Sendo uma assombração.

2034 Words
06 de maio de 2024- período noturno. Não entendo por qual motivo temos tanto medo das almas de outro mundo! Afinal, não passamos de espíritos em corpos que um dia serão apenas almas. Ninguém escapa dessa regra, ninguém foge disso e por qual razão temos esse pavor? Acredite, não consigo argumentos plausíveis para explicar, simplesmente porque não os tenho, a única coisa que posso salientar é que sim, fantasmas existem e não é fruto de mentes férteis. Camila sabia disso, muito embora antes fosse contornada pelo ceticismo, descobriu de uma maneira nada agradável que existe dois mundos completamente diferentes, mas interligados por alguma razão. Não sei por qual razão, talvez pela vibração energética do espectro ter sofrido uma brusca modificação, a jovem não conseguia sentir o seu cheiro e muito menos a presença do fantasma. Depois de livrar-se dos restos do aparelho eletrônico, a moça foi escovar os fios no banheiro. Estava de frente para o imenso espelho quando rapidamente viu, através do reflexo, uma nuvem n***a passar por trás de suas costas. Arrepiou-se inteira. Volveu o corpo rapidamente naquela direção e não enxergou nada, pensou que estava muito cansada e atribuiu sua visão a isso. Sequer podia cogitar a moça que era Varuna, cheio da carga negativa, que a observava com um olhar de pura raiva. Ele não se conformava em ter ido em busca de consolo e ter encontrado a sua garota com outro. A jovem deixou o banheiro, com a intenção de começar a realizar o trabalho de Química, no entanto o copo de água que trouxe consigo explodiu bem na sua presença. Os cacos voaram para todos os lados. Camila engoliu um grito, seus olhos ficaram enormes e o seu sangue esfriou. _ O quê....- sua fala foi retalhada, pelo que viu a seguir, as almofadas voaram de cima da sua cama, indo parar do outro lado do quarto. Um tremor acometeu a estrutura frágil do corpo da moça, faltou-lhe o ar. Presa naqueles minutos de terror, acompanhou imóvel os livros irem ao rés do chão, o quadro de flores, rosas amarelas, suas favoritas, despencou da parede. _ Eu sei que é você! Por que está fazendo isso? Está me asssutando!- indagou temerosa, pensando que poderia ser outra assombração, ocorreu na mente da jovem que poderia existir mais fantasma na fazenda e não somente o desgarrado. O silêncio foi sua respota, talvez se a garota pudesse ver por um mísero segundo a forma ferrenha com que o novo " amigo" lhe olhava, não teria aceitado conversar e nem sequer, tentar, constituir um vínculo com o desconhecido. O olhar do fractal era em demasia pesado, rancoroso, raivoso, colérico, baço, soturno e carregado de ciúmes do mais puro e visceral. Varuna nunca antes tinha sentido algo desse tipo, nunca antes provou do fel desse sentimento louco e atormentador; a jovem não sabia, mas ele sofria, sofria muito, mas do que podia suportar e externava isso de um grosso modo. O espectro não conseguia lidar com essas novas sensações, não conseguia repelir a imagens espelhada da menina escorada na parede do maldito corredor daquela escola tendo um jovem alto de cabelos negros e olhos verdes, olhando para a face de Vênus da sua fêmea. Um pensamento machista que o acompanhou quando em vida e assim o fez depois da morte que era este: " A mulher é do homem que chegar primeiro". E ele chegou, chegou há anos, acompanhou o patinho feio, trasformar-se num lindo cisnei; por ela foi paciente, por ela não expulsou a família de suas terras como fez com o ex-dono, por ela soube esperar para poder mostrar-se, por ela despertou nele o que em vida nunca sentiu, por ela quis ser benevolente. Por causa dela, encontrou um ponto de paz, por causa dela sente prazer em vigiar o seu sono, por causa dela sente que não vai perder-se, embora já estivesse perdido. Varuna tomou Camila para si há muito e qualquer outro que ousasse uma aproximação da sua amada teria de passar por ele e, na mente do fractal, isso não seria algo fácil. A menina em desespero correu até a porta, pretendia sair de lá, fugir. O fantasma foi atrás, ele impede que a jovem conseguisse ter sucesso em sua empreitada. _ Me deixa ir! Por favor!- pediu aos prantos, mãos gélidas e sem tato, sequer conseguia forçar a maçaneta. - Mãe! Pai! Alguém! Socorro! - berrou em pleno desespero, ninguém ouviu. O quarto tinha entrado numa bolha de energia, sons bloqueados. Varuna levou tempo para aprender que espíritos desencarnados possui uma gama de estratagemas que os encarnados não e fazia um ótimo uso desses. Camila começou a sentir a presença dele, o cheiro fraco do perfume no ambiente e a sensação de não está mais sozinha. Sentindo um terror absurdo, a garota correu em direção da cama, encolheu o seu corpo miúdo contra a cabeceira e se abraçou. Foi perceptível para o espectro o pavor que percorria a corrente sanguínea da jovem, ela tremia muito, chorava"morta" de medo dele. A fúria antes descomunal, dissipou-se, Varuna sentou-se perto da menina, acariciou o seu cabelo úmido e a jovem sentiu. Camila retesou, não queria que ele, lhe tocasse, não queria mais nada dele e nem com ele, arrependeu-se amaragamente de aceitar ter alguma interação com o desconhecido. Mesmo, sendo dominada pelo medo, a jovem ergueu o olhar aos poucos. O espectro ficou dilacerado com o que viu incrustado na face doce da menina ingênua, terror, pavor. A pele fina molhada por lágrimas que continuavam descendo ininterruptas. Varuna levou suas mãos até o rosto pequeno, recolhendo e limpando os rastros que ele causou, porém algo ocorreu no íntimo da menina, algo vibrou, gritou e pediu para ser liberto. Era como se estivessem invadindo um castelo, vários guerreiros de um exército segurando um tronco enorme e golpeando com estes os portões grossos da fortaleza. As pancadas eram firmes, uma após a outra. _ Você é quente.....- sibilou o espectro Camila sentia um toque frio, um toque congelante e não quente, perdeu-se no meio das informações sobre fantasmas trazerem o frio, nem sabia mais o que era verdade ou uma falsa-verdade. _ Perdão pelo medo que te causei. Eu....eu me excedi.... O que iria falar? Confessar que vinha ao seu encontro querendo conforto e foi açoitado pelo chicote do ciúmes? Como poderia dizer algo assim? Ela não iria querer saber mais dele.- pensou lastimando-se por ser intenso demais, isso não mudou. _ Pode ir embora?- Camila perguntou seus olhos mergulhando nos dele. Olhar para os olhos de Varuna era como ver o mar num dia de sol a pino; ou seja, o Sol só está a pino quando ocupa um ponto específico do céu: o zênite. Céu de brigadeiro. A moça pensou assim, sentiu-se convidada para banhar-se neles, sentiu-se convidada para beber do azul daquele céu que lhes estavam mirando com atenção. _ Não. Eu não quero ir, não posso ir, preciso de você. - o espectro foi honesto, embora depois de propagar o verdareiro circo dos horrores no cômodo, ela não queria estabelecer nenhum tipo de cordialidade. Camila abaixou a cabeça, encostando a testa nos joelhos, sentia os tremores ainda lhes percorrer a carne. _ Precisa de mim?- sussurrou _ Muito, não me pessa para ir.- pediu ele, tocando nos braços desnudos da menina que estavam abraçando as pernas cobertas por uma calça de moletom. _ O que houve? O que te levou a fazer tudo isso?- indagou sem levantar a cabeça, seu peito sendo esmagado pela vontade de vociferar muitos impropérios contra o fantasma. _ Não estou bem, Camila. Vi algumas coisas que me feriram, acabei sendo intenso demais. - foi evasivo, olhou para suas mãos tocando a pele arrepiada da jovem e amou a sensação de proximidade, ela não o repeliu, talvez se fizesse isso, ele seria mais agressivo, não se dava bem com rejeições. _ Quer falar sobre?- a moça foi atenciosa. A garota era uma jóia divina, sempre se colocando no lugar do outro sendo empática. Pelo trapézio do pensamento, lhe ocorria que ouvir alguém era benéfico, alguém que guarda tudo para si é como tentar conter uma panela de pressão que está perto de explodir. _ Não sobre o que me levou ao desequilíbrio. - disse sentando ao lado dela, perto da cabeceira, Varuna passou a mão pelas costas da menina, fez-lhe um carinho, puxou-a para si e beijou o topo da sua cabeça. Camila não apresentou nenhuma resistência, achou o espectro volúvel, cheio de camadas e isso deixou-a intrigada. _ Você namora, Camila?- indagou ele, bom conhecedor da vida pregressa de sua pequena, no entanto queria ouvir de seus lábios a resposta. _ Não.- respondeu a menina, erguendo a cabeça. - E você, tinha uma namorada, noiva, era casado, tinha filhos? - completou com uma indagação. _ Não, pequena flor, eu era solteiro, nunca nenhuma mulher conseguiu perfurar as camadas que cobriam meu coração.- Ele olhou para aquela que conseguiu penetrar na sua alma e se tivesse um coração esse seria inteiro e irremediavelmente dela. _ Qual o seu nome, pode me dizer?- perguntou interessada. _ Varuna.- ele respondeu e acompanhou as pupilas dela, retrairem para depois dilatar. _ Diferente, nunca ouvi antes. O que significa? - proferiu, esticando as pernas que doiam pela posição em que ficara por muito tempo. _ Senhor ou soberano, "aquele que lê", que ordena o mundo e que com ele "joga", é o deus do Mar e das águas da chuva, subterrâneas ou superficiais e regente da noite.- explicou, vendo o quanto o destino é sarcástico. _ Deve ter sido os seus olhos que influenciaram na escolha, parecem que o mar está dentro deles.- disse, cheia de inocência, fazendo um elogio no entremeio das palavras. O fractal micaélico sorriu, sabia que não. Seu nome foi escolhido pelo progenitor Rockefeller, por outra razão. Varuna foi uma das divindades mais importantes dos antigos indianos, na época védica, e presidiu as águas do céu e do oceano e era o guardião da imortalidade. Devido a sua associação com às águas e do oceano, ele é frequentemente identificado com o grego Poseidon e o romano Netuno, ou seja, um Deus, por essa razão foi batizado com esse nome. O silêncio envolveu os dois, Varuna apreciou o momento, ele tinhas entre seus braços abstratos aquela que há muito desejava. Era um momento único, algo inenarrável para o espectro. _ Preciso organizar tudo.- proferiu Camila, afastando-se do fantasma. A jovem ergueu- se, retirou alguns fios rebeldes do rosto e olhou em volta, parecia mais que uma criança sapeca tinha feito a desordem e não um "ser" adulto. _ Eu faço, você descansa.- sentenciou o fractal, saindo do lugar. _ Tenho um trabalho para fazer, não irei dormir tão cedo.- confessou a moça. _ Se preocupe com o seu exercício, eu cuido de tudo.- Varuna proferiu, organizando os livros. _ Sabe química? - perguntou a menina . _ Sim, por que?- indagou o fantasma, lendo as lombadas dos livros que perteciam a sua amada. _ Preciso de ajuda com algumas contas e fórmulas, não sou boa nisso.- confessou munida de vergonha, mas mandando as favas, até por que o fantasma não iria sair pelos quatros ventos espalhando que ela era péssima na matéria. _ Qual sua dificuldade maior?- inquiriu, crispando o olhar para o título de um livro : A morta apaixonada.- Gosta de romance gótico? - perguntou sentindo uma chama imensa queimar em seu corpo translúcido. _ Gosto, acredito no improvável que não é tão improvável, como você. Antes muito cética e agora, aprendendo que não sei de muitas coisas.- falou, abrindo o ziper da mochila. _ Seria algum incômodo se eu pegasse emprestado para ler.- perguntou folheando a obra. _ Nenhum.- respondeu colocando o grosso caderno em cima do tampo da mesa de estudos e acomodou-se na cadeira. Varuna olhou para as costas da sua menina e sentiu encher-se de amor. Sentir-se enamorado era mais do que bom, era sublime, era intenso, aceso e cheio de muitas nuances; ela estava ali precisando dele da sua ajuda e isso fez com que a simples conotação que tinha da sua morte na vida dela, não fosse somente atributos implícitos, mas explicitos. Sentiu-se importante para a pequena.
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