capítulo 03- Julia /Lorena

1613 Words
Julia /Lorena narrando capítulo 03 O caminho de volta pra casa foi um filme na minha cabeça. As palavras dele, o olhar, o cheiro tudo grudado em mim como uma sombra que eu não podia deixar escapar. Tentei me convencer que era só um jogo de cena, que eu precisava me manter firme, profissional. Mas no fundo, sentia a adrenalina correr com mais força, e a tensão que eu escondia, crescendo a cada passo. Quando finalmente entrei no meu apartamento, joguei a bolsa no sofá e respirei fundo. Meus dedos tremiam ligeiramente enquanto eu guardava o gravador. Precisava me acalmar, focar no que realmente importa. O jogo estava só começando.O celular de trabalho vibrou na mesa. O nome no visor era “Chefe de Operação”. - Fala Julia. A voz do chefe era firme, quase sem emoção, do jeito que eu conhecia. - Recebemos o relatório inicial. Você está segura do que está fazendo , certo? - Sim. Primeiros contatos feitos. Dona Cida confia no projeto. Encontrei com Doni e foi mais rapido do que eu esperava , ele está de olho em mim.respondi, tentando controlar o tom, não deixar transparecer nada. -Ótimo. Agora vem a parte delicada. Você precisa continuar ganhando a confiança dele da comunidade. Observe, grave, mas cuidado. Ele é esperto e não hesita em eliminar ameaças.Meu coração acelerou. -Estou ciente. Vou agir com cautela. - Boa. Mas, Julia… fez uma pausa.- Se precisar de algo, não hesite em pedir ajuda. Estamos todos monitorando você. Não se esqueça, você não está sozinha. Desliguei o telefone e encostei a cabeça na parede, sentindo o peso da responsabilidade cair sobre meus ombros. Era mais do que um trabalho. Era um jogo de vida ou morte. Lá fora, a Grota continuava viva, pulsando no ritmo que não era o meu. Mas eu tinha que me adaptar, sobreviver, vencer.E não tenho a intenção de perder. Fechei as cortinas, deixando a luz amarelada da sala tomar conta do ambiente. O silêncio do apartamento contrastava com o burburinho que ainda ecoava na minha mente. Eu conseguia ouvir as risadas , o barulho dos motores, o som distante de um funk estourado em alguma caixa. Era como se a Grota tivesse grudado em mim, mesmo aqui, longe de lá. Peguei o caderno de anotações e comecei a escrever cada detalhe do dia, não podia confiar apenas nas gravações. O jeito que ele me olhou, o meio sorriso como se já me conhecesse, o tom de voz carregado de poder. Doni Alves não era só mais um alvo, ele era uma bomba relógio. Enquanto rabiscava, me peguei lembrando da aproximação dele. Não foi invasiva, mas foi certeira. Ele sabia o que estava fazendo. E eu… também sabia. Nesse jogo, cada olhar era munição pra mim , e se precisar jogar baixo eu vou jogar . Levantei para tomar um banho quente, mas a água não levou embora a sensação de estar marcada. Quando saí, vesti um moletom largo, amarrei o cabelo e fiquei na cozinha, preparando um café que eu sabia que não ia me ajudar a dormir. O celular da minha identidade falsa vibrou e era número desconhecido, Mensagem. "Gostei de conhecer você, Lorena. A Grota é pequena, mas cheia de caminhos. Quero te mostrar alguns." Meu estômago revirou.Claro que ele conseguiu meu numero com a dona cida . Nenhuma foto, nem nome , mas eu sabia quem era. Doni . E pelo jeito não perde tempo. Senti o frio na espinha misturado com algo que eu não queria nomear. E foi aí que percebi… ele já estava tentando me puxar pro jogo dele, e eu preciso decidir rápido se ia seguir o roteiro ou improvisar. Respirei fundo, encarando a tela iluminada do celular como se aquelas palavras pudessem atravessar e me tocar. “Quero te mostrar alguns caminhos.” Não era só um convite. Era um teste. E eu sabia disso. Respondi depois de alguns minutos, calculando cada letra. “Quando e onde?” A resposta veio quase instantânea. “Amanhã, final da tarde. Mando te buscar. Se quiser recusar, é agora.” Sorri sozinha. Ele achava que eu ia recuar. Achava que eu sou mulher de recusar alguma coisa? ainda mais quando me interessa muito saber mais sobre ele. Talvez ele não sabe ainda que, pra mim, o perigo sempre foi o maior combustível.“Estarei ai a tarde .” Enviei e larguei o celular sobre a mesa. Fui até a janela e abri um pouco a cortina. A rua lá embaixo estava quase vazia, mas a sensação de estar sendo observada não me deixava. Na Grota, os olhos não são só de quem você vê. E aqui fora… quem garante? Deitei no sofá, mas o sono não veio. Minha mente girava, passando o rosto dele, o jeito calmo como se nao devesse nada , as mãos nos bolsos, como se nada naquele território pudesse me ameaçar. Eu preciso me lembrar que, por mais que ele fosse um homem com charme perigoso, ele era o alvo no fim . Só que no fundo, e isso eu não queria admitir nem pra mim mesma, havia algo nele que ... Algo que não esta no relatório, que não cabe nos arquivos da operação. Algo que só quem olhava nos olhos dele podia sentir. Quando finalmente fechei os olhos, já era quase amanhecer. E a última imagem que me veio foi a dele, sorrindo com aquele ar de quem sabe mais do que mostra. Amanhã o jogo muda. E se eu não tomar cuidado, ele vai começar a jogar dentro da minha cabeça também. Dormi pouco, mas levantei como se cada movimento fosse ensaiado. Café forte, banho rápido, e aquele dilema na frente do guarda-roupa qual versão de mim eu ia mostrar hoje? A vizinha “Lorena” simples e curiosa? Ou a que sabe como entrar no radar de um homem como Doni? Optei por um meio-termo calça jeans justa, blusa preta de alça fina e jaqueta leve. Cabelo solto, maquiagem leve , o suficiente pra chamar atenção sem parecer que tentei demais. Esse jogo é de equilíbrio, e eu não posso errar nas primeira jogada. Passei a manhã inteira revisando mentalmente os pontos da operação. Tudo o que já sabíamos sobre ele, sobre a Grota, sobre os “caminhos” que ele poderia me mostrar. Mas nada no relatório falava sobre o impacto que ele poderia ter… de perto. E isso me incomoda bastante. O celular tocou assim que eu desci do taxi na entrada. Número desconhecido. Atendi com a voz neutra, mas já sabia quem era. - Lorena? a voz grave, pausada, que eu reconheceria mesmo no meio de uma multidão. - Sim. - Tem um carro a sua espera ai na entrada ele vai te trazer onde eu tô. Não teve pergunta se eu aceitava entrar em carro de algum estranho. Somente a ordem. Fechei os olhos por um instante, controlando o impulso de mandar ele pro inferno . Esse jeito dele… é exatamente o que eu esperava. segurei firme minha bolsa. O vento quente da tarde bateu no meu rosto, mas não foi isso que acelerou meu coração. Na esquina entrada um sedã preto, vidro fumê, motor ligado. A porta traseira se abriu sozinha, como se eu já estivesse sendo esperada há muito tempo. Alguns envolvidos só me olharam me dando passagem . Quando entrei o motorista, um homem grande, braços fechados de tatuagens, apenas me cumprimentou com um aceno e colocou o carro em movimento. Nenhuma conversa no caminho. Só o ronco do motor e a minha própria respiração tentando se manter constante. A Grota começou a surgir no horizonte vielas, muros coloridos, gente na calçada. O carro parou em frente a um portão de ferro ja aberto . O homem desceu e abriu a porta para mim, apontou com queixo na direção e disse . - Só segui até o final do corredor . Lá dentro, um corredor estreito e o som distante de vozes masculinas. Segui, sentindo o cheiro de fumaça e perfume se misturando. E então quando cheguei na última porta lá estava ele e mais um cara . Doni estava encostado na parede, braços cruzados, camisa branca simples, corrente dourada brilhando no peito. O olhar dele me percorreu de cima a baixo, sem pressa. - Gostei que veio. Ele não sorriu. Mas a forma como falou soou como se fosse. - Você disse que ia me mostrar os caminhos. Mantive a voz firme, mas meus olhos o estudavam. -Vou. Mas antes… O cara saiu sem falar nada.Ele se afastou da parede e começou a andar devagar até mim. - Quero saber qual deles você quer conhecer primeiro. O bonito… ou o perigoso? Senti um frio percorrer minha espinha. Não era só um convite, era uma armadilha disfarçada. - Quem disse que eu não posso conhecer os dois? respondi. O canto da boca dele subiu levemente, e naquele instante ele tinha entendido a mensagem eu estava no jogo… e não tinha medo. Deixa ele pensar que eu vou cair no papinho cafajeste dele . Que eu sou só mais uma oferecida que sobe com a intenção de sentar pra ele , como ele mesmo disse . Mais minha intenção é outra . E sentar sim , mas em cima do túmulo ou da lista intensa que ele tem , quando finalmente ele estiver dentro da Cadeira de segurança máxima de onde ele vai demorar bons anos isso se sair .Ele se virou, fez um sinal com a mão para que eu o seguisse, e eu fui. Mas cada passo atrás dele era também um passo mais fundo dentro do território dele . Comentem meu amores ...
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