Passeio em São Paulo.

2095 Words
12 de maio de 2024. ( Manhã de sábado) Era manhã do dia doze de maio. O tempo estava bonito e o patriarca da família Esteves, teve a brilhante idéia de levar a família para um passeio na cidade. Evaristo queria almoçar em um bom restaurante e levar os seus para apreciarem as coisas bonitas que a cidade tinha (e ainda tem). Todos mereciam espairecer. Foram para a capital, saíram cedo, por volta das sete horas da manhã; era uma pequena viagem, um pouco mais de cinco horas. O patriarca tinha agendado com antecedência, uma pequena pousada para descanso, feito reservas num restaurante e planejado uma pequena excursão pela cidade. Camila não cabia em si de felicidade. A jovem era a típica matuta chegando na cidade, com suas roupas simples e fita enfeitando os cabelos. Tabata parecia que tinha saído de uma das muitas vitrines que a família Esteves encontrou pelo caminho. Júnior só pensava nos pastéis que queria comer. Lá foram os cinco, aproveitar daquele momento de lazer. Depois de andarem muito e satisfazerem a sua curiosidade, a família partiu, retornando para Holambra. Camila vinha feliz; tinha dentro da sua bolsinha de pano um presente para o seu amigo fantasma. A moça, por alguma razão, não conseguiu esquecer Varuna; seus pensamentos sempre traziam a imagem do rosto do espectro. Por um segundo, chegou a agradecer por ele estar morto; pensava com seus botões que, se o fantasma fosse vivo, jamais, em hipótese nenhuma, se aproximaria dela. Logo, arrependeu-se ao recordar como os olhos dele, apesar de lindos, continham uma tristeza imensa. " Desculpas"- sibilou baixinho, com o coração apertado. Não era de conhecimento da jovem que seu pensamento, de fato, tem um fundo de verdade. Isso se deve ao fato de que, se Varuna estivesse vivo, Bella Flor não seria morada dos Esteves. Provavelmente, a família ainda estaria vivendo no terror psicológico que a violência daquela cidade inflige aos seus. Camila sentia-se ansiosa para compartilhar tudo sobre o passeio com o mais novo amigo. Queria mesmo vê-lo; tinha saudades, por mais que suas saídas e chegadas lhe dessem o dissabor do susto. _ Gostaram do passeio? - Evaristo indagou aos seus. _ Tudo foi ótimo, querido! - Alda exprimiu, afastando-se do assento para dar um beijo no rosto do marido. Naquela família sobrava amor; o casal se conheceu na escola. Alda era a popular, sendo considerada a menina mais bonita do corpo estudantil. Evaristo era o típico nerd desengonçado, carregado de timidez. Certa vez, melhor corrigindo, na primeira vez que recebeu um "Oi" da sua esposa, ficou tão nervoso, isso aos seus dezessete anos, que foi arrumar os óculos que estavam em seu rosto, atrapalhou-se todo e o seu segundo par de olhos foi ao chão, lascando a lente. Quem viu a cena riu do pobre rapaz, que se tornou o bobo da corte por algum tempo na instituição de ensino. O tempo foi passando e os olhos de Alda procuravam pelo menino de lindos cabelos escuros. Foi somente um amigo incomum de ambos dar aquele empurrãozinho para que Alda e Evaristo se tornassem um casal, isso até os dias de hoje; entre lágrimas e sorrisos, choros e percalços, o casal continua sempre seguindo em frente de mãos dadas. O patriarca Esteves, olhou com ternura para a esposa, seu peito inflamado pelo amor maduro e pé no chão que sentia( e sente) por sua companheira. _ Eu gostei de tudo, só não gostei da roupa da Camila. - Tabata expressou, enquanto digitava algo no celular. A jovem mencionada ficou indiganada com a irmã, não via nada demais em sua roupa. Deu uma boa olhada para o seu corpo, um macacão salpicado de corações coloridos, confeccionado em tecido fino, uma malha de algodão bem singelo, uma camisa de cor rosa velho e um par de botas de cano baixo e sem saltos. Camila não via nada demais em suas vestes; as peças estavam limpas, e ela estava se sentindo bem e confortável. Isso era o que importava em sua concepção. _ Não vejo nada demais na forma como estou vestida! - falou irritada. Não sabia o motivo das pessoas darem valor à aparência; tinha um pensamento concebido e formado: a forma como você se veste e o que veste pode passar uma falsa imagem do que tu és, mas nunca dizer quem de fato é a pessoa por trás. Roupa não define caráter. E se formos julgar pela lógica, faz sentido. Um figurão de terno nos passa a imagem de uma pessoa refinada, inteligente, limpa... Porém, o nome "crime do colarinho branco" não surgiu do nada. Por trás dos ternos caros, há homens com suas mãos sujas com o sangue inocente, com o choro de uma criança doente, as lágrimas de um pai de família que não consegue emprego e as orações de uma mãe de família para que Deus cubra sua família com o manto da piedade. A realidade é que o ser humano nunca se deu bem com qualquer forma de governo; isso discorreu no passado e transcorre no presente. Não houve uma mudança, e sim uma falsa evolução. Todos da cúpula governamental vestem-se com esmero, mas em sua maioria são sujos, a vestimenta camufla toda sujeira que os fazem permeiam. _ Não vê? Precisa de óculos! Parece mais um personagem de filmes caipiras. Olha—indicou a fita que adornava os cabelos da menina—isso, além de ser brega, é antiquado; não se usa mais fitas no cabelo, só na época de festa junina, julina e agostina. E o pior: com essas botas brancas, não dá para saber se você quer ser a caipira da roça ou do rodeio. - Foi a gota que faltava para Júnior soltar uma sucessão de gargalhadas. Camila ficou brava; o bico que surgiu em seu rosto deixou a menina ainda mais bonita. —Deixa a sua irmã em paz, Tabata —pediu a mãe, enquanto abria uma garrafa de água. _ Estou sendo sincera, mãe. Se a Camila continuar usando esses trapos, não vai conseguir um namoradinho e morrerá solteirona. - Tabata soltou no ar, e a moça, alvo da conversa, sentiu um frio transpassar o seu coração feito uma espada forjada no gelo. _ Não fala o que você não sabe, Tabata! Sua irmã é bonita e chama a atenção dos meninos. - Evaristo disse algo que, em suma, era verdade. A sua filha do meio tinha uma beleza rara, dada a poucos; tudo na moça era simples, e isso formava um conjunto único. Varuna teve essa percepção e foi fisgado por ela. O fantasma, em vida, sempre fora cercado pelas mais belas garotas, pelas mulheres que tinham o corpo designado como perfeito, muitos eram frutos de diversos procedimentos estéticos, inclusive cirurgias e muitas horas depositadas na academia. Camila não tinha nada disso; suas pernas não eram torneadas, donas de músculos grosseiros que pareciam querer rasgar a pele para serem expostos ao ar livre, muito menos possuía uma barriga cheia de gominhos. A moça tinha a sua natureza intocada; suas pernas eram normais, coxas nenhum pouco exageradas e uma barriga normal para o seu biotipo. _ É magrela, você está parecendo aquelas palhaças que ajudam os peões a fugir do touro nos rodeios - o rechonchudo expôs. _ Antes uma palhaça do que um torresmo com pernas! Meu aparente problema pode ser resolvido, e o seu só se nascer de novo, seu bolo fofo! - bradou irritada. _ Ficou com raiva, bicho-p*u! Não aguenta ouvir que o espelho racha no meio se você olhar para ele! - disse nervoso o moleque. _ Vamos parar! - bradou o pai, concentrado no tráfego. _ Esse chassi de grilo que começou! - berrou o garoto, apontando com o polegar para a menina que tinha um olhar afiado para o irmão. - Chassi de... ora, seu rola-bosta! - vociferou a jovem. - Ora, sua tripa seca, come grão, louva-a-deus, muie pau... - Se continuar, vou colocar os dois para irem andando até em casa. - Alda proferiu, virando o corpo para trás. - Briga com ela, mãe, eu não fiz nada. - Júnior disse, erguendo as mãos para o ar. - Quem começou foi a toda poderosa! Tabata não tem que opinar quanto ao meu modo de vestir; não comento quando usa esses micro-vestidos que chama de roupa. - pontuou a moça. _ Verdade, minha filha.- disse Alda, dando uma olhadela para a sua primogênita, Tabata - Antes de julgar sua irmã, olhe para si mesma; é feio demais sua atitude. Tenha tato.- A mãe deu um puxão de orelha moça. Tabata não deu muita atenção; pensava no encontro que teria naquela noite. A filha mais velha dos Esteves estava arrastando uma carreta pelo filho do dono da fazenda vizinha. m*l sabia a menina que estava entrando numa enrascada. Depois de muito tempo na estrada, os Esteves chegaram. Os filhos deixaram o veículo. Júnior foi o primeiro a entrar em casa, juntamente com Tabata; em seguida, foi a vez de Camila. A menina paralisou na porta ao ver Varuna sentado no sofá; os olhos de ambos cruzaram-se. A moça sequer lembrou do presente que trouxe para o espectro, desviou o olhar, totalmente sem graça, e subiu, ignorando-o. Varuna não entendeu a reação da bela dama que, outro dia, lhe deu o melhor dos abraços. Seguiu atrás de Camila. A menina disparou escada acima e depois pelo corredor, parecendo uma bala que saiu do cano de uma arma. Sem ar nos pulmões, a garota entrou no seu quarto e fechou a porta. O que fugia do conhecimento do fractal era que Camila estava com vergonha; as palavras da sua irmã retornaram à sua cabeça no momento em que viu o espectro bonitão, mirando o seu rosto: personagem de filmes caipiras. Camila sentiu vergonha de si mesma e teve medo de que ele pensasse o mesmo: que ela se vestia como uma palhaça. Com o peito angustiado e pesado, encostou a testa na madeira da porta e soltou o ar devagar pelos pulmões. Não entendia sua reação, não sabia por que, de alguma forma, a opinião que ele pudesse ter sobre sua aparência lhe era importante. _ Fugindo?- a voz de Varuna soou atrás das suas costas. Pela primeira vez, Camila não se assustou; muito pelo contrário, os ombros da moça caíram. Virou-se para Varuna e não atreveu-se a olhar nos olhos do fantasma. _ Não...eu....é só cansaço. - respondeu sem ânimo. Varuna percebeu que sua amada não estava bem, a energia dela era outra, decaida. _Camila olha para mim._ - pediu, tocando com dois dedos por baixo do queixo pequeno e feminino. O espectro levantou a face da garota e analisou seu semblante. _ O que há, minha rosa?_ - perguntou, preocupado. _ Nada... só... só me abraça._ - pediu a menina, e o corpo etérico do fractal resplandeceu de puro sentimento. Varuna apertou Camila entre seus braços fantasmagóricos; os dois ficaram em silêncio. Ela sentia o cheiro dele, o calor do seu corpo imaterial, e ele aproveitava a grandeza que é poder ter quem se ama por perto. Eles não sabiam, mas estavam se amando em paz, estavam unindo-se cada vez mais. _ Não vai mesmo me contar o que se sucedeu para retirar o sorriso que seus olhos contêm? - indagou ele, fazendo um carinho nas costas da jovem. _ Foi uma bobeira, brigas de irmãos. - respondeu por alto, mentindo de forma evidente. Não sabia como contar: me importo com o que você pensa de mim; me importo com como você me vê. Camila afastou-se do abraço espectral, colocou a bolsinha em cima da cômoda e retirou as botas. Varuna ficou reparando na menina cabisbaixa. Olhou para o seu corpo delgado, suas roupas simples, estilo Camila, e depois para o seu rosto. _ Você está linda! - disse e, ao mesmo tempo, viu a luz retornar à face da sua amada. - Onde você foi? Te procurei mais cedo e não estava? - indagou o espectro. Varuna tinha ficado na casa dos pais por dois dias, precisava alimentar-se e fazia isso retirando o ectoplasma de Raul. Jamais faria isso com sua irmã, mãe e Camila. Quando retornou, procurou por seu bem-amado, mas não achou. Ficou nervoso, pensou em ir em sua busca, temeu ver sua preciosa na companhia de algum homem; não iria conseguir ficar contido. Resolveu esperar; a calma retornou ao acompanhar o carro da família atravessar as porteiras da Bella Flor. _ Meu pai nos levou para a cidade da garoa. - revelou. Ela esteve bem perto dos parentes do fractal e não sabia.
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