Preço

1324 Words
Capítulo- II. Preço “Aquele que vive de combater um inimigo tem interesse em o deixar com vida.” (Nietzsche) Ragnar O rato possui olhos arregalados, e o odor de terror e medo exala de sua pele com facilidade. Eu percebo isso, e Hunter também; nós apreciamos essa sensação. É mais uma das razões que nos impulsionam a lutar para preservar quem realmente somos, evitando que nossa verdadeira essência venha à tona. Dou um passo para trás, sentindo a tensão nos meus músculos, meus dois metros de altura se destacando. Caminho até um quadro pendurado na parede ao lado da porta, uma réplica da famosa obra de Van Gogh, "Noite Estrelada". Contemplo a tela, notando os erros e a falta de habilidade de quem a criou. O nome quase invisível na parte inferior da obra chama minha atenção: Liliana. "A ratinha." Lanço um olhar por cima do meu ombro e encontro o rosto de Hunter voltado para mim. Ele pisca discretamente, como se soubesse exatamente o que estou pensando, ciente do propósito que nos trouxe até aqui. Minha mente retrocede dois dias, navegando pelas alamedas da memória. — Você refletiu adequadamente sobre isso, Ragnar? Está seguro de sua decisão? — Hunter indagou com a habitual frieza em sua voz. Permanecei imóvel, diante da janela, sem me mover. O som do fogo crepitando na lareira servia apenas como um artifício para nos igualar aos olhos dos empregados da casa. A sala era invadida pelo aroma do chá, enquanto as xícaras repousavam sobre a bandeja, com o líquido começando a esfriar. Na maioria das vezes, Hunter desaprovava meus métodos; no entanto, meu irmão não estava ali para me dissuadir ou fazer-me recuar, mas sim para reforçar o peso da lei, assegurando que tudo permanecesse dentro dos parâmetros dessas novas normas. Tantas coisas haviam mudado e tudo estava em constante transformação. — Poupe-se, Hunter, a desistência não é uma opção para mim. Você sabe disso. Não há mais nada a ser dito; seja impecável como advogado. Reconheço sua capacidade. — respondi com frieza e serenidade. — Trata-se de uma afronta à moralidade, uma verdadeira indecência. — Hunter deixou sua opinião no ar, ciente de que, em minha perspectiva, suas palavras não tinham valor. Dirigi um olhar para meu irmão por cima do ombro, por breves segundos. — Não vamos discutir moralidade, isso há muito não se aplica aos Murdoch. Sua memória centenária não é falha, meu caro. Estou utilizando os mesmos métodos que Edgar. Ele tomou algo que é meu; farei o mesmo. — Hunter não se manifestou, mas seu olhar expressava claramente desaprovação. Nada mais foi dito, pois não era necessário. — Você está indo longe demais, Ragnar. Semelhanças não indicam nada. — Talvez, mas desejo descobrir, e para isso, preciso que ela esteja por perto. Prepare os documentos, não deixe brechas ou lacunas. Edgar Freitas deve estar sem meios para tentar qualquer reação. — Farei isso, Ragnar. Retorno ao presente quando a porta se abre, revelando uma mulher vestida com um conjunto de cor vibrante, que adentra o ambiente segurando uma bandeja. O aroma do café permeia a sala. — Peço desculpas pela intromissão, trouxe café. — Sua voz é delicada, mas carrega um tom de apreensão. — Agradeço, Julieta, pode se retirar. — Solicita Edgar. — Com a licença dos senhores. — A mulher sai apressadamente e fecha a porta. Edgar, com as mãos trêmulas, serve-se de uma xícara. Permito que ele sorva o líquido, enquanto me afasto da pintura e observo o homem que demonstra total falta de coragem diante do perigo que se apresenta claramente. Que tipo de homens estão sendo moldados na contemporaneidade, que tremem ao menor ruído? O indivíduo que está sob meu olhar parece quase se esconder sob a mesa. — Os senhores não desejam aceitar o café? A máquina deste local é excelente. Podem experimentar, é bastante palatável. Não sei como é o café na Escócia, mas o do Brasil é maravilhoso. Bendito seja o grão do café. Edgar é um desses indivíduos que possui o dom da persuasão; tenta nos envolver em uma conversa superficial, desviando o foco do assunto principal. —Essa não é uma perspectiva social, Edgar.– Minha voz se apresenta de maneira gélida, e o homem se agita ainda mais ao levar a xícara aos lábios, resultando em respingos de café sobre a mesa que anteriormente servira como cenário para o ato s*xual entre ele e alguma funcionária desta filial. O meu comportamento hostil impacta Edgar de maneira significativa, à medida que ele começa a compreender a situação; ele se encontra encurralado, sem alternativas ou possibilidades de evasão. Edgar deixa cair a xícara sobre a superfície da mesa e, de forma discreta, afrouxa a gravata. Seus dedos deslizam pelos cabelos castanho-escuros. Nos seus olhos verdes, de um tom claro e sem vivacidade, é possível perceber o desespero. —Você drenou os recursos da minha empresa por uma década inteira, Edgar. Construiu uma vida de luxo à custa de mim e dos Murdock. Como pretende reparar todo esse dano? - pergunto, retornando à poltrona e sentando-me novamente. Meus olhos estão fixos na jugular do homem, que pulsa como se estivesse prestes a explodir. Edgar deixa os ombros caírem e respira profundamente. _ Desejei uma vida melhor, mais digna; isso não é crime. Aqui também está o meu esforço e o meu sacrifício; passei noites em claro trabalhando, e meu salário não era justo. Um sorriso irônico surge em meu rosto. _ Justo não é permitir que vermes como você sejam considerados homens. Aspirar a uma vida melhor não é crime, mas usurpar bens alheios é, sim. Você é um golpista, Edgar. _ Vocês estão aqui para me enviar para a prisão? - pergunta novamente, com um olhar carregado de pânico. _ Devolva os valores corrigidos e você terá apenas uma demissão por justa causa - afirma Hunter. Edgar arregala os olhos. _ Não posso realizar a correção do valor; possuo imóveis, carros, joias, algum dinheiro em investimentos e... _ Valor total, corrigido e transferido para a matriz na Escócia. Bens materiais não me interessam. — É inviável se não me concederem um prazo! Rosnei em um tom baixo, com minha paciência esgotada. — Não há registro na auditoria de desvios inadequados relacionados a prazos. Por que eu daria ouvidos a um indivíduo desprezível? — Inclino meu corpo em direção a Edgar, que considero um verme. — Você vai me pagar, Edgar, mesmo que isso signifique que você perca essa vida miserável dentro de uma cela! Sua expressão se transforma em aflição, e consigo perceber lágrimas se formando em seus olhos. Fraco! Edgar é o tipo de ser que deveria ter sido consumido pelas chamas ao nascer, uma verdadeira vergonha para a humanidade. — Por favor, senhor Murdoch.. . O desespero de perder a liberdade é um fantasma que todos temem, especialmente alguém desprovido de honra. — Existe algo que você pode fazer para evitar a privação da sua liberdade, Edgar. — Seu rosto demonstra confusão inicialmente, mas logo se ilumina ao acreditar que conseguirá escapar de forma tão simples. Ele deveria saber que ninguém me engana, absolutamente ninguém, e sai impune. — Na verdade, há apenas uma coisa que você pode fazer. O homem solta o ar que estava retendo, e seu rosto se enche de alívio. Internamente, rio, ansioso pelo momento em que irei destruí-lo, que pisarei em seu pescoço e lhe impedirei de dar o último suspiro. — O quê, pelo amor de Deus? Diga e eu farei. Por Deus amado, eu farei. A menção a Deus, faz meus punhos cerrarem com força. Não gosto que mencione Deus; esse Deus que tirou tanto de mim, que não impediu a minha condenação. Seres pequenos e irracionais e manipuláveis que se consideram tão astutos. Assim são os humanos desta era. Olho na direção de Edgar, observando a esperança florescer em seus olhos, m*l sabe ele que irá arder como uma ferida aberta.
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