Ainda estava naquele maldito quarto.
Continuava sentada na mesma poltrona grande, de couro caro, com os braços presos por cintas discretas e eficientes, do tipo que não deixavam marcas visíveis, mas controlavam cada movimento. O ambiente era limpo, estéril. Um luxo que me dava náusea. Havia um silêncio artificial ali. Nenhuma janela. Nenhum som do mundo lá fora. Apenas o zumbido discreto de um ar-condicionado central, escondido no teto falso, e o cheiro constante de desinfetante misturado com madeira envernizada.
Parecia um quarto de hotel. Ou de um consultório de psicanalista de alto padrão. Móveis modernos, linhas retas, cores neutras, tudo escolhido para acalmar os sentidos. Para induzir submissão. Mas nada ali me acalmava. Pelo contrário — me dava vontade de destruir cada centímetro daquele lugar.
Eu não tinha ideia das horas. Desde que cheguei, as luzes não mudaram, e ninguém falou comigo. Tinham me deixado com uma enfermeira muda que monitorava minha barriga e um capanga que parecia saído de um catálogo de homens invisíveis: terno preto, olhar sem vida, alma já morta há anos. Nada de informações, nada de explicações.
Mas eu sabia.
Sabia que Don Miguel estava por trás daquilo.
E se ele estava por trás, então Massimo também estava. O irmão que me viu crescer. O irmão que agora não sabia mais onde me encaixar no quebra-cabeça de poder que comandava. Era mais fácil para ele me considerar um erro, um engano, do que aceitar o que eu havia feito.
A porta se abriu com um leve chiado.
Outro capanga entrou. Mais alto. Postura ereta, mais segura. Não era um dos pequenos peões. Era diferente. Tinha presença. Não o tipo que se dobra ao primeiro berro de Miguel.
O rosto estava coberto por uma balaclava preta, revelando apenas os olhos e a boca. Ele carregava um prato fundo, com vapor subindo em espirais preguiçosas. Sopa. Quente. Aromática. Aquela desgraça parecia deliciosa. Meu estômago roncou, traidor.
Ele se aproximou com calma. Ajoelhou-se diante de mim. O gesto era quase... reverente.
Eu ergui uma sobrancelha e sorri, um riso enviesado, quase debochado.
— Finalmente alguém que entende com quem está lidando.
Nada.
Nem um som. Apenas silêncio.
Ele respirou fundo, pegou uma colher, a encheu com o caldo e a estendeu na minha direção. Um gesto delicado, como se eu fosse uma criança teimosa. Como se fosse possível me tratar como algo frágil.
Revirei os olhos e afastei o rosto.
— Não estou com fome.
Mentira.
Claro que estava. Faminta. Minha última refeição tinha sido o café da manhã na casa de Adam. Tinha sido tão... humano. Normal. Uma bolha de normalidade que durou pouco — como sempre.
Meu peito apertou. Adam.
Olhei o homem ajoelhado diante de mim. Os olhos castanhos, com reflexos dourados. Eram... familiares. Lembravam os olhos de Dante. Calorosos, mas frios quando queriam ser. Profundos.
Meu coração acelerou.
— Onde está Adam? — perguntei, a voz cortando o ar.
Nenhuma resposta.
— Onde. Está. Adam?
A colher continuava estendida. Inalterada. Os olhos me observavam sem julgamento. Sem pena. Apenas observavam.
Inclinei a cabeça para o lado, forçando um sorriso provocativo.
— Quem é você? Hein? — insisti. — Vai me dizer ou vai continuar brincando de cuidador de asilo?
Nada. Nenhuma mudança de expressão.
A tensão cresceu. O silêncio se estendeu. Ele então respirou fundo e abaixou a colher. Por um momento, achei que fosse embora.
Mas ele não foi.
Em vez disso, levantou-se com firmeza. A sombra dele me cobriu, lançando o quarto em uma penumbra ameaçadora. Sua mão prendeu minha cabeça com firmeza, mas sem brutalidade. A outra trouxe a colher novamente à minha boca.
Me esquivei.
Tentei virar o rosto, mas ele acompanhava o movimento com precisão cirúrgica. Não havia raiva em seus gestos. Apenas propósito. Ele sabia o que estava fazendo. Sabia como agir sem me machucar — e isso era ainda mais irritante.
Ele pressionou a colher contra os meus lábios. Tentei manter a boca fechada. Ele apertou um pouco mais. Os músculos da minha mandíbula doíam. E então cedi.
Ele despejou o conteúdo da colher em minha boca. Um líquido quente, denso. Frango, alho, um toque de limão.
Cuspi.
Sem pensar, cuspi tudo na direção dele.
O líquido atingiu sua máscara, escorreu pela blusa preta. Ele recuou. Um instante de surpresa.
A gargalhada saiu de mim antes que eu pudesse impedir. Um riso seco, afiado, cheio de ironia.
— Vocês estão longe de me vencer, sabiam? — falei, com a voz ainda ecoando pela sala.
Ele permaneceu em silêncio. Seus olhos, finalmente, revelaram algo. Irritação? Talvez. Ou só decepção.
Ele deixou o prato sobre uma mesinha lateral, virou-se e saiu sem uma palavra.
A porta se fechou atrás dele com um estalo abafado.
E o silêncio voltou.
Eu fechei os olhos por alguns instantes.
Não era apenas fome. Era cansaço. Mas não físico. Era mental. Eu estava cansada de jogar xadrez com fantasmas. Cansada de adivinhar quem movia as peças do outro lado do tabuleiro. Cansada de estar à frente de homens que achavam que poderiam me destruir como se eu fosse só mais um obstáculo.
Miguel achava que poderia me dobrar. Que poderia me calar. Que me mantendo aqui, em silêncio, com fome, com conforto forçado, me faria ceder.
Mas o que ele não sabia — ou talvez tivesse esquecido — é que eu nasci no inferno.
E sobrevivi.
Fechei as mãos ao máximo que as cintas permitiam. Controle. Eu precisava de controle.
Relembrei as últimas imagens de Adam, na porta do apartamento, nossa despedida, dizendo adeus. O sorriso dele. O jeito como ele me olhava como se eu fosse mais do que o que fui ensinada a ser. E agora, ninguém sabia onde ele estava.
Massimo talvez não estivesse envolvido. Talvez ele não soubesse onde eu estava — o que significava que Miguel tinha tomado isso para si. Era algo pessoal. Porque eu havia ousado. Porque eu ataquei em Roma. Porque destruí mais do que um negócio: expus sua fraqueza.
E ele precisava me quebrar.
Eu precisava aguentar.
Porque algo me dizia que isso era só o começo.
Alguém bateu na porta. Três toques secos.
Eu abri os olhos.
A maçaneta girou.
Parecia o mesmo capanga de antes, agora com o rosto limpo — sem a balaclava.
E quando vi seu rosto completo, algo dentro de mim estremeceu.
Não era Dante, mas também não pareciam os mesmos olhos...
Ele me encarou, desta vez com a expressão indecifrável de alguém que sabe demais. E falou, pela primeira vez:
— Ele está vivo.
Meu coração parou por um segundo.
— Quem? — perguntei, mesmo sabendo a resposta.
— Adam.
Eu segurei o fôlego.
— Onde ele está?
Ele se aproximou lentamente. Seus passos eram silenciosos como os de um predador.
— Seguro. Por enquanto.
— Por enquanto?
— Depende de você.
E então ele colocou uma pasta preta sobre a mesinha ao lado da sopa já fria.
— O que é isso? — perguntei.
Ele não respondeu. Apenas virou-se e saiu.
Sozinha novamente, encarei a pasta.
Abri.
Dentro, uma foto de Adam. Amarrado. Vivo. Mas com um machucado no rosto.
E um bilhete manuscrito com caligrafia firme e elegante:
"Está pronta para negociar, Signorina Piromalli?"
Fechei a pasta. Encostei a cabeça na poltrona.
E sorri.
Lentamente. Frio. Letal.
Eles não sabiam o que haviam acabado de começar.