Capítulo 32. Cuidado mútuo

1094 Words
Henry esperou a porta fechar completamente. Esperou até o som dos passos de Oliver desaparecer pelo corredor. Só então deixou cair a máscara de namorado dedicado que vestia diante dos pais dela. — Esse medico é um pé no saco— ele resmungou, alto o bastante para que todos no quarto ouvissem. — Ele se acha dono de tudo. Até parece que manda em você. Clarice piscou, surpresa pelo tom. — Henry… — Henry o que em?— ele continuou, passando a mão pelos cabelos num gesto irritado. — Ele se mete em tudo. Até no que eu trago pra você. Como se você não soubesse o que pode ou não comer. Os pais de Clarice ficaram em silêncio desconfortável. O pai pigarreou, mas não disse nada. Clarice respirou fundo. Ela deveria ficar calada sabia que discutir o deixava mais irritado. Mas as palavras saíram antes que ela pudesse controlar: — Henry… ele só está fazendo o trabalho dele, ele é um ótimo médico, ele é profissional. O rapaz virou o rosto devagar, como se não tivesse entendido. — Como é , Clarice? — Ele é o médico responsável pelo meu tratamento. — Ela tentou soar neutra, calma. — E… ele realmente sabe o que é melhor pra mim agora. Henry riu, incrédulo. — Desde quando você defende outras pessoas contra mim? Clarice sentiu o estômago virar não de culpa, mas de alerta. Era aquela voz. Aquela voz dele. Baixa, controlada, perigosa. A mãe tentou amenizar: — Filha, talvez você esteja sensível. Ele só quer te agradar… — Eu não estou sensível — Clarice disse, ainda olhando Henry. — Só acho que o doutor sabe mais do que a gente sobre o pós-cirúrgico. É responsabilidade dele. E eu confio nele e vocês também deveriam. Era a primeira vez que ela dizia isso em voz alta. Eu confio nele. Henry arregalou os olhos por um instante, preso entre choque e irritação. É como se algo dentro dele tivesse sido ferido o orgulho, a posse, o controle. — Confia demais pelo visto— ele murmurou, rosnando por entre os dentes. — Esse médico está passando dos limites. Clarice mordeu o lábio, mas não recuou. — Ele me salvou, Henry, deveria estar grato tanto quanto eu. Silêncio. O tipo de silêncio que arranha. O pai dela se levantou, tentando aliviar a tensão: — Bem, acho que já estamos aqui há muito tempo. Clarice precisa descansar. Henry não tirou os olhos dela. Era um olhar frio. Estudando. Calculando. — A gente vai conversar sobre isso depois — ele disse, a voz cortante. Clarice sentiu um arrepio subir pela espinha. Mas, ao mesmo tempo, uma pequena centelha dentro dela se recusou a apagar. Pela primeira vez, ela percebeu: Ela não estava mais tão disposta a ceder. Ela não estava mais tão disposta a se encolher. E, sem que percebesse totalmente, era Oliver com seu olhar firme e voz calma que lhe dava coragem para, mesmo tremendo, erguer a própria voz. Quando Henry saiu por último, batendo a porta com cuidado ensaiado, mas com força suficiente para ser um aviso, Clarice finalmente soltou o ar que vinha segurando. E no fundo, no fundo… ela desejou que Oliver voltasse. Porque perto dele, ela não sentia medo. A porta se abriu devagar e Clarice, ainda recuperando o fôlego da discussão com Henry, quase pulou quando viu quem era. Oliver. Ele entrou com passos calmos, mas havia algo diferente no seu olhar. Algo atento. Algo… protetor. Carregava a mesma caixa de chocolates que ele havia mandado retirar minutos antes. Ele a colocou na mesa ao lado da cama, sem dizer nada no começo. Depois, voltou o olhar para ela estudando-a, percebendo cada detalhe do rosto, como se soubesse que algo estava errado. — Você ficou com vontade? — ele perguntou enfim, com a voz mais suave do que antes. Clarice piscou, surpresa. — Como assim? — Dos chocolates — ele disse, aproximando-se da cama. — Eu posso liberar um. Só um. Hoje. Se você quiser muito. Ele não parecia irritado como antes. Nem rígido. Parecia… preocupado com ela. Com o que ela queria. Clarice segurou o lençol com as mãos, sentindo aquele calor estranho no peito. — Eu… não estou com vontade — disse, sincera. Oliver inclinou a cabeça, e um pequeno sorriso raro, quase secreto surgiu no canto dos lábios. — Tem certeza? — perguntou. — Porque, se estiver, eu dou um jeito. Mas só um. Depois você vai ter que me prometer que come algo leve no jantar. Ela riu baixinho, balançando a cabeça. — Não, doutor. Pode ficar tranquilo. Eu realmente não quero. Clarice estendeu a mão, apontando para a caixa. — Pode levar. Dá pra alguém… ou… sei lá, coma você. Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso. — Eu? — Por que não? — ela respondeu, sorrindo. — O senhor parece ser do tipo que esquece até de comer. Oliver bufou uma risada, aquela que nunca vinha alto, mas sempre vinha quente. — Não posso negar. Clarice empurrou a caixa levemente na direção dele. — Então fique. De verdade. Ele hesitou. Oliver FrankWood hesitou. Como se receber um presente mesmo um simples chocolate fosse um território desconhecido. Ele pegou a caixa por fim, segurando-a com uma delicadeza quase… desconcertada. — Obrigado, Clarice — disse, olhando diretamente para ela. O peso daquele “obrigado” não era comum. Vinha carregado de algo profundo demais para ser só educação. Depois ele se aproximou da cama, baixando a voz: — Está tudo bem? A pergunta atravessou Clarice como uma lâmina suave. Não era um “está tudo bem?” automático. Era um eu vi que você não estava bem, me diga a verdade. Ela respirou fundo. — Só… um pouco cansada. Oliver a estudou de novo, como sempre fazia. Como se pudesse enxergar até o que ela não dizia. — Se alguém te incomodar, Clarice… você me fala — ele disse. — Qualquer pessoa. Qualquer coisa. A forma como ele disse aquilo fez seu coração disparar. Calma. Profunda. Promissora. Ela assentiu, sentindo um calor subir pelo peito. — Eu falo — respondeu baixinho. Oliver segurou a caixa junto ao corpo e deu um passo para trás, mas não tirou os olhos dela. — Eu volto depois para ver como você está — ele disse. E antes de sair, acrescentou num tom tão suave que parecia proibido: — E obrigada pelos chocolates , prometo te dar uma caixa quando puder. A porta se fechou devagar. E Clarice ficou ali, com o coração batendo rápido demais. De um jeito que nenhum dos dois ousava admitir.
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