capitulo 05

1543 Words
Gabriela narrando Morte ficou parado na minha frente como se minhas palavras não tivessem peso nenhum. Ele me olhava com aquela calma que assustava, como se estivesse tentando decidir se eu era útil… ou apenas mais uma mentira no meio de tantas. Eu sabia que ele não ia acreditar em mim. Dava pra ver no jeito que ele me olhava, como se cada palavra que eu soltasse fosse suspeita, como se eu mesma fosse um problema prestes a explodir no colo dele. Mas eu já tinha chegado longe demais pra desistir. — Você espera mesmo que eu acredite nisso? — ele perguntou, seco. A voz dele não tinha ódio, mas também não tinha fé. Tinha apenas uma dúvida gelada. Eu engoli em seco. — Eu estou dizendo a verdade — respondi com medo de que ele não acreditasse em mim. — Todo mundo diz isso. — Ele deu um passo, e eu senti meu corpo inteiro querer recuar. — Todo mundo quer alguma coisa de mim. Você também quer. Então por que eu deveria acreditar? Aquilo me deu um nó na garganta. Eu estava cansada. Mas eu respirei fundo. Se eu surtasse ali, eu morria. Simples assim. A respiração me doía. Eu precisava fazê-lo acreditar. Eu precisava dele como uma pessoa sedenta precisa de um gole de água. Então fiz a única coisa que eu ainda tinha: a verdade do meu corpo. — Manda eles saírem. — eu pedi, firme. — O quê? — Quero falar com você sozinho. Você não vai acreditar em mim com uma plateia olhando. Ele não gostou. Eu vi no rosto. Mas deu o comando. Os caras saíram. A porta bateu. Ficamos só nós dois. E aí… eu fiz o que eu nunca pensei que teria que fazer. Comecei a tirar a roupa. — Ô, garota! Tá maluca? — ele deu um passo pra frente. — Se você não acredita na minha boca, vai ter que acreditar na minha pele, respondi. Meu peito queimava de vergonha, mas eu mantive a cabeça erguida. Quando a blusa caiu, senti o ar frio bater em cada corte, cada marca que aquele desgraçado deixou em mim. O olhar do Morte mudou. Só um pouco… mas mudou. Ele me olhava como quem encara uma verdade que não queria ver. — Foi esse inferno que eu estou te contando, e você não quer acreditar. — murmurei. — Eu só preciso que você me esconda. Eu sei de muita coisa sobre o Walter, tenho nomes. Mas se o Walter me achar… ele vai terminar o que não conseguiu Meu corpo tremia. Não sei se era frio, medo ou ódio. Talvez tudo junto. Morte não respirou. Eu vi seus olhos mudarem, apertarem, como se alguém tivesse socado o peito dele sem aviso. Ele deu um passo pra frente. O olhar dele percorreu meu corpo, até chegar às minhas costelas, não com desejo. Mas com uma raiva silenciosa, perigosa, que eu reconheci. — Ele fez isso? — a voz saiu baixa, grave. — Foi ele — sussurrei. — E vai fazer de novo. A menos que você me ajude parar ele Morte fechou a mandíbula, o maxilar marcando forte. Aquela era a primeira rachadura na muralha dele. Eu precisava empurrar. — Eu não quero nada além de proteção, continuei. — Eu posso te dar provas. Pistas. Tudo que você precisa para derrubar o policial Amorim. Mas… eu preciso que você me ajude. Eu preciso que você me esconda dele. E depois me ajude a matá-lo. Morte me encarou por longos segundos, como se estivesse lendo até o que eu não disse. Por um momento, achei que tinha conquistado alguma coisa. Mas então… A porta se abriu sem aviso, com força, como se alguém tivesse chutado, e não simplesmente empurrado. — Tio Morte! — a voz de um menino ecoou antes mesmo de eu virar. — Eu tô te chamando faz um tempão já, você não tá ouvindo, não?! Ele entrou sem pedir licença, mas com um olhar tão afiado que parecia ter nascido no mesmo barro frio que o tio. Quando me viu sem a blusa, o menino parou por meio segundo. Mas não de vergonha. De cálculo. O olhar dele foi pra minha barriga, depois pro meu rosto… e depois pro Morte. — Quem é ela? — perguntou, a sobrancelha franzida. — E que porrä é isso na barriga dela? Meu sangue gelou. Morte virou lentamente para o garoto, o maxilar travando. O ar ficou denso, pesado, como antes de uma explosão. — Sai, Dominique. — a voz dele saiu firme, controlada. Qualquer criança normal teria corrido na hora. Dominique não. Ele cruzou os braços. — Não. Simples assim. Desafiando o Morte. Os dois rapazes que estavam do lado de fora perto da porta se entreolharam, tensos, como se já esperassem que um raio caísse ali dentro. — Dominique… — Morte repetiu, agora com a voz mais baixa, muito mais perigosa. — Sai. O menino deu um passo à frente. — Tu tá com uma mulher sem blusa, tio! — ele levantou a voz, e eu juro que ninguém ousou respirar. — E ainda quer que eu finja que não vi nada? Tu acha que eu sou burro? Morte virou de vez pra ele, os olhos cortando. — Eu não vou repetir. Sai. Da. Sala. — E eu não vou sair. A voz do garoto tremeu só um pouco, mas ele não recuou. Os vapores trocaram olhares de puro pânico. Eu… nem conseguia piscar. Morte inclinou o rosto, como se não acreditasse no que ouvia. — Dominique… — agora ele estava respirando fundo, como quem tenta não quebrar alguma coisa. — Não mete a boca onde não sabe. Vai. Pra. Casa. Agora. — Não vou! — o menino quase gritou. — Tu sempre manda eu sair quando tem coisa acontecendo. Eu já não sou um bebê. Eu quero saber quem ela é. E por que ela tá machucada desse jeito. Silêncio. Morte cerrou o punho. Por um instante, achei que ele ia agarrar o menino pelo braço. Mas Dominique não mexeu um centímetro. Foi o garoto que deu o golpe final: — Eu sou da família também. Você não manda só porque é o Morte. Os olhos de Morte escureceram. Um trovão silencioso. Ele respirou fundo… uma vez… duas… E então falou apenas: — Vai. Não foi um grito. Não foi uma ameaça. Foi uma ordem tão gelada, tão final, que fez até meu estômago virar. Dominique hesitou. Olhou pro tio. Depois pra mim. E murmurou, indignado: — Isso ainda não acabou. Virou e saiu batendo a porta. Morte ficou parado por alguns segundos, olhando a porta fechada como se o garoto tivesse acabado de puxar um gatilho dentro dele. Depois ele respirou fundo, e me encarou. — Meu sobrinho — disse, como se precisasse justificar pra alguém. — Ele acha que manda em mim. Eu não tive coragem de responder. E eu entendi, naquele segundo, que o único ser vivo capaz de enfrentar o Morte… tinha oito anos. E não tinha medo de morrer. Enquanto eu estava tremendo. Morte notou. — Não se preocupe. Ele não toca naquilo que é meu. — disse sem emoção nenhuma. Aquilo que é meu. A frase ficou presa no meu peito. Eu não sabia se era proteção… ou outra forma de ameaça. — Eu não vou contar nada a ninguém — prometi. — Não sou burra. Só quero ficar viva. É só isso. Ele me encarou longo demais, como se estivesse tentando encontrar uma mentira no meio das minhas frases. E então finalmente ele disse: — Vai ficar. Por enquanto. Eu senti o ar voltar pros meus pulmões. Comecei a vestir a minha blusa, e qualquer dignidade que ainda tivesse. Mas quando eu dei o primeiro passo para a porta… O clique metálico ecoou atrás de mim. Meu corpo congelou. Virei devagar. Morte estava ali, a arma apontada direto pra minha cabeça, a expressão fria como pedra. — Se você tiver mentindo pra mim… — a voz dele era baixa, mas tinha mais poder que um grito. — que as consequências vão ser muito piores do que qualquer coisa que Walter já tenha feito. E você vai descobrir porque foi que me deram esse vulgo. Eu não respirei. Não pisquei. Não podia. — Eu não estou mentindo — consegui dizer, mesmo com a garganta fechada. — Nunca mentiria sobre isso. Morte abaixou a arma devagar. Mas os olhos dele deixavam claro: ele não confiava em mim. Não ainda. — Vou te levar até um barraco onde você vai poder ficar e... Amanhã você me conta o que sabe. E aí… eu decido se você vive ou morre. — ele fala mantendo o seu olhar firme e eu só balancei a cabeça concordando. — Acho bom você ter como provar tudo isso aí que acabou de me dizer, porque senão já sabe. Engoli seco tentando manter uma postura que eu sei que não é minha, mas que eu preciso fingir nesse momento. Só espero que no dia que ele descobrir que eu não tô dizendo a verdade, ele já tenha me ajudado a matar o Walter. E foi assim que eu descobri: fugir do inferno não significa chegar ao céu. Às vezes… só significa cair direto nos braços do d***o.
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