Clarice acordou com um cheiro adocicado que não combinava em nada com o ambiente do hospital. Abriu os olhos devagar, ainda sonolenta, e encontrou seu quarto… carregado.
Balões vermelhos em formato de coração pendiam pela cabeceira. Um buquê enorme de rosas ocupava quase toda a mesa lateral. Caixas de chocolate decoradas com laços dourados. E ao lado de tudo isso, Henry impecável, exagerado, sorrindo como se estivesse encenando diante de câmeras invisíveis. Seus pais, sentados na poltrona, pareciam satisfeitos com o “cenário”.
— Clarice, meu amor… — Henry começou, aproximando-se da cama com uma expressão melosa que não combinava com o olhar calculado. — Trouxe tudo o que você gosta.
Ela piscou algumas vezes, tentando ajustar a visão e a mente.
— Henry… isso tudo… é demais — murmurou, forçando um sorriso educado.
— Você merece. Eu fiquei transtornado com tudo que aconteceu — ele disse, pegando sua mão sem pedir. O aperto era forte demais, como se precisasse reafirmar que ela era dele.
Clarice tentou puxar discretamente, mas ele não soltou.
Os pais dela observavam, orgulhosos do gesto de “carinho”.
— Olha quantos presentes, Clarice! — disse a mãe, emocionada. — Você tem sorte de ter um homem tão dedicado.
Clarice apenas assentiu. O desconforto cresceu como um nó no estômago.
Foi nesse momento que a porta se abriu.
Oliver entrou.
O efeito foi imediato.
O ambiente pareceu mudar de temperatura.
Clarice não sabia se era sua imaginação, mas o ar ficou mais leve enquanto ao mesmo tempo mais tenso.
Ele parou ao ver o espetáculo de corações vermelhos, rosas e chocolates. A expressão do Dr. FrankWood não mudou muito… mas os olhos, ah, os olhos escureceram por um segundo. Um segundo apenas. Mas Clarice viu.
Ele se aproximou da cama com postura firme, clínica, mas algo no maxilar contraído mostrava a irritação silenciosa.
— Bom dia, Clarice — Oliver disse, a voz mais baixa e controlada do que o normal. — Como está se sentindo?
— Melhor… eu acho — ela respondeu, com um sorriso tímido.
Henry não sorriu. Apenas o observou como um animal territorial observa outro se aproximar de sua presa.
— Doutor — Henry cumprimentou, num tom frio. — Trouxemos algumas coisas para animá-la. Chocolate sempre ajuda.
Oliver olhou para a caixa mais próxima. Depois, para o buquê exagerado. Depois, para a mão do homem segurando a de Clarice.
— Ela não pode comer chocolate — Oliver disse, direto, sem rodeios. — Não ainda. A cicatrização interna ainda está em processo. Açúcar demais inflama. Gordura também. Qualquer coisa assim pode piorar as dores abdominais.
O pai de Clarice franziu a testa.
— Mas é só um doce…
— Não — Oliver repetiu, olhando agora apenas para Clarice, como se falasse só com ela. — Você não pode comer isso.Não deve.
Algo no tom dele a acalmou imediatamente.
Como se estivesse defendendo-a.
Protegendo-a.
Henry, por outro lado, cerrou a mandíbula.
— Sempre com tantas regras — ele disse, rindo sem humor. — Não sabia que ela estava proibida de ter gestos de carinho.
Oliver finalmente tirou os olhos de Clarice e o encarou.
— Não está proibida de receber carinho — a voz dele não subiu, mas ganhou uma firmeza perigosa — está proibida de complicar a própria recuperação.
Silêncio.
Denso.
Clarice sentiu o coração bater mais rápido mas não de medo. Era outra coisa. Um calor estranho. Uma sensação de…proteção, calor, ela não sabia explicar mas havia algo na voz de Oliver que a fazia se sentir quente.
Oliver voltou a olhar para ela, e seu tom suavizou de imediato:
— Eu vou pedir para a enfermagem retirar o chocolate por enquanto. Mais tarde podemos avaliar algo leve, ok?
Clarice assentiu.
— Tudo bem, doutor.
Henry finalmente soltou a mão dela mas apenas para cruzar os braços, claramente irritado.
Oliver notou.
Claro que notou.
E por um instante, Clarice viu algo passar pelo rosto dele.
Algo sombrio.
Algo protetor demais.
Algo que a fez engolir seco… e ao mesmo tempo sentir-se estranhamente segura.
Ele terminou a avaliação clínica com gentileza, mas cada toque dele era calculado, cuidadoso e Henry observava cada gesto como se quisesse arrancar sua mão de Clarice.
Quando Oliver se afastou, pronto para sair do quarto, ele lançou um último olhar para ela.
Um olhar que dizia:
Se algo incomodar, eu vou voltar.
Eu sempre volto.
E Clarice soube no fundo do peito que ele realmente voltaria.
Por ela