Capítulo 12. Confissões de Clarice

867 Words
Isabela manteve a postura profissional, mas seus olhos gentis faziam Clarice relaxar aos poucos.A sala era silenciosa, iluminada apenas pelo abajur ao lado do divã.Clarice estava sentada, as mãos entrelaçadas sobre o colo, o curativo ainda marcando sua pele pálida e sardenta. — Podemos começar pelo que você lembra da noite do acidente? — perguntou Isabela, com voz suave. Clarice respirou fundo, encarou o nada por alguns segundos e então começou: — Eu… estava saindo do trabalho. Tudo escuro, silencioso. A rua é sempre vazia aquele horário. Eu ouvi passos atrás de mim, mas… — ela franziu a testa. — Não lembro de ter visto ninguém. Depois senti a dor, e… tudo ficou preto. Isabela assentiu, sem pressionar. — Você tem tido pesadelos ou flashes dessa noite? — Sim… às vezes acordo com a sensação de alguém me observando. — Clarice mordeu o lábio. — Mas não vejo rosto. Só… a sensação. Isabela anotou algo no tablet discreto sobre a mesa, depois mudou de assunto com a mesma suavidade. — E sua família? Como estão lidando com tudo isso? — Eles… estão tentando. Minha mãe está sempre nervosa, meu pai tenta me distrair. — Clarice olhou para as próprias mãos. — Mas sinto que eles sabem de algo. Ou… querem que eu esqueça rápido demais. Isabela se inclinou um pouco, ainda mantendo a postura acolhedora. — Tem algum parceiro ou parceira, Clarice? Clarice desviou o olhar para o colo meio hesitante. — Sim. — respondeu simples e Isabela percebeu que ela não se sentia confortável. — E qual o nome do seu parceiro? — Henry. — Entendo, e como ele está com esse trauma ? — perguntou. Clarice travou. Foi sutil, mas Isabela percebeu como seu corpo inteiro se enrijeceu. Os ombros subiram, a respiração mudou, o olhar desviou imediatamente para a janela, como se buscasse saída. — Clarice? — Isabela chamou, com delicadeza. A ruiva demorou a responder, os olhos azuis ficando úmidos, mas não de tristeza era outra coisa. Medo? Repulsa? Culpa? — Ele não é meu namorado… — confessou enfim, num sussurro quase inaudível. — Ele é meu noivo na verdade. Isabela piscou, surpresa, mas manteve o tom calmo. — Entendo. Isso é bom, não é? Como você se sente com seu noivado ? Clarice riu sem humor, uma risada curta, amarga. — Não. — Ela respirou fundo, deixando a verdade sair com dificuldade. — Minha família o escolheu. Não eu, vivo em uma história de romance de mil quinhentos e bolinha, quando os pais que decidiam. Me sinto... vendida.— Clarice foi tão sincera que nem ela mesmo entendeu como essas palavras saíram da sua boca.— Henry trabalha com meu pai, tem… influência. E minha mãe sempre disse que eu precisava de alguém que “me cuidasse”. — Ela continua: — Mas eu nunca quis isso. Henry nunca perguntou o que eu queria. Ele só… assumiu. Isabela inclinou levemente a cabeça, percebendo a densidade no ar. — Clarice, você se sente segura com Henry? Gosta de algo nele ? Isabela percebeu a respiração curta, o tremor nas mãos, o olhar que fugia como se procurasse um canto onde pudesse se esconder.A terapeuta pousou a prancheta no colo, suavizando ainda mais o tom: — Você não precisa falar nada agora, Clarice. Só quando e se você se sentir segura. Está bem? Clarice engoliu em seco, como se aquela permissão fosse algo que ela não recebia com frequência. Seus ombros caíram um pouco, aliviados.Ela assentiu devagar. Isabela esperou alguns segundos, dando espaço para que o ar na sala voltasse ao ritmo normal, e então, com muito cuidado, mudou o foco. — Quero te perguntar outra coisa… mais simples. — Ela sorriu de leve, acolhedora. — Como você tem se sentido em relação ao Dr. FrankWood? Ele está cuidando de você da forma que precisa? Sente muitas dores ainda? Clarice piscou, surpresa pela direção da pergunta.¢e antes havia tensão, agora surgiu algo diferente confusão, talvez? Um leve rubor subiu às suas bochechas sardentas. — O Dr. FrankWood… — ela repetiu, devagar.— Ele é… atencioso. Muito atencioso. — Seus dedos brincaram com a costura do cobertor sobre as pernas. — Ele sempre fala comigo com calma, explica tudo… fica perto quando eu acordo assustada. Isabela observou não só as palavras, mas como eram ditas. O tom suave. A hesitação. O leve toque de admiração ou seria fascínio? — Você se sente segura com ele? — perguntou, direta, mas sem perder a gentileza. Clarice respirou fundo, encarando o vazio por um instante antes de responder. — Sim… — ela admitiu. Havia sinceridade ali. E também algo mais profundo, algo que Clarice ainda não compreendia e que talvez nem pudesse compreender naquele estado fragilizado. Isabela percebeu. E percebeu também a sombra que cruzou o olhar da ruiva quando acrescentou, em voz ainda mais baixa: — Mas às vezes… não sei explicar. Sinto que ele me observa como se… já me conhecesse de antes. Isabela manteve o rosto neutro, mas aquele detalhe ficou marcado como um alerta silencioso. As mãos da ruiva começaram a tremer. Ela abriu a boca para responder… mas nada saiu. E aquele silêncio pesado disse mais do que qualquer palavra poderia dizer.
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