Narrado por Lorena Silva
A noite tinha cheiro de festa e poeira. A praça central da cidade tava cheia, lotada de gente animada, luz piscando pra todo canto e aquele barulho bom de risadas misturado com o som dos instrumentos sendo testados. Era o evento do mês — o show da prefeitura para comemorar o aniversário da cidade com show de graça, cheio de barraquinhas vendendo comidas e bebidas e muita música boa. E eu tava ali, no meio daquilo tudo, com o coração batendo mais rápido do que o normal.
Minha mãe, Márcia Silva, ajeitou a blusa e me puxou pelo braço toda animada. Como ela é auxiliar administrativa no prédio da prefeitura, ela conseguiu pulseiras VIPS para ficarmos no camarote da festa.
— Vamo, menina, apressa esse passo. Vai começar já, já!
Assenti com um sorriso contido. Por fora, eu parecia tranquila. Por dentro, meu estômago tava uma bagunça. Não sabia se era ansiedade porque dessa vez eu iria estar tão perto do palco ou só aquela euforia boba que bate quando algo diferente acontece.
Usei um vestido simples, mas bonito. Justo na cintura, deixava os ombros à mostra, na cor marsala para valorizar minha pele n***a. Soltei os cachos pra dar volume, coloquei brincos e colar dourados e um saltinho baixo dourado também. Só queria me sentir bem. Minhas colegas já tavam ali também, a festa começou com os shows mais comuns, a atração principal da noite que era o motivo de eu ter ido, ia ser a última atração.
Eu, minha mãe e minha amigas aproveitamos bastante, não sou muito de dançar, acho que não danço bem então só fiz me mexer um pouquinho e tomar refrigerante. Quando finalmente anunciaram o início do show da atração principal, a Thaís logo me puxou. Thaís é uma querida e é filha de um dos vereadores, então tem passe livre nesse tipo de evento na cidade.
— Vem pro palco com a gente, mulher! A gente vai ficar ali pertinho!
Olhei pra minha mãe, meio incerta, e ela logo sorriu, abanando a mão:
— Vai, minha filha, aproveita!
E eu fui. Subi com elas pro cantinho lateral do palco, junto com outras meninas. Aquele lugar era ótimo, dava pra ver tudo. E aí, ele apareceu.
Raví Rocha. Meu Deus!
Ele surgiu com uma camisa preta meio aberta no peito, calça jeans escura e usando sua bota que já era sua marca registrada, seu sorriso parecia iluminar mais que os refletores. Veio dançando com o microfone na mão, o jeito leve, carismático, sedutor. O público gritou. As meninas se empurraram pra frente. E eu? Eu congelei igual uma tabacuda.
Juro que por um segundo ele olhou direto pra mim. Foi rápido, mas eu senti. Os olhos dele pararam nos meus e meu corpo inteiro reagiu. O coração deu um salto tão forte que achei que fosse desmaiar ali mesmo. Mas aí ele desviou o olhar, e eu pensei:
“Impressão minha...” o que um homem como aquele iria querer comigo ? Ravi é rico, lindo, famoso e eu sou só eu.
Respirei fundo, tentei me distrair, fingir que não tava tão nervosa, tentei só curtir o show. Mas o show dele...era diferente, Ravi em si era diferenciado. Ele dominava o palco como se fosse dono do mundo. Cantava e sorria com aquele sotaque gostoso, nordestino como o meu, mas tinha umas diferenças já que eu era Pernambucana e ele Sergipano e quando ele falava com o público, parecia íntimo de todo mundo.
— Tá animado aí, minha gente? Hein? Bora cantar comigo esse forrozim do bom... do jeitinho que só a gente sabe fazer, viu? Quero ver quem vai dançar coladim hoje...
Soltei uma risadinha, sem conseguir evitar. Ele parecia estar flertando com a cidade inteira. Era o charme natural dele. E funcionava.
Depois de um tempo curtindo ali com as meninas, resolvi voltar pro camarote onde minha mãe me esperava com um copo de refrigerante na mão, se abanando.
— Eita que esse homem é um caso sério, viu? Até eu fiquei com vontade de dançar coladim.
Ri junto, mas não falei nada. Tava tentando esconder o quanto aquele olhar — ainda que talvez nem fosse pra mim — tinha mexido comigo.
O show continuou por mais de uma hora, com músicas românticas, batidas que faziam o chão tremer e jogadinhas de corpo dele que arrancavam suspiros, risadas e gritinhos do público. Mas o meu olhar... continuava procurando o dele.
Quando o show acabou, avisaram que ia rolar uma fila de fotos com ele. Meus dedos tremiam e o coração já pulava. Eu tentava parecer calma, mas a verdade era que eu tava me desmontando por dentro.
— Vamo logo, mãe... — murmurei.
Entramos na fila e, quando chegou nossa vez, eu nem conseguia respirar direito. A gente subiu no camarim improvisado e lá estava ele, todo suado, mas lindo demais. A camisa mais aberta, um pedaço do peito à mostra — Ele parecia ter sido feito para provocar.
Minha mãe, como sempre, foi logo puxando assunto.
— Boa noite, Raví! Meu nome é Márcia e essa aqui é minha filha, Lorena! Ela é muito sua fã, viu? Desde a época que você começou a cantar, quando você nem era tão famoso ainda.
Quase morri de vergonha. Arregalei os olhos e sussurrei, desesperada:
— Mãe!
Mas ele só riu daquele jeito leve, com o sotaque natural escapando na fala:
— Ôxi, é mesmo, é? — e aí ele olhou pra mim. De novo. Só que dessa vez... demorou mais. O olhar dele era diferente. Brincalhão, sim. Mas tinha alguma coisa escondida ali. — Eita, pois eu que tô é me sentindo velho agora... “desde que eu nem era tão famoso”? Vixe, essa entrega a idade todinha, viu dona Márcia?
— Nem parece, homem! Tá um garoto ainda! — respondeu minha mãe, encantada e era verdade, ele só tinha 25 anos.
Eu queria desaparecer. Meu rosto tava pegando fogo, e quando tentei sorrir, saiu só um meio contorcido de vergonha.
— A gente pode tirar uma foto? — perguntei baixinho.
— Claro que pode, mocinha. Vem cá — ele abriu os braços, sorrindo. — Fica aqui no meio, ó. Senão vão dizer que eu não trato as fãs direito...
Fui. Me aproximei devagar e o perfume dele me atingiu de cheio. Forte, quente, masculino. Me arrepiou. O clique da câmera foi rápido, mas aquele momento... pareceu durar uma eternidade.
— Foi um prazerzão conhecer vocês — ele disse, ainda com os olhos em mim. — E tu, mocinha... continua me acompanhando, viu? Vai que um dia tu aparece num clipe meu... já pensasse?
Minha mãe se empolgou toda:
— Olha aí, Lorena! Quem sabe, hein?
Mas eu nem consegui responder. Só sorri de canto, com a garganta seca, sentindo o coração bater no mesmo ritmo das luzes piscando atrás dele.
Quando a gente saiu do camarim, nem ouvi direito o que minha mãe falava. Tava zonza. A cabeça estava longe. O peito... acelerado.
E naquele instante eu soube que não tinha sido impressão minha, ele realmente tinha olhado para mim e não foi só uma vez mas sim duas vezes.
E eu senti. No fundo, bem no fundo...
Que alguma coisa grande — e perigosa — tinha acabado de começar.