Narrado por Raví Rocha
O quarto do hotel estava em silêncio quando olhei pra Lorena, ela estava deitada com o lençol enrolado na cintura, o cabelo bagunçado e aquele sorriso tímido mas que de certa forma mostrava que não queria ir embora, que queria ficar. Era difícil explicar, mas algo nela me puxava. E não era só o corpo, apesar do corpo dela fazer um estrago nos meus pensamentos, me deixar viciado em cada curva. Era o jeito tímido, a entrega, o olhar curioso como se cada coisa entre a gente fosse novidade.
A verdade é que eu devia me afastar. Que homem em sã consciência complica a vida desse jeito? Mas eu tava preso. Feito bicho na armadilha que ele mesmo montou, estava preso a ela e não sabia como me soltar mais.
A gente aproveitou o resto da tarde no hotel, trancados, longe das câmeras, da imprensa, de qualquer coisa que pudesse nos denunciar. Só existia ela ali, Lorena. E a forma como o corpo dela se encaixava no meu era quase pecado, o nosso pecado.
No fim da tarde, descemos juntos pro carro, mas nos despedimos ali mesmo, antes de ir pro aeroporto. Um beijo rápido, discreto e sem testemunhas. Não podíamos chegar juntos ao aeroporto, quem confiaria que ninguém ali iria nos fotografar ou algo do tipo, o ser humano é astuto.
Ela foi pro embarque dela. E eu… voltei pra minha vida.
O avião pousou em Aracaju no início da noite. Peguei o carro que meu motorista deixou no aeroporto e segui direto pra casa. Não era uma mansão gigantesca, mas era do jeito que eu sempre quis: bonita, confortável, com uma varanda boa pra tomar cerveja e violão encostado num canto da sala. Eu já cantava a um tempo mas vim estourar mesmo de um ano e meio pra cá, faço muito shows, minha agenda é sempre lotada, a internet ajuda muito hoje em dia a deixar um artista mais influente e conhecido, ainda não me considero rico mas já estou construindo patrimônio e já vivo além da realidade da maioria da população brasileira.
Clara estava lá, como sempre. Com o cabelo preso num coque, vestido solto estampado, do jeito que ela ficava quando tava em casa. Me recebeu com um abraço gostoso, daqueles de quem convive, divide a rotina, a cama, os silêncios, os problemas.
— Oi, amor. Como foi o show? — Clara sempre foi muito carinhosa, rocheda, sem falar que é linda, quando a vi pela primeira vez já sabia que ela ia ser minha.
— Foi bom demais, muito cheio de gente. O povo de Belém é quente demais. — eu disse, soltando o tênis e me jogando no sofá.
Ela veio sentar no meu colo, passando os braços pelo meu pescoço.
— Tava com saudade… — ela disse, beijando meu rosto.
Senti um certo aperto. Talvez por culpa, talvez por contraste. O cheiro da Lorena ainda grudava em mim, misturado com o perfume do sabonete do hotel. Mas eu segurei firme.
— Também tava. — respondi, afundando o rosto no pescoço dela e aspirando seu cheiro doce.
Clara tentou investir mais. Beijou minha boca, escorregou as mãos por dentro da camisa. Mas eu segurei com delicadeza. Sabia já o que ela queria e se fosse outro dia eu arregaçaria ela, mas hoje não.
— Tô moído, viu? Nem dormi direito esses dias. Tô no bagaço. —
Ela respeitou. Clara sempre soube lidar com meus altos e baixos, com a loucura da estrada. Era por isso que ela tava comigo até hoje.
— Tá tudo bem. Toma teu banho, vai. Já deixei a toalha separada. —
Fui pro chuveiro sozinho. Enquanto a água caía, minha cabeça era um redemoinho. Eu gostava da Clara, gostava muito. A gente tava junto desde antes de tudo acontecer. Antes da fama, do dinheiro, dos palcos lotados. Ela segurou a barra comigo quando ninguém sabia meu nome. Comprou briga, me ajudou a gravar vídeo, editava às coisa no celular quando eu não tinha nem assessor, me ajudou até mesmo com dinheiro quando eu precisei parar de trabalhar pra me dedicar a música.
A mídia amava a gente junto. Era a história perfeita: o casal que venceu junto. Eu, o cantor carismático que veio de baixo. Ela, a influencer que cresceu junto com a minha carreira. Patrocínio, publi, contrato… tudo vinha mais fácil com “Raví e Clara” na chamada.
Mas aí veio a Lorena.
Não foi de propósito. Eu juro. Só que o olhar dela naquele show… a maneira como ficou nervosa na minha frente, a boca travando pra responder… me despertou algo que eu nem sabia que existia mais. Desejo misturado com curiosidade. t***o com ternura. E depois que descobri que era virgem… p***a. Aquilo mexeu comigo de um jeito estranho. Fiquei possessivo, quis cuidar, quis repetir. Era a ambição de ter mas junto com mais alguma coisa.
A real é que eu nunca tinha traído a Clara. Vontade? Já tive, claro. As mulheres jogam charme, mandam DM, se jogam no camarim, umas belíssimas outras nem tanto, mas eu nunca me dei ao trabalho. Nunca passei da linha.
Com Lorena, eu não só cruzei a linha. Eu fui longe, muito longe e o pior de tudo é que eu gostei a beça.
Preparei quarto, mandei flores, beijei como se o mundo fosse acabar. E o pior? Me envolvi. Senti coisa. Talvez não amor. Ainda não. Mas uma fissura que me tirava o foco.
Agora, de volta à rotina, Clara tava ali, tomando o café da manhã no outro dia comigo, sorrindo, planejando a semana, como se nada tivesse mudado. Como se eu não tivesse tomado outra mulher com a mesma boca que beijava ela.
Mais tarde, a gente saiu juntos. Tinha live marcada com o pessoal do forró e ela sempre me acompanhava. Fazia parte do “Pacote Raví Rocha”, como a equipe dizia rindo.
— Vai querer que eu fique no palco ou nos bastidores hoje? — ela perguntou, enquanto se maquiava no carro.
— Fica no palco, perto de mim. O público gosta de ver a gente junto. —
E era verdade. A live m*l começou e os comentários já pipocavam:
“Casalzão!”
“A Clara tá muito linda!”
“Ele ama ela, isso é nítido.”
“Todo homem deveria exaltar sua mulher como o Raví exalta a dele.”
Eu jogava o sorriso no rosto. Fazia piada, dançava, cantava como se minha cabeça não tivesse explodindo por dentro.
Durante um dos intervalos, postei um story.
— Rapaz… eu amo essa mulher, viu? — eu disse, apontando o celular pra ela. — Essa mulher é minha vida, meu tudo. Amo tu, Clara! —
Ela repostou logo depois.
— Eu também, meu amor. Eu te amo, sempre nós! —
Tudo certo. Tudo perfeito.
Menos a imagem que veio na minha mente segundos depois: Lorena, no quarto do hotel, nós dois juntinhos.
Ela ia ver eu e Clara na internet. Ia entender. E talvez se ela realmente goste de mim como diz, vai doer, eu sei que dói.
Mas a real é que ela sabia onde tava se metendo.
Ela sabia que existia uma Clara.
Sabia que não ia ter espaço pro nome dela sair por aí comigo em público. Não agora.
Mesmo assim… algo em mim se incomodava. Como se eu tivesse machucado um cristal que eu mesmo quis proteger.
Mas eu não podia largar Clara. Não era só sentimento. Era mídia, carreira, imagem. Era uma história construída.
Com Lorena era diferente. Era desejo, novidade, vontade. E o fato de ter sido o primeiro... aquilo me grudava nela. Me dava um tipo de posse, um orgulho b***a, masculino, coisa de homem. Como se eu fosse o único que sabia como ela realmente era.
Mas Clara… era a mulher que tava na minha sala. Que dividia minha cama. Que o Brasil conhecia.
E, até segunda ordem, ia continuar sendo.