CAPITULO 7

1073 Words
A sala de Adam parecia menor do que eu me lembrava. Talvez fosse a presença da Samantha que a diminuía. Ou a ausência do Toby, que costumava vir se esfregar nas minhas pernas sempre que eu me sentava nesse sofá. Agora o sofá era outro, mais moderno, cinza, meio sem alma. Igual ao olhar dela toda vez que passava perto de mim fingindo educação. Fingi não ouvir quando ela perguntou da cozinha: — Por que você convidou ela pra jantar com a gente? O ela na frase dela, tão carregado de desdém, era eu. E eu continuei sentada, acariciando minha barriga como se isso me blindasse. Eles dois se moviam por aquela cozinha como num teatro de marionetes desajeitadas. O som da água fervendo, o pacote de macarrão se abrindo. Adam não quebrou a massa ao colocá-la na panela, e isso fez com que eu sorrisse discretamente. Ele lembrava. Sempre que fazíamos massa, eu insistia em explicar que espaguete não foi feito pra ser partido. Foi um dos nossos pequenos pactos — e, aparentemente, um dos poucos que ele ainda respeitava. — Adam, estou falando com você — insistiu Samantha. — Vai responder ou vai fingir que eu sou uma planta? — Eu... eu não consegui dizer não — ele murmurou, meio encolhido ao mexer no molho. — Catarina tá grávida. Dizem que não se pode dizer não pra uma grávida... Engoli em seco. A velha desculpa que disfarçava a verdade. Ele não queria me ver, mas também não queria não me ver. Adam sempre foi assim, coração mole, especialmente quando o certo e o errado brigavam dentro dele. Ouvi o estalo seco de um tapa no ombro. Ela não se continha. — Isso só serve pra comida — retrucou ela — não pra ex-namoradas grávidas jantarem no seu apartamento. "Ex-namorada grávida." Um rótulo que servia bem para esconder tudo que éramos. Ou talvez tudo que ela fingia não saber. — Sinto muito, Sam. O que eu podia fazer? — disse ele, soando tão cansado quanto parecia. — Que tal usar a palavra "não"? — retrucou ela. Me levantei, não porque ia até a cozinha — não queria aumentar o desconforto. Eles já estavam se cozinhando tão "bem" por conta própria. Andei pela sala observando os detalhes como quem visita um túmulo antigo. A estante estava diferente, lotada de livros sobre educação infantil, como sempre, mas agora havia volumes de autoajuda coloridos, de lombadas gritantes, títulos como "Ame-se Primeiro", "Cure Seu Passado Para Viver o Presente". Ri baixo. Isso não era Adam. Apostaria tudo que Samantha já estava deixando as garras nela. Pouco a pouco. Caminhei até a lareira. A mesma lareira onde Adam insistia em manter fotos reveladas, mesmo na era dos álbuns digitais e redes sociais. Ele dizia que lembranças de verdade mereciam tocar o papel. Ali estava ele, mais jovem, de beca, entre os pais. Sorria como quem carregava um mundo inteiro de possibilidades. Depois, uma foto com seus alunos do primário. A turma do 2º B. Eu lembrava de como ele falava deles com orgulho. E o Toby... o cachorro mais leal que conheci. A imagem estava dobrada, cuidadosamente. Eu sabia por que. Na parte dobrada, estava meu rosto. A parte sorridente, feliz, que ele decidiu esconder, mas não queimar. Eu entendia o motivo, era uma bela foto. Havia uma outra foto, que costumava ser só nossa. Nós dois, em um parque, encostados um no outro como quem sabia que ali era o lar. Agora, essa havia sumido. No lugar, uma imagem do Adam sentado à mesa da sala de aula, aquele sorriso tímido, sem jeito. O mesmo que ele usava quando queria evitar um conflito. Pelo menos não havia nenhuma foto da Samantha. Ainda. — Foi a Samantha que tirou essa — disse uma voz às minhas costas. Me virei devagar, e lá estava ele. Adam. Um pano de prato jogado sobre os ombros, o olhar preso ao meu rosto. — Não combina com você — comentei, apontando para a imagem solitária. — Muito... forçado. Ele deu de ombros, riu sem graça. — Ela disse que gostou do ângulo. Sorri, tentando fingir que não estava tentando provocá-lo. — E o Toby? — apontei para a foto. — Onde ele está? Adam deu um passo, coçou a nuca. — Depois que você foi pra Itália, ele ficou diferente. Triste. Ficava perto da porta, esperando. Aí ele começou a adoecer... — Não diz que ele morreu. — interrompi. O aperto no peito foi real, como se minha barriga e o coração estivessem costurados juntos. — Não. — Ele sorriu, aliviado. — Ele está bem. Está com meus pais. Lá tem mais espaço, ele fica correndo o dia inteiro. Sabe como é. Corre com as galinhas da minha mãe. É meio ridículo de ver. — Aposto que ele está mais feliz com seus pais. Adam suspirou. — Ele era mais feliz com a gente. Silêncio. O tipo de silêncio que não se sente quando falta assunto, mas quando sobra tudo que não se pode dizer. — ADAM! — a voz de Samantha da cozinha nos alcançou. — Você perguntou se ela quer beber alguma coisa? Ele olhou para mim, um pouco perdido. — Eu... vim perguntar se você quer beber algo — disse, com hesitação. — Tenho vinho, cerveja... água? Passei a mão pela barriga devagar, consciente do gesto e do que ele dizia sem palavras. — Água está bom. — Água tá ótimo. Ele assentiu, olhando para meu ventre como se só agora processasse a realidade da minha gravidez. Era confuso. Eu sabia. Para ele, para mim. Para Samantha, mais ainda. — Claro, água. Já volto. Saiu atrapalhado, trombando com a quina da parede. Ainda era o mesmo homem gentil. O mesmo homem desastrado que eu amei. Talvez ainda ame. Não pense nisso. Não agora. Hormônios, eram os hormônios falando. Antes de sumir na cozinha, parou e disse: — Daqui a pouco a comida fica pronta. — Sem pressa — respondi. Mantive o sorriso nos lábios até ouvir Samantha do outro lado da parede: — E então? — Água — respondeu ele. — Óbvio — retrucou ela, com desdém. Revirei os olhos e me sentei novamente. Peguei meu celular do bolso. Abri a tela. Ainda nenhuma mensagem. Nenhuma confirmação. Meus dedos tremiam ligeiramente. Torcia para que Lorenzo tivesse conseguido seguir o plano. Se tudo corresse bem, dentro de meia hora, eu saberia. Ou não saberia mais de nada.
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