Móveis de madeira de lei.
_ Quero mesmo é ver os quartos! Será que tem banheiros?- Júnior exprimiu, ansioso, tendo os seus olhos arregalados.
_ Só espero que lá em cima não esteja tão emporcalhado como aqui em baixo.- Alda, redarguiu, deslizando a ponta do dedo pelo tampo de uma arca de madeira, móvel com mais de dois metros de comprimento.
_ Se tiver, nós limpamos, mãe, não tem problema.- Camila, proferiu olhando para uma cristaleira que continham várias peças de porcelanas portuguesas.
_ Só se for para você, porque eu vou lascar as minhas unhas e olha que eu às preparei ontem.- Tabata, chiou, olhando para as pontas dos seus dedos.
A primogênita dos Esteves era, em suma, a vaidade encarnada: muito bonita, de longos cabelos escuros, olhos chamativos de uma tonalidade mel e rosto perfeito. Camila olhou para a irmã, sabia do jeito desta e, por muitas vezes, achava que era em demasia.
A família subiu a escada, uma linda e larga escada, corrimão esculpido na ponta tinha anjos, degraus em igual material.
Tudo era muito requintado e cheio de detalhes; a família nunca tivera uma casa que pudesse comparar com a atual, essa estava a mil jardas de distância de comparação.
No segundo pavimento, todos ficaram surpresos com a imponente sala logo na chegada, coisa fina, muito elegante. Sofás de couro marrom café estavam espalhados, feitos especialmente para o espaço. Uma mesa central enorme com um tampo de vidro esverdeado, de um verde esmeralda. Mesa lateral de apoio, redonda, com um vaso enorme em cima.
_ Porcelana chinesa.- o pai falou e os demais olharam boquiabertos, para o chefe da família.
_ Como o senhor sabe?- perguntou Camila, aproximando-se da peça.Os pequenos dedos da menina tocaram de leve o bonito vaso.
_ Li algo sobre isso em um artigo há muito tempo. Não esqueci a figura dos vasos, muito parecidos com esse. - revelou, sentindo orgulho de ser o divulgador desse conhecimento.
A família entrou pelo espaçoso corredor e foi abrindo porta por porta; logo, os cômodos foram ganhando donos. Tabata quis o segundo quarto, que tinha uma espécie de banco acolchoado debaixo da janela. Isso fez a menina dar gritinhos efusivos.
O caçula dos Esteves gostou do quarto que fica ao lado dos pais, pensava que em noites de pesadelo não teria de sair cortando um corredor medonho e escuro, era só abrir a porta e pular na cama do casal.
As outras duas portas eram quartos pequenos, um estava cheio de coisas que não podiam ser distinguidas com precisão. Cadeiras plásticas e outros objetos mais.
Restou a última porta, a do fundo do corredor. Evaristo pegou na maçaneta e girou, mas a porta não abriu. O pobre homem não entendeu, coçou a cabeça e empurrou os óculos, que deslizavam pela ponte do nariz, para o seu lugar costumeiro.
_ Emperrada.- reclamou, olhando a folha de madeira travada.
_ Pode estar chaveada, pai.- Camila, expressou-se.
_ Não creio, as demais não estavam, e no molho que recebi estão somente as do portão e das portas principais da casa e... Sua frase foi tolhida ao retirar o molho do bolso, havia mais chaves que não eram compatíveis com o que estava em sua mente, uma porteira e duas portas.
Evaristo e Camila trocaram um olhar. O homem colocou a chave na fechadura e girou, os cliques foram nítidos. A porta estava realmente trancada.
_ Mas que coisa estranha! Não faz muito sentido isso.- argumentou sozinho, achando isso, em suma, muito esquisito.
_ Não faz sentido aquela aranha daquele tamanho dividindo esse espaço comigo! Ou ela ou eu! - Alda bradou afetada. - Tabata, vai lá embaixo e me traz algo para despachar esse inseto horrendo! - vociferou, de olho no inocente aracnídeo.
A filha munida de preguiça ou medo, se recusou a ir, passou a vez para o irmão.
_ Está maluca se acha que vou lá embaixo sozinho! Vai que surge um fantasma! Nos filmes é sempre assim, família boba compra uma casa estranha e acabam se ferrando...
_ Olha os modos, Evaristo Júnior!- ralhou o pai, olhando duro para o menino.
_ Fantasmas? Acredita nisso? Esses filmes não estão te fazendo bem.- Camila argumentou, rindo- Eu busco, mãe!- disse a menina, já saindo de perto dos seus.
A garota desceu os degraus e foi em direção aos produtos de limpeza. No momento em que ia abaixar-se para pegar um pano que poderia ser utilizado pela mãe, sentiu-se observada. Sua nuca arrepiou. Camila olhou ao redor e não viu ninguém. De repente, passou por sua mente que poderia ser seu irmão querendo pregar-lhe uma peça, fazer uma troça, por ela ter rido dele.
Camila riu, não daria munição para o pequeno pestinha. Pegou o pano e retornou, balançando seus cabelos castanhos.
Ao entrar no corredor, reparou que a porta chaveada estava escancarada e a luz acesa lhe permitia ver um pedaço da parede pintada de um azul escuro, porém diferente.
Seus passos ficaram céleres; ao chegar no portal, parou. Seus olhos deslizaram por todos os cantos.
_ É, acho que com uma mão de tinta, tudo ficará com cara de quarto de uma mocinha. - Alda falou, abrindo as portas de um belíssimo guarda-roupas. - Céus! Deixaram até um casaco para trás, olha isso! - A matriarca dos Esteves, puxou um cabide que continha uma jaqueta masculina com capuz de cor marsala. - Acho que foi do último que usou esse quarto. Olha, isso é de marca! Deve ter custado uma nota! - falou, mirando a peça.
_ É bonita! Posso ficar com ela?- Camila pediu, aproximando-se da mãe.
_ Tá maluca, garota! Vai que foi algum leproso que deixou isso aí, alguém com alguma doença de pele! - exclamou Tabata, arregalando seus olhos.
_ Não creio. Como sua mãe falou, é peça fina. Quem tem condições para se vestir bem, tem para cuidar da saúde. Talvez esse casaco fosse de um dos filhos ou netos do senhor Magalhães. - Evaristo entrometeu-se na conversa.
_ É uma vestimenta masculina, Camila, e outra tem o dobro do seu tamanho, vai te engolir, menina! - argumentou a mãe enquanto devolvia a peça ao lugar.
_ Não importa, mamãe, vai servir para os dias mais frios, parece ser bem quente e confortável. - expressou a garota olhando para as paredes onde tinham só alguma marca de que algo que tinha sido pendurado fora retirado, um quadro, marcas de molduras tinham a maioria das paredes da casa.
_ Camila, esse vai ser o seu quarto, está tudo com um ar bem masculino, mas depois de uma boa pintura vai ficar com outra cara.
A jovem olhou para o pai, ela não queria mudar nada naquele espaço. Mirava tudo, perguntando-se sobre a história de quem usou aquele cômodo. Sabendo que aquelas paredes e móveis sabiam mais do que eles, os novos donos.
_ Não quero pintura, quero manter a cor, gostei dela. Esse azul...azul...- tentou decifrar o nome da cor, mas pegou-se baralhada com a quantidade de azuis que existem.
_ Azul Camurça del Rei. É a cor da bicicleta do Fabiano, meu amigo da escola, bom ex-escola. - salientou Júnior, fuçando as gavetas da mesinha de cabeceira. Todas vazias.
_ Por Deus, filha! Você tem que mudar essa cor, tem marcas na parede. Temos que apagar algumas histórias para começar a escrever a nossa, não podemos viver à sombra de ninguém, não é bom. - Alda tentou persuadir a garota que se encaminhava para uma porta à esquerda do cômodo, a menina encontrou o banheiro, um senhor banheiro por sinal.
_ Gosto de saber que esse lugar tem uma história, mãe, que teve vida, que foi vivo. Me entende? - disse, antes de encostar a porta.
_ Não, eu não entendo e nem quero entender. Vai ser historiadora essa menina! - a matriarca Esteves falou séria, olhando para o esposo que tentava abrir a janela que estava pregada com ripas de madeira.
_ Era algum desassisado que dormia aqui? Só pode, como se explicar isso?!- exclamou, levando as mãos a cintura.
Evaristo, não se dava conta de nada, ignorava alguns sinais. Sua emoção pelo recomeço o fez ser displicente.
_ Certo, quartos escolhidos vamos para a limpesa da sala, amanhã pegamos todos juntos na faxina e seja o que Deus quiser!- Alda falou, erguendo as mãos para o céu- Camila, cadê o que foi buscar?- indagou olhando o pano na mão da filha.
A menina ergueu o tecido alvo na direção da mãe.
_ Ótimo, agora vou ter uma conversa com aquela caranguejeira de tamanho extravagânte!- exclamou, rumando para fora do quarto.
_ Não exagera, querida! É só uma aranha doméstica, típica, pernas finas, não uma caranguejeira.- Evaristo disse rindo, da fala exarcebada da esposa.
Logo foi a vez de Tabata deixar o quarto, sendo seguida de Júnior, que reclamava que o local era péssimo de sinal para celular.
Camila sentou na cama de colchão macio, e Evaristo se aproximou da filha, sentou-se ao seu lado.
_ A nossa mobília chega amanhã, vai querer mudar os móveis? Se for, tenho que encontrar alguém que os desmonte. - falou, abraçando a menina de lado.
_ Se eu quiser usar estes, o senhor deixa? - perguntou a mocinha de olhos expressivos.
_ Claro, meu anjo! Eu comprei a fazenda e com ela veio a mobília, então é tudo nosso. - proferiu com certa felicidade e prazer.
_ Acredito ser melhor, esses móveis parecem ser pesados para ficar levando de um canto para outro e os meus não estão em muito bom estado. - Camila falou, perdida no calor do abraço paternal.
Não demoraram muito naquela troca de afeto, o nome da menina ecoou pelo corredor. A mãe a chamava para descer e ajudar na limpeza.
Evaristo foi o primeiro a erguer-se e caminhou para fora, em seguida foi a vez de Camila. No entanto, a menina, ao cruzar a porta, sentiu um frio inexplicável que estremeceu o seu diminuto corpo. O chocar de dentes foi audível.
_ O que há, minha filha? - a mãe perguntou, preocupada, mirando a face da jovem.
Camila reclamou de frio, Alda tocou-lhe a fronte, mas não tinha nenhum sinal de febre.
_ Pode ser o início de um resfriado ou virose. Melhor cuidar, Alda. - o marido alertou.
A esposa apenas assentiu com um balançar rápido de cabeça, passou a mão sobre os ombros da menina e a levou pelo corredor. No entanto, Camila tinha a impressão de que alguém os vigiava, olhou por cima do seu ombro e viu a porta do seu quarto fechando lentamente, sozinha. Um grito de pânico ficou preso em sua garganta. Mirou o pai com os olhos arregalados, queria falar com ele sobre isso, mas temeu que seu progenitor não acreditasse. Calou-se e disse a si mesma que era apenas obra do vento e nada mais.