Prólogo
"Quanto custa para magoar um coração? Estou magoando o meu e não acho cura para esse sentimento bandido."
Marrynna
A vida está me dando muitas rasteiras e a pior delas estou provando em doses pequenas, porém muito amarga.
Como posso querer e desejar alguém muito diferente de mim e do que eu sempre almejei para a minha vida?
Qual é o remédio quando a cama queima, inflama sob nosso peso? Pelo menos nos meus sonhos, isso acontece, e é uma delícia. Não importa o quanto eu olhe para nós e perceba nossas diferenças. A verdade é que me entrego quando o vejo, mesmo que tudo entre nós pareça um grande nó. Me entrego, mesmo que ele não saiba, mesmo que não me perceba.
Não posso negar a paixão que sinto, sim, estou completamente enredada por esse peão. E isso é algo que ele nem imagina. Não sei se isso me traz alegria ou tristeza. Que desgraça é essa? Nunca fui de me deixar levar por homem algum, nem mesmo pelo Aaron. Sempre soube separar as coisas. E, sinceramente, eu precisava do Aaron pelo dinheiro; o sexo com ele era apenas aceitável, nada que me fizesse pensar que ele era o melhor nesse aspecto.
Contudo, meus dias aqui têm sido um verdadeiro tormento. A única coisa que me salva é o cheiro do pobretão, e os sonhos me acordam em situações lamentáveis. São dois, três sonhos por noite! Estou enlouquecendo!
Quantas vezes já o observei pela janela, com o peito nu, cabelo ao vento, segurando as rédeas do cavalo? Nunca pensei que ficaria tão fascinada ao ver um homem suando. Confesso que minhas pernas tremem sozinhas toda vez que o espio. Cícero é uma mistura de salvação e condenação, um dilema e a resposta dele.
Agora, ele está construindo uma cerca, e eu o observo. Cada vez que ele puxa o arame, os músculos de suas costas se movem, e meu sangue corre mais rápido nas veias. Começo a suar.
Reúno coragem, olho para o céu nublado, mas o clima está abafado. Vou até a cozinha, que mais parece uma ervilha, abro a geladeira e pego uma garrafa de água e um copo. "Ele deve estar com sede; bem que eu queria oferecer água diretamente da minha boca."
Saio para a varanda, olho para minha calça jeans e minha blusa de tecido leve, lamento não ter passado um batom para dar cor aos lábios. Desço, pisando no chão e observando as plantas ao redor da casa, que parecem ter sido jogadas ali pelos jardineiros da natureza, agarrando-se à terra para sobreviver.
Caminho em direção ao homem, pisando no mato rasteiro. A cada passo que dou em sua direção, mais meu corpo treme, mais meu calor aumenta. Passo a ponta da língua pelos lábios.
Escuto seu gemido, resultado do esforço para puxar o arame.
— Oi, trouxe água — digo, me aproximando mais.
Ele bate com o martelo na estaca de madeira e, em seguida, deixa a ferramenta cair no chão. Nossos olhares se cruzam.
Olho para o boné em sua cabeça.
— Não precisava se incomodar, ruiva — ele diz, desviando o olhar para o fio de arame farpado, testando-o como se dedilhasse um violão. Quero muito esses dedos em mim.
— Não é incômodo, estou hospedada na sua casa, preciso ajudar de alguma forma — me aproximo mais, olhando para ele.
Eu deveria estar morrendo de vergonha depois da rejeição dele, mas não sou de me deixar abater, sigo firme como uma abelha que não sai da flor. Simplesmente apaguei o que aconteceu, mas meu orgulho feminino está machucado. E isso só piorou quando aquela garota apareceu aqui com a desculpa de trazer um doce que a mãe fez.
Ela não gostou de me ver por aqui, e eu não gostei de saber que ela tem acesso à casa do peão. Trocamos alfinetadas, quase fui pra cima dela, mas naquele dia o Cícero não estava; ele tinha saído para cavalgar em suas terras.
— Não sabia que o Cícero colocava as galinhas para dormir dentro de casa — disse ela, fazendo um bico enorme.
Sorri com ironia.
— Não só coloca, como também come e adora — respondi sem pensar duas vezes.
— É, galinha é pra isso mesmo: comer e jogar os ossos fora. Quando é pra procriar, ele vai atrás das mulheres de caráter.
Me senti um lixo, uma coisa feita para ser usada e descartada.
— Não cante vitória antes da hora, garota. Quem está mais perto dele sou eu, e não você.
— Será? Você pode estar perto da cama, mas do coração está bem longe, querida.
A i****a me lançou essa e saiu em sua moto barulhenta. Fiquei tomada pelo ódio. Agora, aqui perto dele, percebendo que seu olhar para mim é o mesmo que ele dá para um pé de mato, começo a acreditar que aquela fedelha tem razão: estou longe do coração do Cícero.
Olha nós aqui um distante do outro; um sentindo mais do que deveria e o outro neutro; um querendo se render e o outro não percebe e se percebe não quer o mesmo.
Cadê a resolução, uma vez que parece que somos opostos em tudo e estamos andando por caminhos diferentes. Cada um por um lado.
O meu coração pulsa quase explodindo e o dele bate.
Minha vontade grita e a dele sequer canta.
Estou me tornando uma obsessiva, ele não percebe.
Eu estou o respirando quase que o tempo inteiro, ele sequer me olha , sequer me enxerga.
Seria ele o meu erro?
Acontece que quero errar e muito.
Quero mergulhar não somente no peito dele como na essência.
Mas que diabos estou pensando?
Nem eu sei, estou uma bagunça e quando estou perto dele tudo fica pior.
Estou sofrendo com esse tempo que vai passando e nada acontece. Olha nós aí.....