Capítulo 01 - Julia/ Lorena

1450 Words
Julia narrando capítulo 01 O calor era sufocante, mas não era só o sol que pesava no meu corpo. Era o colete disfarçado por baixo da blusa, era a tensão entre os ombros, era o medo que eu fingia não sentir. O táxi me deixou na entrada da Grota, uma das favelas do Complexo do Alemão. Ao meu redor, o mundo pulsava num ritmo que não era o meu. Mães com sacolas, crianças descalças, motos subindo e descendo em disparada. Os olhos desconfiados me atravessavam, mas sorri. Era parte do disfarce. Meu nome, agora era Lorena Ramos. Assistente social, enviada por uma ONG para implementar um projeto de educação e saúde infantil. Na prática? Era só fachada. Na bolsa, escondido entre cadernos e canetas coloridas, estava o gravador, uma micro câmera e meu verdadeiro objetivo. chegar até Doni Alves, o bandido mais procurado do estado, intocável por todos os meios legais. Meu alvo. A missão era clara ,ganhar a confiança da comunidade, descobrir onde ele se esconde , encontrar uma brecha para derrubar o império dele de dentro pra fora. Eu estava treinada pra isso. Mas se tudo der errado quem sai derrubada sou eu . Por isso não posso dar espaço pra erros . E muito menos que desconfiem. Mas nada me preparou para o momento em que vi ele pela primeira vez. Foi logo na entrada. O sol batia de lado no rosto dele, cortando sombras no maxilar marcado. Ele ria com dois homens armados, camisa branca aberta no peito e olhar de quem comanda tudo sem levantar a voz. O tipo de homem que faz o mundo girar ao redor dele. Reconheci na hora o retrato falado , a cor da pele, a altura , todos os detalhes com clareza. Ele passou a língua umidecendo os lábios carnudos e sorriu . Nossos olhos se cruzaram por um segundo. E naquele instante…prendi a respiração os olhos dele me avaliaram da cabeça aos pés . Sem perceber eu fiquei parada , vi ele gesticular com a mão dando sinal pra eu me aproximar . Eu fui ...como quem não tinha escolha. Como se meus pés tivessem vontade própria. O coração martelava no peito. Lembrei do treinamento, do que me disseram sobre o controle da respiração, da importância de parecer natural. Mas não tinha nada de natural no jeito que ele me olhava. Era como se me despisse, não com vulgaridade, mas com um tipo de poder que atravessava qualquer armadura. - Tá perdida, dona? ele perguntou, com um sorriso preguiçoso e perigoso ao mesmo tempo. A voz grave, carregada de malícia e autoridade. Fingi um sorriso leve, abaixei os olhos e balancei a cabeça. -Não... Eu sou Lorena Ramos, assistente social. Vim da ONG Novo Horizonte... estendi a mão, disfarçando o leve tremor. Ele não apertou. Só observou. Os olhos dele eram castanhos, quase negros, intensos demais pra quem vive cercado de arma, morte e silêncio. Ele deu um passo à frente e, num gesto inesperado, afastou uma mecha do meu cabelo que tinha escapado do coque. - Fala bonito... Mas o que cê tá fazendo mesmo aqui na Grota? O sorriso tinha sumido. A pergunta veio com veneno e teste.Engoli seco. - Vim implementar um projeto de apoio às crianças da comunidade. Ajudar com educação, saúde básica... trabalhar com as mães. minha voz saiu firme, treinada, mas por dentro eu suava.Um dos caras ao lado dele riu, debochado. -Vai salvar as criança agora, Doni? disse, entre dentes. Era ele mesmo , a confirmação estava ali, Domini Alves. A dois passos de mim. Sem esconder o rosto, sem disfarce. Um rei no trono dele, confiante porque ninguém nunca conseguiu derrubar.Ele ignorou o comentário do comparsa, mas continuou me olhando com atenção. - Se vai trabalhar com as mãe, vai ter que falar com a Dona Cida. Ela é quem manda nesses bagulho tudo daqui. ele apontou com o queixo para a viela da esquerda. - Vai lá , é um portão azul o unico .Assenti, ainda forçando o sorriso. - Obrigada...Dei as costas, mas senti os olhos dele queimando nas minhas costas. Cada passo parecia uma eternidade. Quando dobrei a viela e ele sumiu da minha vista, só então respirei de verdade. Encostei na parede, fechei os olhos e tentei desacelerar o coração. Primeiro contato feito.Primeira mentira dita. Primeira impressão... marcada. Se ele desconfiasse, era o meu fim. Mas se acreditou pode ser o começo do fim dele! A viela era estreita, m*l cabia duas pessoas lado a lado. O cheiro de comida, esgoto e fumaça se misturava que grudava na pele. Passei por dois moleques brincando de pipa, que me olharam com a mesma desconfiança de todo mundo até agora. Segui o caminho que ele indicou. Cada passo era uma batalha entre o medo e a missão. O lugar onde encontraria a tal Dona Cida era inconfundível. Portão azul descascando, jardim improvisado com pneus pintados e vasos de refrigerante. Bati palmas, tentando parecer segura. Uma senhora com os cabelos presos num coque frouxo apareceu na porta. Usava um vestido floral e chinelo. Os olhos eram vivos, espertos. A semelhança com ele era gritante. -Pois não? -Bom dia. A senhora é a Dona Cida? Eu sou a Lorena, assistente social da ONG Novo Horizonte. Vim conversar sobre um projeto com as mães da comunidade. Ela me encarou por alguns segundos. Um silêncio que pesava. - Ah sim foi Celina que te mandou?Assenti, tentando não parecer ansiosa. - Então entra. Se ela mandou, a gente ouve. A sala era simples, mas limpa. Uma espécie de escritório improvisado, no canto uma pilha de cestas basicas , caixa de leige e agua mineral .O ar condicionado foi um alivio para o calor que eu estava . Num canto fotos de crianças cobriam uma das paredes. Sentei no sofá como ele indicou , tirei da bolsa um bloquinho, canetas coloridas, o teatrinho da assistente social. Conversamos por mais de uma hora. Dona Cida queria saber tudo qual era o projeto, de onde vinha o dinheiro, quem mais estava envolvido. Eu tinha resposta pra tudo. Memorizei o relatório da ONG como se minha vida dependesse disso e, de certa forma, dependia. No fim, ela pareceu convencida. Me deu o número de algumas mães, falou dos principais problemas da favela, e disse que ia me ajudar a organizar um primeiro encontro com as mulheres da comunidade. - Mas deixa eu te avisar, menina… aqui ninguém dá passo sem que ele saiba. Doni pode deixar, mas tudo tem limite. Ele vê tudo. E se cismar contigo... Ela não terminou a frase, mas não precisava. Saí da casa com o gravador ligado dentro da bolsa. Tudo fazia parte do plano. E o plano estava andando. Mas o que eu não planejava era o que veio em seguida. Sai da viela com cuidado, o sol ainda castigando. Quando virei de volta pra rua principal, ele estava lá. Doni. Sentado numa cadeira de bar, uma cerveja na mão, óculos escuros e aquele sorriso de canto que fez minha barriga gelar. Dessa vez ,ele me chamou com um simples levantar de queixo. Um convite? Uma ordem? Tanto faz. Eu fui. -Já achou o que procurava? - Já sim. Dona Cida vai me ajudar a reunir as mães. - É? Então tá indo rápido. Gostei disso. Mas cuidado pra não parecer ansiosa demais. Quem corre, tropeça. -Eu ando com calma. Ele riu. Um riso baixo, quase debochado. -Anda mermo? Porque teu olhar diz outra coisa. Engoli a resposta. Não podia deixar ele me desmontar com palavras. - A gente pode marcar uma reunião oficial. Apresentar o projeto. Deixar tudo claro pra comunidade. - Claro... ele repetiu a palavra como quem saboreia -Tu quer mermo trabalhar com as crianças ou é só disfarce? Congelou. Um segundo. Dois. E aí ele completou.- Porque se for só disfarce... Pra querer sentar pra mim , entra na fila que tá extensa. E talvez tu nem aguente a pegada do n***o aqui. - Me respeite ! eu sou profissional o senhor pode estar acostumado com certo tipo de mulheres . Mas vim preparada . - É. A gente vai ver. Ele levantou, terminou a cerveja num gole só e se aproximou. Chegou tão perto que senti o cheiro do perfume misturado ao suor. E falou baixo, rente ao meu ouvido. -Bem-vinda à Grota, Lorena. Cuidado pra não se perder de você mesma aqui dentro. Depois virou as costas e foi embora, como se tivesse cravado um aviso.Fiquei parada, sentindo cada palavra dele martelar na minha mente. Doni Alves não e só perigoso. Ele é inteligente. Perceptivo. E, pior um prepotente e cafajeste. Que comece o novo surto .... uhuuuuuu Vamboraaaa as atualizações diárias começam dia 11/08
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