O ronco grave do motor ecoou pela garagem subterrânea da mansão, antes mesmo que Oliver o percebesse pela câmera do portão.
Ele estava sentado no sofá, ainda com a cabeça cheia, quando o sistema inteligente anunciou:
— Visitante autorizado: Corvo.
Oliver franziu o cenho.
Corvo não aparecia pessoalmente sem um bom motivo. O homem era um fantasma, surgia, entregava o que tinha e sumia. Se veio até ali, em plena luz do dia, é porque a situação era mais séria do que Oliver imaginava.
Ele desceu os degraus que levavam à garagem, o ambiente amplo e impecável contrastando com a figura que acabava de descer da moto: couro preto, capacete espelhado, postura relaxada, revólver a vista, em alerta. Corvo retirou o capacete, revelando o rosto sereno, o cabelo escuro preso e olhos extremamente atentos, olhos de alguém que vê tudo e fala pouco, mas age sem hesitar.
— Você está de pé bem cedo pra alguém que vive na sombra — Oliver disse, cruzando os braços.
Corvo deu um meio sorriso.
— E você está metido em problema, FrankWood. — Ele estendeu um envelope grosso. — Aqui está tudo o que me pediu… e mais um pouco.
Oliver pegou o envelope, sentindo o peso literal e figurado no material.
— Entra — ele disse, caminhando até o elevador interno.
Corvo o seguiu em silêncio até o andar principal. A mansão era ampla, moderna, quase fria. Linhas retas, vidro, mármore. Nada que revelasse muito sobre o homem que ali morava.
Apenas ordem, controle e riqueza.
Ao chegarem à sala, Corvo se jogou no sofá como se estivesse em casa, porque era assim que ele era. Ele vivia na fronteira entre o civil e o criminoso, e não se curvava a ninguém.
Oliver abriu o envelope.
Fotos.
Impressões de tela.
Relatórios.
Cópias de boletins.
E uma ficha detalhada de Henry.
Corvo falou antes mesmo que Oliver perguntasse:
— O pai da garota está atolado em dívidas. Não com bancos com o querido Henry Flynn. Dívida alta. Cobrança suja. E adivinha? — Ele apontou para uma das fotos de Henry sorrindo com Clarice ao fundo, claramente sem consentimento dela. — O cara é obcecado. Tudo o que é rede social dele tem a garota. Tudo. Ele parece acreditar que ela pertence a ele, como se a mina fosse um...troféu.
Oliver sentiu o maxilar travar.
Corvo continuou:
— Clarice não tem rede social desde… — ele puxou outra folha — desde que trancou a faculdade de enfermagem. Motivo? Barraco no campus. Henry deu um show de ciúmes, atacou um aluno que estudava com ela. Quase foi preso. A garota entrou em colapso, trancou o curso e desapareceu da vida online.
Oliver respirou fundo, tentando manter o controle. Cada nova informação alinhava-se com a inquietação que ele já tinha sentido no hospital.
— Tem mais — Corvo disse, cruzando os braços. — Henry vive rondando lugares onde ela trabalha, por isso a coitada não para em serviço nenhum, fazia só quatro meses que ela tava no hospital. Tem registro de brigas, ameaças veladas, discussões familiares. A família dela… — ele fez um gesto com a mão — …acoberta tudo. Ou prefere não saber, talvez, prefere fingir que não tá vendo.
Oliver fechou os olhos por um instante.
Clarice.
Frágil no leito.
Ele abriu os olhos novamente.
— Você acha que ele pode ter atirado nela?
Corvo deu de ombros, mas seu olhar era sério:
— Eu acho que esse cara é louco, obcecado, se ele acha que ela deu motivo na cabeça louca dele, pode ter sido ele sim ou quem sabe alguém que ele pagou pra dar um "susto" nela…
— O que quer dizer com "susto"?
— Simples, caras como esse louco, pensam de forma...ampla. Na cabeça dele a machucando ela ficaria mais frágil e aberta pra ele, assim ele se aproxima como o bonzinho, que quer cuidar, proteger, curar as feridas. Talvez com a fragilidade dela, ele conseguiria o que quer dela..algo recíproco.
FrankWood assentiu.
— Sobre os hematomas dela, descobriu algo ?
— Nada, pelo menos não tem boletim feito por ela. Só que no barraco que ele fez no campus por ciúmes ele acabou demonstrando ser agressivo com ela também, isso já é uma resposta. — Corvo fez uma pausa, coçando a lateral do rosto ponderando se continuava ou não.— Quem não tem o que quer no "amor" tenta..na dor. — Completou Corvo.
— Acha que ele tem alguém de confiança na polícia ? — perguntou FrankWood.
— A ficha dele está limpa demais pra alguém tão problemático,FrankWood. Vazio demais, e sabe o que mais eu acho, ninguém atira em uma garota num beco sem deixar ao menos um rastro… a menos que tenha experiência.
Oliver sentiu o estômago pesar.
A respiração afundar.
— Tem certeza disso tudo?
Corvo levantou uma sobrancelha.
— Eu nunca erro, Doutor.
Oliver guardou os papéis devagar, com uma precisão quase cirúrgica.
O silêncio entre os dois ficou espesso carregado, denso, cheio de implicações que nenhum dos dois precisava dizer em voz alta.
Após um momento, Corvo se levantou.
— Cuida da garota, se possível— disse simplesmente. — Ela está no meio de um ninho de serpentes, ou melhor, ela foi jogada em um ninho de serpentes.
Ele colocou o capacete, caminhou até o elevador e desceu de volta à garagem.
Oliver ficou sozinho na sala, olhando para o envelope como se fosse uma bomba prestes a explodir.
E, de certa forma…
Era.