Ela atravessou o salão em direção a Ricardo, que a esperava de braços cruzados e um olhar de desaprovação. Na verdade ele m*l havia notado sua ausência, mas o que incomodava era que ela havia desobedecido a ordem de ficar perto e sem avisar que se afastaria.
— Onde estava? — Perguntou, a voz baixa, quase inofensiva, tudo para manter a aparência de um casal trocando confidências.
— Precisava de um pouco de ar, só isso. — Ela evitou se demorar nas palavras, sabendo que qualquer justificativa só pioraria o incômodo dele.
Ele a olhou de cima a baixo, ajustando uma mecha solta do cabelo dela, como se corrigisse um detalhe fora de lugar em sua “esposa perfeita”. Marcela manteve a expressão neutra, disposta a seguir o roteiro que ele esperava.
— Não desapareça de novo. Preciso de você ao meu lado — murmurou, antes de guiá-la de volta para os convidados.
Enquanto eles passavam pelo salão, Marcela sentiu que a presença de Gabriel ainda estava ali, como se estivesse em algum lugar observando cada passo seu. Ela tentou fugir da sensação, mas não conseguiu evitar que sua mente vagasse até o homem desconhecido, um intruso que parecia enxergar por trás da fachada que ela mantinha.
DIAS DEPOIS
Marcela estava em casa sozinha, folheando algumas revistas na tentativa de encontrar qualquer coisa que a distraísse, quando o som do telefone interrompeu seus pensamentos. Atendeu sem pressa, achando que era uma das amigas de Ricardo ou talvez alguém da segurança.
— Alô? — disse, com o tom polido de sempre.
—Marcela. — A voz do outro lado era grossa e inconfundível. Ela gelou. Aquela voz a levou de volta para a noite da festa.
— Quem está falando?
O silêncio do outro lado da linha durou apenas um segundo, mas pareceu uma eternidade para ela. Quando ele finalmente respondeu, a voz soava baixa, quase num murmúrio.
— Conseguiu esquecer de mim tão fácil? — Ele riu de leve, e o som era familiar, provocador.
Ela apertou o telefone com mais força, o coração batendo rápido.
— Como conseguiu esse número? — sussurrou, olhando em volta como se pudesse ser flagrada.
— Tenho meus métodos. Digamos que conheço pessoas, assim como seu marido. — Ele riu de leve, e ela sentiu o tom de ironia na voz dele. — Preciso falar com você.
Marcela hesitou. Cada parte dela gritou para desligar e fingir que aquilo não tinha acontecido.
— Sobre o quê? Não tenho nada para falar com você. — Ele riu, e o som era desconcertante.
— Quero que você me encontre amanhã.
— Não vou a lugar algum, Gabriel. — A firmeza em sua voz não era totalmente verdadeira, e ela precisava se convencer de que estava no controle.
— Gosto disso. — Ela se sentiu confusa sobre o que o homem estava falando. Mas não se atreveu a perguntar, no entanto, ele prosseguiu. — Meu nome na tua voz. São poucas as pessoas pra quem dou essa int¡midade.
— Eu vou desligar. — Não conseguia mais ouvi-lo, a forma como ele falou a fez sentir coisas estranhas e que estavam adormecidas.
— Amanhã. Vou te mandar o endereço, e você decide se aparece ou não. Posso garantir que estará em segurança. — Se alguém estivesse em sua casa poderia ter ouvido a risada de escárnio que ela deu.
— Você acha que me falta inteligência ou quê? Por qual motivo eu acreditaria na palavra de um bandido? — Pela primeira vez ser chamado de bandido o fez se sentir ofendido. Essa palavra dita por ela pareceu a pior das ofensas, entretanto ele jamais deixaria isso transparecer.
— Pelo contrário, doutora. — Quando ele pronunciou seu título ela soube imediatamente que ele sabia sobre ela muito mais do que o número do telefone. Bem mais. — Cê é advogada, posso apostar que é esperta.
— O que você quer de mim? — Marcela começava a sentir medo de encerrar a ligação e descobrir que esse homem estava em sua porta.
O pressentimento dela não estava tão errado, Gabriel já sabia onde ela morava, e teria coragem de aparecer na hora em que ele sabia que o marido dela não estaria. Afinal foi por isso que ele ligou essa hora, era o momento em que ela estava sozinha e fora do trabalho.
— Vou querer que você faça uma coisa pra mim junto com a associação que tu trabalha. — Marcela franziu o cenho com seu instinto de autopreservação disparando.
— Acho que você está se confundindo. Eu não sou o tipo de pessoa que faz "favores" para... — ela hesitou, escolhendo bem as palavras — alguém como você. — Gabriel riu, em sua cabeça já se criava a ideia do bandido invadindo sua casa armado, para fazê-la passar o dinheiro da conta da associação CRESCER.
— Ah, aliás queria comentar que o nome foi muito esperto. CRESCER. Centro de Resiliência, Educação e Suporte para Crianças e Estudantes em Realidade de Risco. — Ele recita a sigla para o nome que ela própria havia criado. — Digamos que a associação para a qual você trabalha pode fazer uma coisa ou duas para facilitar o meu… trabalho. E você vai me ajudar a convencer as pessoas certas disso.
Gabriel sorria do outro lado da linha com a genialidade do seu plano que mataria dois coelhos com uma cajadada só. Com a ajuda de Marcela ele resolveria as reclamações sobre a pirralhada nas ruas e a teria por perto por um prazo indeterminado.
— Gabriel, eu não sei o que pensa que eu poderia fazer por você, mas se imagina que vou colocar minha carreira em risco… — Ela parou, tentando manter a calma. — Ou minha vida, está enganado. — Ele se divertia com o desconforto dela.
— Não vou pedir nada a margem da lei se é o que te preocupa. Na verdade você fará um gesto de bondade e de quebra vai lucrar em cima. — O homem não se dava conta que as palavras que escolhia não eram exatamente tranquilizantes. — Se preferir, pode trazer o delegado junto. Só não posso garantir a segurança dele. — ela podia imaginar a expressão debochada em seu rosto.
— Você é completamente løuco. — A indignação finalmente escapou.