O nada

1294 Words
Ela abriu os olhos e, virando o rosto para a grande vidraça da varanda do loft, tudo era branco para além dos vidros embaçados. A densa neblina do lado de fora, branca, ocultava a vista da cidade. Sentia-se como se tivesse sido abduzida pelo absoluto nada. Ela se espreguiçou sob o macio edredom e sentou-se na cama, de frente para a luz. Respirando fundo, sentiu o ar frio invadir seus pulmões, inspirou longamente e expirou, tranquila. Pela claridade e o frio, instintivamente, sabia que era muito cedo e que, em algum lugar, lá fora, o Sol imperava e esforçava-se para trespassar a densa cerração. O resto do dia não seria diferente: logo, uma fina garoa se instalaria, umedecendo o ar e esfriando tudo... era o prenúncio de um inferno severo que se aproximava. Levantou-se, passou pelo closet, olhando as peças de seu acervo, e entrou em seu banheiro do mezanino. Era simples, amplo, decorado de forma limpa e com poucos elementos. Sobre a bancada de sua pia, não havia qualquer vestido de vida naquele ambiente: toalhas alinhadas, toalha para os pés, pequenos vasos e utensílios estavam primorosamente arrumados. Ao abrir a grande gaveta a sua esquerda, lá, encontrou tudo o que gostava para iniciar seu dia: utensílios de higiene bucal, seus cosméticos, protetor solar... A rotina seguiu como todas as manhãs e após um revigorante banho, enxugou-se, seguindo, de volta, para o closet, enrolada na toalha. Olhou-se no espelho enquanto se desnudava. O ar, gélido, tocou sua pele e mesmo a climatização do loft não foi capaz de evitar o arrepio que se estendeu pelo corpo alto e bem delineado da mulher. Ela vasculhou as gavetas, vestiu as roupas íntimas, um body preto, sóbrio, simples e bem ajustado, de mangas longas e decote redondo, antes de escolher as roupas apropriadas para aquele dia. Optou por uma meia calça de fios espessos, preta, uma saia, preta, simples, canelada, de tricô, artesanal, de um fio fino de lã, abaixo da linha dos joelhos. Escolheu um cachecol largo, púrpura, do mesmo tipo de tecelagem da saia e um casaco de couro, preto, longo, que quase alcançava o comprimento da saia. Calçou as botas, pretas, acima da linha dos joelhos, de couro liso, bem tratado, bico redondo e salto baixo. Dentro de sua bolsa de mão, apenas o essencial: um documento de habilitação para dirigir, passaporte, seu smartphone, um cartão bancário, um pequeno borrifador de perfume e um gloss hidratante. Pegou os óculos escuros e desceu as escadas para acessar o estudio que lhe abrigara na noite anterior. Apesar das boas roupas e da excelente aparência , não era mulher de ostentar luxos ou joias. Tinha os cabelos longos, pretos, presos em uma trança fofa, de lado. Era bem cedo, coisa de 6:00 da manhã. Pegou as luvas, de couro, vestiu o casaco e o cachecol em um fino arranjo. As mãos, sim, ostentavam o primoso trabalho da manicure e da natureza. Ela tinha unhas longas, arredondadas, naturais, bem cuidadas e com uma camada de esmalte nude. As chaves da casa repousavam sobre o aparador, próximo da porta de saída, cujo, ao lado, uma pequena mala abrigava o essencial para ter conforto em uma viagem de poucos dias, preparada no dia anterior. Olhou para o loft antes de comandar seu desligamento total pelo smartphone e saiu, em silêncio. Uma nova viagem estava iniciando, desta vez, em busca de uma coleção de itens antigos, raros, pouco conhecidos. Ela entrou no elevador vazio, elegante e distinta, tendo no ombro a bolsa de mão, pendurada por uma alça de fino trabalho de joalheria, em tungstênio e, na mão, a mala de viagem, para poucos dias. Na recepção, no piso térreo do prédio de seu loft, que ocupava a cobertura, cumprimentou os funcionários e um ou outro vizinho que passava e dirigiu-se para a saída. Do lado de fora, o motorista do carro de aplicativo, agendado há dias, já a aguardava, com a porta aberta. Ao aproximar-se do veículo, ele se apressou em pegar a valise dela e acomodá-la, fechando a porta imediatamente depois dela entrar. Guardou a bagagem no porta-malas e dirigiu-se para o aeroporto. No curto trajeto, não trocaram muitas palavras, nada além dos diálogos que se esperava. — Bom dia, senhora! Seja bem vinda de volta. É um prazer atendê-la! - disse o motorista, entusiasmado. Já a conhecia e fazia corridas constantemente para ela. Ele dirigia uma SUV luxuosa, preta, imponente e robusta, que a agradava muito, fazendo a viagem ser bastante confortável. — Bom dia! Como tem passado? - ela respondeu suave - Como sua filha se saiu na prova do vestibular? — Ah, senhora! Ainda não temos notícias do resultado. Ela estudou bastante, mas não soube dizer se foi bem. Está muito ansiosa e a senhora sabe, não é? Fica difícil até de pensar. - disse ele, já com algum conforto. — E o senhor? Está animado para a nova fase da família? Será algo importante para todos. - ela perguntou, interessada e amistosa. — Para dizer a verdade, estou meio nervoso. Não imaginei que ela cresceria tão rápido. Veja! Daqui a pouco, será uma mulher formada! Com diploma e tudo! - ele parecia, de fato, ansioso, mas feliz. Parecia um pai atencioso. Ela sabia pouco dele, mas ele sempre a entrevistava como um repórter de celebridades. Isso a divertia. — Senhora, posso fazer uma pergunta pessoal? — Pois sim! Perguntar pode sempre! Já, eu responder é outra situação. - ela disse, brincalhona. — A Senhora parece ser uma mulher fina, estudada. A Senhora fez alguma faculdade? - perguntou, interessado. — Sim. Estudei Artes primeiro. - ela respondeu, esquiva, estava com certa pressa de chegar ao aeroporto e tomar seu café da manhã. — Nossa! A Senhora é artista! - exclamou surpreso. - Que maravilhoso! Riu divertidamente antes de responder. — Lamento, mas não sou artista. - disse com um simpático sorriso. - Sou marchand. — Marchand? É tipo publicidade? - perguntou, simples. Ela respondeu paciente e divertida: — Antes fosse. Eu compro e vendo obras de arte e outras coisas assim.- ela respondeu, simplista. — Vejo a senhora viajar muito. Deve pagar bem... - ele investigou. — Bem é uma palavra muito forte. Digamos que posso me manter com conforto. — Entendi. E é difícil de trabalhar? — No começo? Sim, foi muito, mas, agora, é bem mais fácil. - Respondeu sem rodeios. Depois disso, ela pediu licença e começou os procedimentos para seu embarque. Desta vez, viajaria em aviões fretados, já que seu destino não era alcançado por linhas comerciais convencionais. Ao chegarem no portão de acesso, o motorista parava o carro em frente às portas do saguão quando foi instruído por ela. — Desta vez, poderia me fazer a cortesia de seguir para o portão de embarque privativo? O motorista sinalizou e avançou, obedecendo aquela distinta mulher. No portão, foi instruído para avançar até o hangar ao final da pista de decolagem. Chegando, foram gentilmente recepcionados por um comissário de bordo e os pilotos. — Seja bem vinda, Lex. — disse o comissário, conforme instruía a ficha de embarque no plano de vôo. — Bagagem? Ela assentiu e o motorista entregou sua única mala ao funcionário do hangar, que tratou de embarcá-la na cabine, como diziam as ordens. O motorista estava encantado e pediu se poderia aproveitar aquele momento. Queria incentivar a filha a seguir em frente. Lex pediu a autorização do piloto, que permitiu. Até a decolagem, o motorista ficou lá e acompanhou tudo até que o avião foi autorizado a decolar. O destino era Tuvalu. Lá, após desembarcar, teria ainda uma viagem até uma das ilhas do arquipélago, onde encontraria o contato do vendedor. O avião, confortável e luxuoso, começou sua manobra enquanto ela aguardava a decolagem.
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