Os dias na casa dos pais arrastavam-se como uma neblina densa. Nicole esforçava-se para manter uma rotina, enviando currículos e participando de entrevistas que nunca pareciam levar a lugar algum. A tensão com Valentina era palpável, embora sua irmã adotasse uma postura amigável, oferecendo ajuda que sempre soava falsa.
Numa tarde de domingo, Helena anunciou que haveria um jantar especial naquela noite. "Quero todos à mesa às oito em ponto," disse ela, com um sorriso misterioso.
"Qual a ocasião?" perguntou Nicole, intrigada.
"Uma surpresa," respondeu sua mãe, evitando detalhes.
Nicole não deu muita importância. Talvez fosse algum anúncio sobre uma viagem ou um novo empreendimento de seu pai. Ela passou o restante do dia revisando vagas de emprego, tentando não se abater pela falta de respostas positivas.
Às oito em ponto, desceu para a sala de jantar. A mesa estava posta com a melhor louça, velas acesas e um arranjo de flores no centro. Valentina descia as escadas usando um vestido elegante, os cabelos impecavelmente arrumados.
"Você está deslumbrante," comentou Helena, orgulhosa.
"Obrigada, mamãe," respondeu Valentina, lançando um olhar rápido para Nicole.
Roberto entrou na sala, ajeitando o paletó. "Todos prontos? Nosso convidado deve chegar a qualquer momento."
"Convidado?" Nicole franziu a testa. "Quem mais vem para o jantar?"
Antes que alguém pudesse responder, a campainha tocou. Valentina abriu um sorriso radiante e correu para atender. Nicole sentiu uma sensação estranha no estômago.
Os passos ecoaram no hall de entrada, e então Daniel apareceu na porta da sala de jantar, segurando um buquê de flores. "Boa noite a todos," disse ele, com um sorriso confiante.
O mundo de Nicole parou. O ar pareceu desaparecer da sala. "O que está acontecendo?" conseguiu murmurar.
"Nicole, querida, sente-se," disse Helena, gesticulando para a cadeira.
Valentina entrou ao lado de Daniel, segurando seu braço. "Temos uma notícia para compartilhar," anunciou, visivelmente animada.
Nicole olhou para os pais, buscando alguma explicação, mas eles apenas a encaravam com expressões neutras.
"Daniel e eu estamos juntos," declarou Valentina, sorrindo amplamente. "E vamos morar juntos."
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Nicole sentiu como se tivesse levado um golpe no estômago. "Isso é uma piada?" perguntou, a voz tremendo.
"Não é uma piada," respondeu Daniel, sem conseguir encará-la nos olhos. "Valentina e eu nos apaixonamos."
"Desde quando?" Nicole levantou-se, sentindo a raiva e a dor crescendo dentro dela.
"Não quer se sentar e conversar civilizadamente?" sugeriu Helena, com um tom de reprovação.
"Conversar civilizadamente? Vocês planejaram tudo isso sem me dizer nada?"
"Não queríamos magoá-la," disse Valentina, dando um passo à frente. "Esperei um tempo depois que vocês terminaram para respeitar seus sentimentos."
"Um tempo?" Nicole riu, incrédula. "Terminamos há pouco mais de um mês! E agora vocês estão juntos e vão morar juntos?"
"Nicole, entenda," interveio Roberto. "Valentina foi muito cuidadosa. Eles se amam de verdade, e não queríamos esconder isso de você."
"Esconder? Vocês conspiraram pelas minhas costas! E você," ela apontou para Daniel, "como pôde fazer isso comigo?"
"Os sentimentos mudam," disse ele, finalmente a encarando. "Não planejei que isso acontecesse, mas não posso negar o que sinto por Valentina."
Nicole sentiu as lágrimas queimando em seus olhos, mas recusou-se a deixá-las cair. "E vocês todos sabiam? Estavam todos envolvidos nisso?"
"Não é justo nos acusar assim," disse Helena. "Estamos tentando manter a família unida."
"Unida? Vocês estão destruindo qualquer resquício de família que poderia existir!"
"Nicole, por favor," Valentina estendeu a mão, mas Nicole recuou.
"Não me toque. Você é a pior irmã que alguém poderia ter."
"Não fale assim comigo," retrucou Valentina, a voz endurecendo. "Não tenho culpa se Daniel encontrou em mim o que não via em você."
"Chega!" gritou Nicole, incapaz de controlar a emoção. "Vocês todos são cúmplices nessa traição."
"Talvez seja melhor você se acalmar," sugeriu Roberto. "Podemos conversar sobre isso com mais tranquilidade."
"Não há nada mais para conversar," disse ela, dirigindo-se para a porta. "Vocês fizeram sua escolha. Agora, farei a minha."
"Para onde você vai?" perguntou Helena.
"Isso não importa," respondeu Nicole, saindo da casa.
A noite estava fria, e o vento cortante parecia combinar com a tempestade dentro dela. Caminhou sem rumo pelas ruas, tentando processar o que acabara de acontecer. A traição não vinha apenas de Daniel e Valentina, mas de toda a sua família. Sentia-se completamente sozinha.
Após algumas horas vagando, retornou à casa quando já passava da meia-noite. Subiu silenciosamente para o quarto, evitando qualquer contato com os outros. Deitada na cama, deixou que as lágrimas finalmente escorressem, permitindo-se sentir toda a dor que vinha reprimindo.
Na manhã seguinte, decidiu que não podia mais ficar ali. Precisava encontrar um emprego, um meio de sustentar-se e reconstruir sua vida longe daquela toxicidade. Passou o dia inteiro enviando mais currículos, pesquisando oportunidades, determinada a sair daquela casa o mais rápido possível.
Os dias se transformaram em semanas, e apesar de seus esforços, as respostas não vinham. As poucas entrevistas que conseguia não resultavam em propostas. Sentia-se frustrada, mas não queria desistir.
Certa tarde, enquanto revisava pela enésima vez seu perfil no LinkedIn, uma notificação apareceu. Uma mensagem de uma recrutadora de tecnologia.
"Olá, Nicole. Encontrei seu perfil e acredito que você seria perfeita para uma posição que estamos abrindo em nossa empresa. Podemos agendar uma conversa?"
Nicole releu a mensagem várias vezes, sem acreditar. Não se lembrava de ter se candidatado a nenhuma vaga naquela empresa. Respondeu rapidamente.
"Olá! Obrigada por entrar em contato. Ficaria feliz em conversar sobre a oportunidade. Quando seria um bom momento para você?"
A resposta veio quase instantaneamente. "Que tal amanhã às 10h? Podemos fazer uma chamada de vídeo."
"Perfeito. Estarei disponível."
Uma onda de esperança inundou Nicole. Talvez aquele fosse o sinal que precisava. Uma chance de recomeçar, longe das sombras que a perseguiam.
Na manhã seguinte, preparou-se cuidadosamente para a entrevista. Vestiu-se profissionalmente, arrumou o cabelo e certificou-se de que o ambiente ao redor estivesse adequado. Às 10h em ponto, conectou-se à chamada.
"Bom dia, Nicole!" disse a recrutadora, uma mulher sorridente com olhos brilhantes. "Obrigada por aceitar conversar conosco tão prontamente."
"O prazer é meu. Fiquei surpresa e animada com o contato."
"Encontramos seu perfil e ficamos impressionados com sua experiência. Acreditamos que você seria uma excelente adição à nossa equipe."
A conversa fluiu de maneira natural. Nicole falou sobre suas habilidades, experiências anteriores e objetivos profissionais. A recrutadora apresentou a empresa, destacando os valores e a cultura organizacional.
"Para ser honesta," disse a recrutadora ao final, "acreditamos tanto no seu potencial que gostaríamos de avançar para a próxima etapa o mais rápido possível. Você estaria disponível para uma entrevista com o CEO amanhã?"
"Claro! Estarei à disposição."
"Ótimo. Enviarei os detalhes por e-mail. Mais uma vez, obrigada pelo seu tempo."
Ao encerrar a chamada, Nicole sentiu uma alegria que há muito não experimentava. Talvez, finalmente, as coisas estivessem começando a se alinhar.
Com uma nova oportunidade surgindo inesperadamente, Nicole se prepara para virar a página e iniciar um novo capítulo em sua vida. O que o futuro reserva para ela nesta misteriosa empresa?