**Capítulo 2 - Serena Narrando**
Espero que tudo isso tenha um final feliz e que eu realmente descubra algo significativo. Nas próximas semanas ou meses, me mudarei para minha nova casa, uma realidade completamente diferente do que estou acostumada. Nada de luxo, tudo muito simples. Confesso que, por mais que eu ame a minha antiga casa, estou saturada dela, porque lá eu só senti sofrimento.
Amanhã começarei a trabalhar na escola, conhecerei meus alunos e os moradores do morro. Estou ainda mais ansiosa para ver de perto o irmão de Antônio e toda a sua família, para entender sua origem e saber quem ele realmente era aqui dentro.
Mando uma mensagem para Maisa, perguntando onde posso comprar algo para comer. No entanto, a mensagem não é entregue, e lembro que hoje ela tinha um seminário e estava com a bateria baixa. Decido sair sozinha pelo morro. Caminho com curiosidade, observando tudo ao meu redor.
As mensagens que recebi após a morte de Antônio descreviam o morro como um labirinto de becos estreitos, pessoas em todos os cantos, barracas de todos os tipos de produtos, padarias pequenas, lanchonetes, churrasquinhos, salões de beleza. Era como uma cidade compacta, mas viva e movimentada. Encontro um lugar que parece mais arrumado e como um lanche simples. Já é noite e planejo procurar um mercadinho amanhã para fazer algumas compras e arrumar um gás para cozinhar.
Levantando-me para pagar a conta, olho para os moradores, as crianças, e os vapores com armas atravessadas nas costas. Muitos parecem ser menores de idade, outros um pouco mais velhos, mas todos parecem ter menos de 24 anos. Uma idade tão precoce para já estar imerso no mundo do crime, onde provavelmente não há retorno.
Entro em um beco e logo percebo que estou perdida. Pego meu celular e vejo uma mensagem do mesmo número desconhecido que me envia mensagens inquietantes. Abro e leio: “Agora você está no caminho certo para descobrir a verdade.” É como se a pessoa estivesse me vigiando. Sinto um calafrio e uma presença atrás de mim. Apago o celular e me viro rapidamente. Ao me deparar com um homem, dou um grito agudo, o mais alto que posso, e dou um passo para trás, encarando-o com medo.
— Está perdida, professora? — ele pergunta, com um tom de voz quase irônico. Eu o encaro, sem conseguir encontrar palavras.
Tento falar, mas nenhum som sai. Fico paralisada diante daquele homem, que é quase uma cópia perfeita de Antônio, mas com diferenças sutis. Ele é um pouco mais alto, mais encorpado, sua pele é um pouco mais clara. Seus olhos são cor de mel, ao contrário dos olhos escuros de Antônio. Seus lábios são mais carnudos e seu corpo está tatuado, até mesmo no pescoço. Eu o encaro, completamente sem reação.
**Capítulo 2 - Yan Narrando**
Vejo a nova professora entrando em um beco e sigo a passos discretos. Algo sobre ela me parecia familiar, mas não consigo identificar de onde a conheço. Observo enquanto ela para e mexe no celular. Quando ela se vira, solta um grito e me encara com um olhar apavorado. Ela dá um pulo para trás e eu fecho minha expressão.
— Está perdida, professora? — pergunto, mantendo a voz calma, mas com uma ponta de curiosidade. Ela abre a boca, mas nenhum som sai. Eu estreito os olhos, esperando que ela me responda.
— Não — ela diz rapidamente, finalmente conseguindo falar. — Como você sabe que eu sou professora? — pergunta, um pouco confusa. — Eu ainda não conheço ninguém aqui, a não ser a Maisa.
— Eu sei tudo que acontece dentro do meu morro — digo, com uma voz firme. — Cada pessoa que entra, cada pessoa que fica, cada pessoa que sai. E sei tudo sobre as pessoas aqui.
— Você é... — Ela para, me encara. — O dono do morro?
— Yan, o dono do morro — respondo. — Não é aceitável que uma nova moradora saia gritando pelos becos quando vê alguém do comando, ainda mais o chefe. Mas vou relevar, porque você é professora e aqui, professores são valorizados.
— É que eu me assustei — ela explica, me olhando. — Não estou acostumada ainda com tudo isso. Peço desculpa. Ainda estou conhecendo o lugar, os ambientes e as regras.
— Deveria saber as regras e como as coisas funcionam aqui — digo, com um tom mais severo. — Se continuar dando bobeira assim, você nem verá o dia de sua primeira aula. E os alunos chorariam por você no dia do seu enterro.
Ela arregala os olhos, claramente assustada.
— Vocês costumam ser tão amigáveis com todos os novos no morro? — pergunta, dando um leve sorriso, que não parece ser irônico, mas natural.
— Não — respondo. — Aqui, não somos amigos de ninguém. E muito menos damos i********e para quem é novo. Bom, eu não sou amigo de ninguém, sou o chefe do morro.
— Eu só quero saber para onde fica a minha casa — ela diz, com um tom de desespero. — Estou completamente perdida! Saí para comer algo e não consigo voltar para casa.
— Saia do beco, vire para cima, vire à direita e você verá sua casa — digo, apontando a direção.
— Você sabe onde eu moro? — Ela pergunta, surpresa.
— Sei onde todo mundo mora — respondo. Ela assente, visivelmente aliviada.
— Obrigada e desculpe — ela diz antes de sair andando.
Cada vez que a olho, sinto uma sensação crescente de que a conheço de algum lugar. Entro na boca e encontro um vapor.
— Sabe a professora nova? — pergunto.
— Sim — ele responde. — Estão todos comentando sobre ela.
— Procura todas as esposas dos policiais, sobrinhas, primas, qualquer coisa. Algo me diz que essa mulher é uma cilada dentro do morro.
Minha intuição nunca falha.