Ser responsável não é fácil

2348 Words
Oito horas em ponto Jean bateu na porta de Malberina com seu cesto de roupas em mãos. Malberina abriu a porta e pediu que ele entrasse. — Vou apenas escrever um bilhete para minha irmã caso ela acorde, — disse com o tradutor e o deixou em cima da mesa. Jean tirou seu chinelo, colocou seu cesto de roupas no chão e se sentou na cadeira. Malberina foi até seu quarto, pegou um bloco de notas e uma caneta, voltou para a cozinha e se inclinou na mesa escrevendo no bilhete: “fui com o Jean numa lavanderia. Não sei se vou demorar, mas tem bolo de chocolate na geladeira e suco de uva. Escove os dentes antes de comer”. Enquanto ela escrevia, Jean, do outro lado da mesa, percebeu que estava de frente para os p****s dela, mas apesar de gostar de admirar uma mulher ele tem certeza que Malberina não fez de propósito, por isso começou a olhar para os arredores. “Que azulejos lindos... Iguais aos da minha casa, obviamente. Apesar de não ter um armário ela consegue manter tudo organizado e a casa tem cheiro de mãe... Ela é como a mãe da Mirian. Talvez não tenham pais”, pensou. — Otōsan to okāsan wa imasu ka? — (Você tem pai e mãe?) Jean voltou a olhá-la. Malberina, que antes estava indo pegar sua cesta de roupas no banheiro, parou no meio da sala, esperando Jean lembrar-se que ela não falava Japonês. Ela apontou com o indicador o tradutor na mesa e ele traduziu o que tinha dito. Malberina achou a pergunta estranha e repentina, mas apenas balançou a cabeça confirmando e foi para o banheiro. Jean ficou pensando em como ela se vira na vida, ela realmente não aparenta ser muito inteligente, assim como Mirian disse, mas nem a conhecia para realmente afirmar isso com certeza. Ela aparenta ser alguém muito competente e que sempre está fazendo algo... Olhando ao redor do apartamento Jean viu fotografias emolduradas em cima do rack. Ele se levantou para olhar mais de perto. Eram três fotos, uma delas tinha dois adultos, um homem sério e uma mulher sorrindo, parecida com Malberina. À frente deles tinha duas menininhas com roupas que pareciam de escoteiros. Na segunda foto tinha um homem, ele parecia ter uns 20 anos, mas estava com uma roupa de formatura. Na terceira foto tinha apenas um bebê dormindo. — Gostou das fotos? Essa é minha família. — Jean olhou para trás e viu Malberina com o tradutor nas mãos e seu cesto de roupas no chão. — Por que perguntou dos meus pais? — Estendeu a mão com o tradutor, Jean foi até ela e o pegou. — Você não parece ter família, desculpe minha intromissão. — Pegou o seu cesto no chão. — Vamos? — Malberina pegou seu tradutor, o colocou no bolso do short, pegou seu cesto e abriu a porta enquanto colocava uma sapatilha. Jean e Malberina foram de carro até a lavanderia, ela ficava a três quarteirões do prédio e sua entrada era toda de vidro. Dentro dela as paredes tinham um tom de azul e as máquinas de lavar ficavam encostadas a elas. À frente tinha uma mulher atrás de um balcão, Jean pediu que Malberina o esperasse, deu a ela o seu cesto de roupas e foi falar com a mulher. Malberina se sentou entre seu cesto e o dele num banco que tinha na frente das máquinas e sentiu um cheiro de perfume vindo das roupas dele, mas não era cheiro de perfume normal, era cheiro de perfume de sabão. Será que Jean teria inventado que viria para a lavanderia apenas para acompanhá-la? E por qual motivo faria isso? Talvez não fosse isso e Malberina estaria pensado demais, então preferiu esquecer. Jean voltou e já podiam usar as lavadoras. Enquanto as roupas eram lavadas os dois estavam em silêncio. Malberina olhava as roupas girando na lavadora e Jean olhava para os pés. Queria conversar com ela, mas não sabia o que falar. — Não é muito legal conversar pelo tradutor, mas já que perguntou se eu tinha família, você tem? — Malberina sentou no banco e deu o tradutor para ele. — Tenho minha mãe e um irmão mais novo. Eles moram em Tóquio e minha mãe está um pouco doente. — Jean deu um leve sorriso olhando para o chão. Em parte, tinha adiado a ida ao hospital porque sabia que brigaria com seu irmão. — Bem... Antes que você pergunte o porquê de eu não estar cuidando dela, é que nunca fui muito próximo dela e do meu irmão. Sempre brigo com meu irmão e fico muito estressado, então prefiro ficar longe dele e apenas receber noticias da minha mãe pelo celular. Assim nossa mãe não se estressa também. Sou um péssimo filho? — Se sentou e passou as mãos pelo cabelo. Malberina balançou a cabeça discordando e pegou o tradutor. — Eu não sou ninguém para afirmar se é ou não. Não conheço a sua história com eles. — Deu um riso. — E você? Como é a relação com sua família? — Cruzou as pernas. — É... — Olhou para o chão. — Amo meus pais e minhas irmãs. Ligo quase todo dia pra saber se estão bem. Sempre cuidei das minhas irmãs como se fossem filhas minhas. Gosto muito de cuidar das pessoas. — Deveria trabalhar em um jardim de infância. Acho que as crianças iriam te amar. — Eu queria trabalhar cuidando de todo mundo. Acho que tenho a necessidade de cuidar das pessoas, me acostumei a cuidar demais de tudo. — Suspirou e olhou para a lava e seca. Estava com saudade de cuidar das suas irmãs. — Mesmo com você gostando deve ser cansativo. Já cuidei da minha mãe por um tempo, mas meu irmão é melhor nisso... Tenho medo de perdê-la. Não sei como vou reagir quando ela for embora. — Deu um leve sorriso tentando não transparecer sua tristeza, mas estava claro o que sentia. Malberina tirou devagar o tradutor da mão dele. — Não sei o que ela tem, mas talvez possa melhorar. Perder alguém é muito difícil... Na verdade, pode ser a pior dor que irá sentir.  Irá sentir para sempre em seu coração um pedaço faltando e você não pode fazer nada, as pessoas são insubstituíveis. Perdas são difíceis, mas mesmo que seu coração fique faltando um pedaço você tem que continuar sua vida e ser muito feliz. — Malberina apoiou a mão no ombro de Jean e os dois se encararam como se estivessem perdidos em seus pensamentos tristes, mas compartilhando suas angustias com seus olhares. — Não viva pensando na morte dela e não se iluda achando que ela pode viver por mais mil anos, apenas lembre-se que uma hora ela vai partir e você precisará se conformar. Infelizmente ninguém vive para sempre e se vivesse o mundo já teria acabado por causa de superpopulação. — Ela dá um risinho. — Obrigado. — Colocou sua mão por cima da dela. Depois disso os dois ficaram em silêncio vendo a roupa girar dentro da lava e seca. Depois que voltaram da lavanderia Malberina o agradeceu por tê-la levado e pagado. Os dois pararam de andar quando chegaram à porta de seus apartamentos e se olharam. — Desde que cheguei aqui você foi muito atencioso, tem alguma coisa que eu possa fazer por você? Precisa de ajuda com algo? — Estendeu a mão para ele pegar o tradutor. — Não precisa se incomodar, ajudei de bom coração. — Sorriu para ela pensando no que poderia pedir. Jean estava apenas se fazendo de difícil, ele queria ter mais momentos com ela e perguntar tudo que desse na telha. — Bem... Você não me deve nada e se precisar de algo a mais pode me chamar que lhe ajudarei de bom coração. Agora preciso ver se tem algo para eu comer antes do almoço. — Jean deu o tradutor para ela. — Eu posso preparar um café para você, também comprei um bolo de chocolate. Almocei a comida que fez para a peste da Mirian, estava muito boa. O que acha de comer da minha comida também? Pode ficar para o almoço, por favor? — Malberina olhava bem no fundo dos olhos dele sorrindo, torcia para ele aceitar. Sentia-se uma m*l educada e s*******o por não poder ter feito nada quando Mirian o explorou. Jean balançou a cabeça aceitando e disse “ok”. Ele abriu a porta de seu apartamento e colocou o cesto com as roupas em um canto. Fechou a porta e foi para dentro da casa de Malberina com ela. Malberina colocou o cesto com roupas em seu quarto e pegou seu celular olhando as horas, 8 horas e 46 minutos. — Só um instante, — disse com o tradutor e abriu a porta de Mirian devagar averiguando se ela ainda estava dormindo. Mirian até roncando estava. Malberina fechou a porta e foi para a cozinha. — Você gosta de café forte ou fraco? — Perguntou dando o tradutor para ele e indo até o fogão colocando água para esquentar. — Fraco. — Se sentou na cadeira. — Por que veio para o Japão? — Jean colocou o tradutor do outro lado da mesa e Malberina sentou de frente para ele. — Mirian sempre foi lunática pelo Japão e sempre sonhou em vir, mas só agora nosso pai deixou. Lembro-me muito bem de como ela era tão lunática que queria ir para a escola com um uniforme igual o daquelas meninas de anime com uniforme de marinheiro e pedia pra eu fazer um delineado para que seus olhos parecessem orientais, mas o pior foi quando ela tinha sete anos. Foi um dia horrível pra mim. — Conte-me sobre ele. — Jean se ajeitou na cadeira e apoiou sua cabeça na mão. — Conto. Foi há nove anos. Nessa época eu só tinha duas irmãs ainda... Nove anos atrás: Malberina estava ninando nos seus braços sua irmã de um ano para colocá-la no berço. Seus pais tinham saído e deixado suas duas irmãs mais novas para ela cuidar. Na época, Beatriz ainda nem tinha sido gerada. Enquanto ninava Ana no quarto dos pais Mirian estava na sala assistindo Dragon Ball Z. Depois de cantar umas três vezes a cantiga da Cuca, Ana adormeceu e foi colocada no berço. Malberina desceu as escadas para a sala e se surpreendeu tanto com o que viu que teve que cobrir a boca para não gritar e acordar o bebê. — Mirian?! Eu não acredito. — Malberina andou devagar até o sofá. — Olha, m*l! Eu virei o Goku. — Malberina ignorou Mirian e olhou incrédula para o estado do chão da sala e do sofá, sujos de tinta amarela. — m*l, olha pra mim. Eu tô bonita? — Fez pose colocando a mão na cintura e sorrindo. — Mirian, meu bem. — Inspirou e expirou. — Você tem noção do que fez? Papai não vai ficar feliz. — Os olhos de Malberina encheram d’água. — Olha seu cabelo, meu amor. Tá todo amarelo e você estragou ele, isso não é tinta de cabelo, é de parede. Estragou o sofá e o tapete. Mirian começou a ficar triste e se encolher no canto do sofá. — Desculpa, tá? Eu queria mudar de cabelo igual o Goku. — Começou a chorar e seu rosto a ficar vermelho. — Não fala para o papai, ele vai fica muito bravo. Ele... Ele vai... — Tentava falar, mas estava soluçando. Acabou desistindo de falar e começou a enxugar suas lágrimas. — Não vou nem te perguntar onde achou essa tinta. — Malberina a olhou com piedade. Sabia que ela não fez por m*l, mas a bronca que levariam dos pais seria terrível... — Vem, vou te dar um banho. — Pegou ela no colo e subiu as escadas até o quarto dela. Os olhares das duas eram de tristeza e não ousaram mais dizer uma palavra se quer. Estavam com medo do que seus pais fariam quando chegassem. Depois do banho demorado de Mirian, em que Malberina tentou tirar a tinta sem estragar o cabelo da irmã, Malberina desembaraçou com cuidado os cachos da irmã e apesar de estar doendo os puxões Mirian aguentou por causa da culpa que estava sentindo. Depois Malberina deixou a irmã no quarto e não permitiu que ela saísse. Ela foi para o quarto do bebê do outro lado do corredor averiguar se ela estava bem, depois desceu para a sala. Passou horas esfregando o tapete marrom felpudo que era caro e frágil, boa parte dos pelos foram estragados. O sofá, mesmo limpando ainda continuou com resquícios da tinta. Ele, que antes era completamente marrom, ficou manchado de amarelo em boa parte. Malberina tentava de todo modo esconder aquilo, mas não conseguiu e acabou desistindo. Apenas jogou o tapete no lixo para sua mãe e seu pai não ficarem mais bravos ainda vendo o estrago que tinha feito. Depois de limpar os respingos de tinta que caíram no chão da casa por causa do cabelo de Mirian que estava encharcado de tinta, ela foi tomar banho e depois acordar Ana para dar mamadeira. Quando os pais chegaram ela contou o que houve, sua mãe apenas ficou triste, pois viu que a filha estava muito abatida, seu pai a olhou com severidade, mas não lhe disse nada e subiu para seu quarto para tomar banho. Malberina foi dormir se sentindo exausta e depois Mirian foi para o quarto dela e adormeceu ao lado da irmã. ... — Por que ficou tão triste? — Jean olhou para Malberina e ela olhou para baixo. — Ohayōgozaimasu, Jean. Nante ureshī odoroki! Anata wa ryōri shimasu ka? — (Bom dia, Jean. Que surpresa agradável! Você vai cozinhar?) Mirian saiu do quarto de pijama com os cabelos bagunçados. “Por que fiquei tão triste? Porque eu sei o que é aquele olhar”, Malberina pensou e sorriu para a irmã que a deu um beijo na bochecha.
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