Pensamentos e aflição.

1580 Words
Abril de 2024. Transcorriam pelos olhos maternos preocupação, transbordavam do olhar paterno nervosismo. Evaristo tinha a cabeça da filha em seu colo. Alda tentava fazer a menina recobrar a consciência. Conseguiu depois de muito tentar; antes, investigou cautelosamente as vestes da pequena em busca de algo que denotasse que ocorreu algum ato voluptuoso. Não tinha. Camila se encontrava composta, não havia vestígios de que foi enredada nas teias da tentação, muito menos sangue, o que poderia ser considerado bem mais grave. _ Que raios ela veio fazer aqui? - indagou o pai, meio enfurecido, meio consternado e tomado de preocupação até a alma. _ Não sei, mas quero muito uma explicação. - Alda respondeu, cheia dos mesmos sentimentos e agonias que o pai. A jovem não percebeu que alguém viu quando saia sorrateiramente de casa, não percebeu que os olhos do irmão caçula a espreitava do alto da escada, vendo a menina partir pela porta sem manifestar qualquer barulho, por menor que fosse. Júnior não perdeu tempo, correu até os pais e contou o que viu. O casal Esteves levantaram-se apreensivos, Camila não era uma garota de fazer nada na surdina, sempre foi muito responsável. Pela cabeça da mãe passou a idéia de que sua menina iria ao encontro de algum rapaz. Apavorou-se, vestiu apenas um casaco grosso e saiu apressada pela porta, Evaristo seguiu a esposa usando seu pijama azul petróleo. Júnior indicou a direção e no meio da densa neblina o casal partiu, quase não dava para enxergar nada. Ambos pedalavam, contudo sem conseguir saber o que tinha mais a frente, usavam de parcimônia para não terem alguma surpresa desagradável. Alda foi a primeira a deparar-se com o corpo da filha caído na grama. Um som esganiçado deixou sua garganta, em seguida a expressão de pavor partiu do patriarca da família. Ambos, desceram desesperados, largando suas bicicletas de qualquer jeito e correndo na direção da moça. Acolheram a menina em seu colo, ambos aflitos, nervosos e tensos. _ Vamos, Camila, acorda! - exclamou o progenitor, dando tapas leves no rosto da pequena. Não tardou para a pobre retornar a si, despertou procurando pelo fantasma. Sua palidez desmedida podia ser vista da lua, lábios arroxeados e olhos arregalados, quem visse a moça jurava que ela tinha retornado de um passeio no campo dos mortos, tal qual parecia com esses fantasmas de filmes e séries. _ Sumiu...- ciciou com a voz falha. _ O que disse, minha filha? Não entendi! - Os pais estavam à sua volta, cada qual com sua total atenção voltada para a menina que continuava pálida. Diante dos olhos inquietos da filha, Evaristo não se deteve. _ O que veio fazer aqui, nessa área mais deserta da fazenda? - indagou com muitas dúvidas pairando no ar, afinal é normal procurar por si só motivos plausíveis que lhe forneçam uma explicação adequada para tudo que se desenrolava à sua frente. Camila retornou ao seu raciocínio, deixou de procurar pelo espectro e olhou para o patriarca. _ Hã? - sonorizou, com os neurônios mandando impulsos para o seu cérebro. _ O que há, Camila! O que veio fazer aqui tão cedo, no meio de um nevoeiro e sozinha! - Alda inquiriu irritada, detestava demoras para receber uma resposta, pois em sua concepção, quem demora demais para responder procura esconder a verdade. Não é que a moça tivesse a intenção de enganar os pais, ela apenas estava atordoada com o que viu, com o aparecimento do fantasma e toda a sua representatividade: ela estava assombrada, tinha um encosto e... e não sabia mais o que pensar, pois seu conhecimento era superficial nessa questão, tão superficial que boiava como um pedaço de isopor faz nas águas de um rio. _Queria buscar meus sapatos, os deixei aqui no dia em que... em que alguém me assustou, pretendia usá-los hoje na festa da fogueira. - mentiu, mentiu com o descaramento de que era necessário, mentiu para esconder o contato e para não receber um pré-diagnóstico de insana de seus pais, mentiu por não entender absolutamente nada do que estava acontecendo, mentiu para não causar mais aflição aos seus, mentiu grandiosamente como uma boa mentirosa que não era; por causa disso se entristeceu. _ Veio por causa do sapato? Numa manhã fria e de nevoeiro! Como pode ser tola, minha filha? Você tem outros pares, mais bonitos e novos que comprei tem pouco tempo! - ralhou Alda, a mãe não percebia a mentira, Camila não era de mentir, mas pela segunda vez se viu caindo no visgo que devasta muitos humanos. _ É, eu menti, vim ver o fantasma. - proferiu, para saber a reação dos pais. No início, o casal Esteves ficou sério e de olhos fixos na filha, para depois caírem em sonoras gargalhadas. _ Que brincadeira é essa Camila, anda espirituosa minha bonequinha.- o pai lhe falou, falou sem necessidade, não tinha nada de cômico e sim de muito espiritual, embora eles não percebessem. _ Você desmaiou, sabe o que ocasionou isso?- Alda proferiu, ajudando a moça a ergue-se. _ Não sei, sequer me lembro direito, apenas sei que vinha caminhando pela margem e ...é apenas um branco e nada mais.- respondeu, de cenho franzido, encarando a grama . _ Queda de pressão, saiu para fazer esforço sem fazer um desjejum decente. Exercícios de estômago vazio não são adequados, a glicose sofre uma queda, a pressão também. - pontuou o pai, arranjando a desculpa perfeita para o desmaio da filha, Camila não tinha mais que pensar numa explicação esfarrapada, o pai o fez por ela e não tinha nada de esfarrapado na explicação do progenitor. Os três retornaram para casa, antes, Alda pegou os sapatos, motivo pelo qual acreditava piamente que levou sua menina para aquele lugar ermo. Em posse de suas bicicletas, sem montá-las, foram os três a caminhando e empurrando os veículos não poluidores. A filha ia no meio do casal, ambos de olhos atentos na cria que, apesar de ser uma moça, em suas vistas era apenas uma menininha. Varuna viu Camila afastando-se, ela vestindo a sua jaqueta. Ele gostava quando a bela garota usava aquela peça; de alguma forma, se sentia mais ligado à jovem. Não conseguia ter explicação para o turbilhão de sentimentos que cada vez mais ganhava força. Deixou o local, retornando para o cemitério onde seus restos mortais jazem no dito descanso eterno. Caminhou por entre as muitas sepulturas; o sol batia contra as carneiras, aquecia o lugar frio, embora ele não sentisse o calor se espalhar por seu corpo. Chegou em frente ao Mausoléu dos Rockefeller , uma construção pomposa que se destacava das demais. Olhou com muita melancolia e tristeza para o lar gélido ao qual foi confinado. Quando desfrutava do sopro de vida, nunca lhe ocorreu que poderia acabar em um caixão na flor da idade. Se alguém lhe falasse sobre o falecimento de algum jovem, não importando as circunstâncias, achava aquilo sinistro, fora de contexto, observando pela ordem natural das coisas ou pela conhecida lei da vida. Nesse conjunto, o certo seria aqueles que nasceram primeiro, morrerem primeiro e não os jovens partirem e os anciãos ficarem. Contudo, ao tornar-se parte daqueles que fazem a temível passagem no auge da juventude, percebeu que jamais teve uma ordem natural das coisas, que muitos partiram jovens feito ele, alguns bem mais jovens, pueril para ser mais exato. Passou a ter entendimento que as pessoas fantasiam conforme lhes convém, que criam e elaboram certas coisas de acordo com suas necessidades. Necessidades de erguer-se de dar crédito ao que não é real e colocar o real como fantasia, algo que não existe. O espectro adentrou ao espaço que resguardava (ainda assim ocorre) o seu corpo e de alguns outros ancestrais como avós e tios avós, primos de segundo grau e terceiro. Eram apenas amontoados de ossos, cabelos, dentes e unhas, coisas que os vermes não comem, esses restos inanimados do que um dia caminhou pela terra, restos de seres que respiraram, amaram, comeram, dormiram, riram, choraram, vibraram e não vibram mais. Lastimou-se por ele próprio e essa desventura que é o destino e a vida, quando menciono destino, saliento isso porque o destino é ininterrupto ele continua depois que a linha da vida é cortada. Esse ingrato e salgado destino, trouxe para Varuna algo que era para ter sido lhe ofertado em vida não em morte, o prazer de amar, o fogo da paixão e a necessidade que se tem depois de experimentar da mais pesada saudade. A saudade de quem ama é diferente da saudade de reaver os parentes que lhe fizeram ( e fazem) apenas uma recordação, apenas fotografias empilhadas em vários álbuns antigos. Aquela chama considerada eterna pelos poetas, ardia nele mesmo que o fantasma não pudesse ver. Era como ter relâmpagos dentro de si, relâmpagos escuros que não se pode enxergar os clarões, mas pode sentir toda a força da energia. Varuna, recolheu-se, era e não era, um vampiro, sugava energia de alguns, mas não tinha dentes afiados e muito menos roubava-lhes o sangue. Apenas alimentava-se e, quando cheio dos mais perversos sentimentos, dobrava a intensidade com que conseguia fazer isso. Sentia falta do que foi, apenas um jovem com algum escrúpulo, não mais se via leve e com um sorriso na face desencarnada, era soturno, um mosntro em todas as facetas. Riu de si mesmo um riso de escárnio. " Um monstro, assusto menininhas, assusto a minha Camila."- sussurrou com a lembrança da menina na sua consciência espectral."
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