Henry esperou a porta fechar completamente. Esperou até o som dos passos de Oliver desaparecer pelo corredor. Só então deixou cair a máscara de namorado dedicado que vestia diante dos pais dela.
— Esse medico é um pé no saco— ele resmungou, alto o bastante para que todos no quarto ouvissem. — Ele se acha dono de tudo. Até parece que manda em você.
Clarice piscou, surpresa pelo tom.
— Henry…
— Henry o que em?— ele continuou, passando a mão pelos cabelos num gesto irritado. — Ele se mete em tudo. Até no que eu trago pra você. Como se você não soubesse o que pode ou não comer.
Os pais de Clarice ficaram em silêncio desconfortável.
O pai pigarreou, mas não disse nada.
Clarice respirou fundo.
Ela deveria ficar calada sabia que discutir o deixava mais irritado.
Mas as palavras saíram antes que ela pudesse controlar:
— Henry… ele só está fazendo o trabalho dele, ele é um ótimo médico, ele é profissional.
O rapaz virou o rosto devagar, como se não tivesse entendido.
— Como é , Clarice?
— Ele é o médico responsável pelo meu tratamento. — Ela tentou soar neutra, calma. — E… ele realmente sabe o que é melhor pra mim agora.
Henry riu, incrédulo.
— Desde quando você defende outras pessoas contra mim?
Clarice sentiu o estômago virar não de culpa, mas de alerta.
Era aquela voz.
Aquela voz dele.
Baixa, controlada, perigosa.
A mãe tentou amenizar:
— Filha, talvez você esteja sensível. Ele só quer te agradar…
— Eu não estou sensível — Clarice disse, ainda olhando Henry. — Só acho que o doutor sabe mais do que a gente sobre o pós-cirúrgico. É responsabilidade dele. E eu confio nele e vocês também deveriam.
Era a primeira vez que ela dizia isso em voz alta.
Eu confio nele.
Henry arregalou os olhos por um instante, preso entre choque e irritação.
É como se algo dentro dele tivesse sido ferido o orgulho, a posse, o controle.
— Confia demais pelo visto— ele murmurou, rosnando por entre os dentes. — Esse médico está passando dos limites.
Clarice mordeu o lábio, mas não recuou.
— Ele me salvou, Henry, deveria estar grato tanto quanto eu.
Silêncio.
O tipo de silêncio que arranha.
O pai dela se levantou, tentando aliviar a tensão:
— Bem, acho que já estamos aqui há muito tempo. Clarice precisa descansar.
Henry não tirou os olhos dela.
Era um olhar frio.
Estudando.
Calculando.
— A gente vai conversar sobre isso depois — ele disse, a voz cortante.
Clarice sentiu um arrepio subir pela espinha.
Mas, ao mesmo tempo, uma pequena centelha dentro dela se recusou a apagar.
Pela primeira vez, ela percebeu:
Ela não estava mais tão disposta a ceder.
Ela não estava mais tão disposta a se encolher.
E, sem que percebesse totalmente, era Oliver com seu olhar firme e voz calma que lhe dava coragem para, mesmo tremendo, erguer a própria voz.
Quando Henry saiu por último, batendo a porta com cuidado ensaiado, mas com força suficiente para ser um aviso, Clarice finalmente soltou o ar que vinha segurando.
E no fundo, no fundo…
ela desejou que Oliver voltasse.
Porque perto dele, ela não sentia medo.
A porta se abriu devagar e Clarice, ainda recuperando o fôlego da discussão com Henry, quase pulou quando viu quem era.
Oliver.
Ele entrou com passos calmos, mas havia algo diferente no seu olhar. Algo atento. Algo… protetor. Carregava a mesma caixa de chocolates que ele havia mandado retirar minutos antes.
Ele a colocou na mesa ao lado da cama, sem dizer nada no começo. Depois, voltou o olhar para ela estudando-a, percebendo cada detalhe do rosto, como se soubesse que algo estava errado.
— Você ficou com vontade? — ele perguntou enfim, com a voz mais suave do que antes.
Clarice piscou, surpresa.
— Como assim?
— Dos chocolates — ele disse, aproximando-se da cama. — Eu posso liberar um. Só um. Hoje. Se você quiser muito.
Ele não parecia irritado como antes.
Nem rígido.
Parecia… preocupado com ela.
Com o que ela queria.
Clarice segurou o lençol com as mãos, sentindo aquele calor estranho no peito.
— Eu… não estou com vontade — disse, sincera.
Oliver inclinou a cabeça, e um pequeno sorriso raro, quase secreto surgiu no canto dos lábios.
— Tem certeza? — perguntou. — Porque, se estiver, eu dou um jeito. Mas só um. Depois você vai ter que me prometer que come algo leve no jantar.
Ela riu baixinho, balançando a cabeça.
— Não, doutor. Pode ficar tranquilo. Eu realmente não quero.
Clarice estendeu a mão, apontando para a caixa.
— Pode levar. Dá pra alguém… ou… sei lá, coma você.
Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.
— Eu?
— Por que não? — ela respondeu, sorrindo. — O senhor parece ser do tipo que esquece até de comer.
Oliver bufou uma risada, aquela que nunca vinha alto, mas sempre vinha quente.
— Não posso negar.
Clarice empurrou a caixa levemente na direção dele.
— Então fique. De verdade.
Ele hesitou.
Oliver FrankWood hesitou.
Como se receber um presente mesmo um simples chocolate fosse um território desconhecido.
Ele pegou a caixa por fim, segurando-a com uma delicadeza quase… desconcertada.
— Obrigado, Clarice — disse, olhando diretamente para ela.
O peso daquele “obrigado” não era comum.
Vinha carregado de algo profundo demais para ser só educação.
Depois ele se aproximou da cama, baixando a voz:
— Está tudo bem?
A pergunta atravessou Clarice como uma lâmina suave.
Não era um “está tudo bem?” automático.
Era um eu vi que você não estava bem, me diga a verdade.
Ela respirou fundo.
— Só… um pouco cansada.
Oliver a estudou de novo, como sempre fazia.
Como se pudesse enxergar até o que ela não dizia.
— Se alguém te incomodar, Clarice… você me fala — ele disse. — Qualquer pessoa. Qualquer coisa.
A forma como ele disse aquilo fez seu coração disparar.
Calma.
Profunda.
Promissora.
Ela assentiu, sentindo um calor subir pelo peito.
— Eu falo — respondeu baixinho.
Oliver segurou a caixa junto ao corpo e deu um passo para trás, mas não tirou os olhos dela.
— Eu volto depois para ver como você está — ele disse.
E antes de sair, acrescentou num tom tão suave que parecia proibido:
— E obrigada pelos chocolates , prometo te dar uma caixa quando puder.
A porta se fechou devagar.
E Clarice ficou ali, com o coração batendo rápido demais.
De um jeito que nenhum dos dois ousava admitir.