A viagem

2949 Words
Malberina, esse não é um dos nomes que as pessoas acham bonitos, mas em compensação a mulher que o usa pode ser sim considerada bela pelas pessoas, ainda mais pelo seu jeito alegre e sorridente. Sorrisos encantam e podem dar ainda mais significado quando é de uma pessoa querida, sorrisos aquecem corações e podem mudar o seu dia. A moça que conhecerão se chama Malberina Pereira da Silva. Ela tem 28 anos e lindos cabelos cacheados, assim como o de toda a sua família. Vocês podem achá-la forçada e boba por primeira impressão, mas quem sabe mudem de opinião... — m*l, o Uber já chegou! — Mirian gritou da porta de sua casa esperando sua irmã mais velha. — Mirian, não era pra ter chamado ainda! — Malberina gritou de seu quarto no andar de cima rindo. — São onze horas da manhã, não acha que estamos indo cedo demais? O avião só vai partir daqui a duas horas e em meia hora nós chegamos ao aeroporto. — O moço não vai ficar esperando aqui a vida toda, desce logo e para de rir de mim. Isso não é legal. — Mirian sentia como se tivesse um nó na garganta, estava ansiosa demais para viajar para o Japão, cada hora que passava ela ficava mais próxima do seu sonho e sua respiração ficava mais pesada. Malberina desceu as escadas com sua mãe, seu pai e suas duas irmãs mais novas atrás. Ela se despediu de suas irmãs e seu pai os abraçando, beijou a mão de sua mãe que estava com os olhos cheios d’água e deu um abraço apertado nela aproveitando para sentir o cheiro de morango do cabelo do seu cabelo. Mirian também abraçou suas duas irmãzinhas e sua mãe, se despediu de seu pai acenando e saiu correndo para dentro do carro apenas esperando Malberina entrar e o motorista do carro colocar as duas malas delas dentro do porta-malas. Malberina não queria sair de sua casa, mas o voto de confiança que sua família a deu era a forma deles dizerem que confiam nela agora, e se deram a oportunidade de Mirian realizar seu sonho não seria ela a estragá-lo. ... Malberina e Mirian estavam sentadas no banco do aeroporto esperando dar o horário de entrar no avião, Mirian estava roendo as unhas enquanto Malberina escutava música com fones de ouvido no celular da irmã, pois o seu celular estava descarregado. Ela mexia a cabeça aproveitando a batida das músicas que nunca tinha escutado antes. — Suas músicas são interessantes. — Tirou um dos fones. Mirian a ignorou e começou a bater os pés no chão. Malberina sorriu e pisou de leve nos pés dela fazendo-a parar de mexê-los. — Não quer ouvir música comigo? Ainda faltam cinquenta minutos para a gente entrar no avião. — Só me deixa em paz, m*l. Eu juro que tô tentando não surtar, mas esse é meu sonho há muito tempo e agora que eu vou estudar no Japão, conviver com j*******s, falar em japonês e ter que me enturmar com eles... Isso tá me apavorando. Podem não gostar de mim. — Apoiou os cotovelos nas suas pernas e cobriu o rosto com as mãos expirando e inspirando devagar. Malberina trocou de música colocando “I Want To Know What Love Is” da cantora Mariah Carey. — Olha só, achei uma música que conheço, mas ela não é nova, você ainda era uma criança quando ela foi lançada. — Olhou para Mirian que continuava na mesma posição. Malberina chegou com a boca perto do ouvido dela prendendo a respiração para Mirian não senti-la. — Aga a teique liro taime, a liro taime finkis over, a biro uivi teime laines. — Mirian empurrou a irmã que mesmo assim continuou cantando, só que mais alto. — IN MY LIFE. Essa frase eu soube cantar. Canta comigo, Mirian! — Apontou o dedo para a Mirian. As pesoas ao redor começaram a olhá-las e o rosto de Mirian enrubesceu. — Nes bire hare and pain, AI DOU NOU, IFI AI QUI FACE SIRIGUEI. — Começou a usar a mão como microfone, Mirian se afastou dela vendo as pessoas ao redor segurando o riso. — Quen stop now sei lá o que sou ufooor. Eu canto muito bem, não acha? Malberina foi até onde a irmã estava e a abraçou. Continuava cantando de forma exagerada e ridícula. Mirian cobria o rosto com as mãos. Só sua irmã para fazê-la passar vexame assim. Mirian tentando não chamar mais atenção pedia com a voz baixa para a irmã a soltar. Malberina era tão desafinada e não sabia cantar nada em inglês que Mirian acabou rindo e Malberina a soltou. — Você é muito retardada. — Tentava segurar o riso. — Eu vou para o banheiro fingir que não te conheço. — Mirian foi para longe da irmã agora sorrindo e mais calma. Malberina deu um leve riso enquanto via a irmã se distanciar dela e se sentou no banco, dessa vez, ouvindo a música em silêncio. Depois de bastante tempo de espera as duas entraram no avião e foram trinta e uma horas de voo com Mirian sentindo o peito arder de ansiedade. Quando elas chegaram ao aeroporto de Osaka, ás oito horas da manhã (vinte horas no Brasil), Mirian pediu um táxi e Malberina apenas foi guiada por ela, pois não sabia falar japonês e mesmo o motorista sabendo falar inglês ela não podia se comunicar com ele, já que nunca teve um curso de inglês e não se interessava em aprender, então só sabia algumas palavras, como a maioria das pessoas que não sabem inglês. Malberina antes de viajar já tinha alugado online um apartamento em Osaka. Ele era de um bairro chamado Noru, ficava em um prédio com o térreo como garagem e recepção, e quatro andares onde ficavam os apartamentos, dois por andar. Malberina e Mirian deram sorte de uma pessoa ter se mudado de lá, pois antes todos os apartamentos estavam alugados. Elas ficaram com o apartamento do primeiro andar, de frente para o apartamento do dono do prédio... Assim que saíram do táxi se depararam com o prédio. Tinha um portão de grades bem grande. A frente do prédio tinha um chão gramado muito bem cuidado. O prédio tinha a cor rosa, no lado direito dele o portão da garagem. No lado esquerdo do prédio uma pequena horta com legumes e verduras. Mirian tocou o interfone do lado do portão e elas ouviram a voz de um homem de uns quarenta anos que disse: — Ohayōgozaimasu. Anata wa namae o oshiete dekimasu ka? — (Bom dia. Você pode me dizer seu nome?) — O que ele disse, Mi? — Malberina cutucou o braço da irmã. — Só um minuto m*l, preciso lembrar o que falar. — Mirian inspirou e expirou. Por fim sorriu tentando admitir a si mesma que estava calma. — Ohayōgozaimasu. Watashi wa Mirian desu. Watashi no ane to watashi wa apāto ichi no atarashī jūnindesu — (bom dia. Eu sou a Mirian. Minha irmã mais velha e eu somos as novas moradoras do apartamento um). Mirian esperou que o homem dissesse algo. Ficou pensando se teria dito tudo certo. Quase tomou um susto quando estava distraída pensando e o portão foi automaticamente aberto. — O que vocês falaram? Pareceu divertido falar em japonês. Vai me ensinar? — Malberina empurrava sua mala para dentro do prédio. Estava nitidamente animada, não sabia como lidaria com um país diferente e isso até parecia um pouco excitante. — Você vai ficar muito ocupada com a escola, não é? Acho melhor eu contratar um professor particular pra mim. O que você acha? — Parou de andar quando chegou à frente da recepção. — m*l, eu estou cansada... Cala a boca. Vou falar com esse senhor. Meu celular ainda tem um pouco de carga, liga pra mãe. — Mirian deu o celular para ela e foi para perto do homem que estava sentado atrás de um balcão. Atrás dele tinha dois monitores com imagens das câmeras de segurança. — Hoje em dia virou moda desrespeitar as irmãs mais velhas? Mais tarde ela vai aprender a me respeitar, — disse de costas para Mirian, como um recado ameaçador para ela. Mirian mordeu o lábio inferior sabendo que estava ferrada. Malberina deixou sua mala encostada na parede e saiu do prédio indo até a horta. Ela ligou para sua mãe por chamada de vídeo. — Bom dia, minha velha! Ah, eu tinha esquecido, ai é noite. Boa noite. — Acenou e mandou um beijo. — Bom dia para você e boa noite para mim, amor do meu coração. — Dona Solange mostrou o sorriso mais sincero para a filha. Ver o rosto dela depois de tantas horas sem se comunicarem era um alivio. Só que, dona Solange não era velha, pelo menos não se achava e ninguém tinha o direito de chamá-la de velha. — Chama sua mãe de velha mais uma vez que meu chinelo vai rodar o planeta e bater no seu rosto. Velha é a vaga... — Solange silabou as palavras com raiva, mas parou de falar quando percebeu que iria exceder os limites. Malberina riu escandalosamente da mãe. A agonia por não saber como sua mãe estava tinha passado e seus sentimentos foram descarregados na sua risada fazendo seu corpo relaxar um pouco. Acabou até lacrimejando. Dona Solange estava bem e ela sabia bem disso, pois Solange estava com os cabelos cacheados bem definidos e brilhosos, e seu rosto maquiado, provavelmente sairia com Paulo, seu pai, enquanto suas duas irmãs, Beatriz e Ana, iriam para a casa da tia Heloísa. — O celular vai descarregar... Você tá linda, mãe. — Parou de rir e se concentrou em apenas admirar a mãe, sua pele clara já envelhecendo, seus cílios longos, sua boca fina pintada de vermelho, seus lindos olhos castanhos; Malberina faria de tudo pela dona daqueles olhos, qualquer coisa que ela pedisse. — Sumimasen, anata wa Mirian no ane desu ka? — (Com licença, você é irmã mais velha da Mirian?) Um jovem atrás de Malberina tocou em seu ombro e ela se virou. — Anata wa koko no atarashī jūnindesu ne? — (Você é a nova moradora daqui, não é?) Malberina demorou um pouco para processar o que estava acontecendo. O olhou de cima a baixo vendo que o garoto estava todo desleixado usando uma máscara cirúrgica branca, roupa de moletom suja de molho e um capuz que cobria o cabelo bagunçado, não soube decifrar o que um garoto como esse iria querer com ela. Talvez fosse apenas cumprimentar, mas ela não sabia nem o básico de japonês para cumprimentá-lo de volta. Deveria ter aprendido o básico antes de ir para um país totalmente diferente do seu... Quando seu cérebro começou a processar realmente as informações seu rosto começou a esquentar sentindo vergonha por não ter entendido nenhuma palavra do que ele lhe disse. — Mãe, depois a gente conversa. — Deu um sorriso sem graça e acenou. — Vou caçar a Mirian pra me socorrer. — Ela desligou a chamada, colocou o celular no bolso da calça e pensou em como se comunicar com o garoto. — No speak... É... Japan. Mirian speak. Eu... Merda. — Malberina m*l sabia inglês, não tinha como se comunicar nem o mínimo do mínimo com o rapaz. Sentiu vontade de sair correndo, queria andar de um lado para o outro, queria se mexer; qualquer coisa que fizesse pensar em algo para sair dessa situação, mas se segurou e apenas ficou sorrindo olhando para o garoto até que se lembrou de Mirian. — Mirian! — Gritou bem alto com as mãos em volta da boca fazendo o garoto cobrir os ouvidos. Ela deu um sorriso sem graça torcendo para não ter o aborrecido. Mirian foi correndo até a irmã. — Yoshida-san, sumimasen. Kanojo wa jibun no gengo shika shiranai. Soreni, Malberina ga sukoshi roba — (Senhor Yoshida, me perdoe. Ela só sabe o idioma dela. Além disso, Malberina é um pouco burra). Ela curvou seu corpo levemente de frente para ele e ele fez o mesmo só que apenas com a cabeça. — O que ele quer comigo? Já se sentiu como um burro no meio das zebras? Se parecem, mas eles não se entendem. — m*l, ele é o senhor Jean Yoshida, o dono do prédio. Ele me perguntou onde você estava para conversar sobre... Sei lá o que. O porteiro, senhor Sato, já me deu a chave. Agora pode fazer o favor de cumprimentar ele direito? — Então você traduz. Prazer em te conhecer, Jean. Desculpe gritar do seu lado. — Malberina se curvou imitando a irmã. — Não é Jean, é senhor Yoshida. — Mirian revirou os olhos. — Mas não é ele que deveria me chamar de senhora? Eu tenho 28 anos e ele tem cara de quem tem 17 anos, ele deve ser filho do dono. Não chamo de senhor um moleque que tem praticamente a sua idade. — Malberina cruzou os braços e virou o rosto mantendo um sorriso singelo. Sabia muito bem que Mirian não estava gostando da sua atitude, mas as irmãs mais velhas também podem irritar as mais novas, não é? — Nani ga arimashita ka? — (O que houve?) Ele perguntou olhando para Malberina, confuso e Mirian diz que ela o cumprimentou o chamando pelo primeiro nome. — Mondainai. Watashitachi wa tomodachi yoi ga nareru, Malberina — (não tem problema. Podemos ser bons amigos, Malberina). Ele sorriu pra ela e estendeu a mão. Mirian traduziu para ela o que ele tinha dito e Malberina apertou a mão dele. — Ele falou certinho meu nome. Foi fofo. — Entrelaçou seus dedos atrás das costas. Querendo impedir que sua irmã mais velha a fizesse passar algum tipo de vexame, Mirian agradeceu o senhor Yoshida dizendo que tinham que guardar as malas, se curvou e entrou no prédio empurrando Malberina. As duas entraram no apartamento e Malberina percebeu que teria que gastar um bom dinheiro para conseguir viver bem lá, seu pai a mataria por gastar muito dinheiro, sendo que ele já lhe daria para comprar um carro... A casa tinha alguns móveis essenciais que já tinham informado no anúncio. A cozinha, que se encontrava atrás da sala e tinha um conceito aberto, já estava mobiliada com um fogão, uma geladeira e uma mesa de jantar com quatro cadeiras. A sala tinha apenas um rack, ao lado direito da cozinha tinha o banheiro com a porta de frente para a sala. Ao lado da sala tinha um quarto e ao lado desse quarto outro com a porta de frente para o banheiro. Quando Malberina ia pisar no degrau da sala Mirian a puxou para trás. — Não, mocinha. — Mirian empurra Malberina mais para trás fazendo-a tropeçar em sua própria mala e cair. Malberina dá um sorriso para ela depois de um suspiro que Mirian sabia que era da paciência da irmã se esvaindo. Deu um riso de nervoso e levantou a irmã. — Você está vendo que esse quadrado na entrada é estranho? — Sim. — Deu um risinho fechando os olhos. — Você também vai ver como é estranho uma irmã amorosa ficar possuída pelo demônio da irritabilidade. Está me entendendo? — Com toda a certeza. — Deu outro riso de nervoso. — Mas esse degrau pequeno aqui é meio que uma área para por os sapatos. É chamada de genkan. A gente deixa o sapato aqui e só depois entra. É muito higiênico, não acha? É para sujeira da rua não ficar na casa. Vamos fazer assim, em casa usamos chinelos e nunca vamos sair de casa com eles, com os sapatos que a gente sai nunca vamos entrar com eles em casa. Só vamos deixar nessa parte. Tudo bem? — Sim. j*******s são muito inteligentes, não acha? — Malberina tirou suas sapatilhas as deixando em cima do tapete bege no genkan. Mirian tirou seu tênis, entrou no quarto que fica de frente para a sala e se jogou de bruços na cama. — Ai meu deus, eu tô no Japão! — Suspirou e se virou. Apesar de muita felicidade estava também muito cansada. Esticou os braços bocejando e Malberina apareceu na porta. — Dorme. Depois a gente pensa em se acostumar com o fuso horário. Vou tomar banho e dormir também. — A gente vai dormir com a cama sem lençol, sem travesseiro e sem cobertor? — Olhou para Malberina com uma expressão de súplica. — Sim. Eu não vou comprar nada agora. Tô esgotada. — Bocejou dando um leve sorriso em seguida. Malberina foi para o banheiro sentindo seu corpo suplicar por uma água quente... Assim que saiu do banho ela trancou a porta do seu quarto e se jogou na cama de toalha adormecendo em seguida. ... Eram 13 horas quando ela acordou. Dormir sem um travesseiro, um lençol ou cobertor não foi muito bom, mas pelo menos tinha descansado. Malberina se sentou na cama e escutou duas vozes vindas da sala, a de Mirian e a do garoto que conheceu mais cedo. O r**m é que falavam em japonês, então não sabia o assunto. Ela abriu sua mala no canto do quarto, pegou uma blusa, um sutiã e uma calça. Deixou sua toalha cair no chão e começou a se vestir. Sentiu cheiro de peixe frito vindo de trás da porta. “Mirian não sabe cozinhar”, foi o que pensou enquanto vestia sua blusa. Achou muito estranho isso e iria averiguar assim que terminasse de se vestir, mas de repente escutou Mirian gritar. No susto enrolou sua toalha na cintura, destrancou a porta e a abriu. — Mirian?!
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