DANTE
A porta se fechou atrás de mim com um estalo seco.
O som ecoou dentro do meu crânio, cortante, c***l. Como se marcasse o ponto final de tudo que eu ainda esperava manter intacto entre nós.
Ela perguntou "por quê".
E eu... não tive resposta.
Andei pelo corredor em silêncio, os punhos cerrados, a respiração contida — como se cada passo fosse me salvar de mim mesmo.
Mas não salvou.
Assim que virei o corredor, vi Luca recostado na parede, mexendo no celular como se estivesse numa pausa para o café, como se não tivesse acabado de xingar minha mulher grávida.
O sangue me subiu à cabeça como um incêndio desgovernado.
Antes que ele pudesse levantar o olhar, minha mão já estava em sua gola. O som de seu corpo batendo contra a parede ecoou pelo corredor como um trovão surdo. Seu celular caiu no chão, deslizando até bater no rodapé.
— NUNCA. MAIS. — rosnei entre os dentes, segurando-o com força. — Você entendeu? Nunca mais fale com Catarina daquela forma.
Ele arregalou os olhos, confuso, ainda sem entender de onde vinha aquela fúria.
— Don Mancuso… o que…? Eu… só estava seguindo o plano. Como o senhor mandou. Fingir que era eu no lugar da balaclava da primeira vez, que eu era quem estava lidando com ela, pra manter a estrutura. Foi o que me pediu.
— Eu pedi para você substituir a presença, não a essência. — Minha voz saiu baixa, dura. Cada palavra um estilete. — Em que momento eu te autorizei a falar com ela como se ela fosse um lixo?
Ele tentou se explicar, mas minha mão ainda o mantinha preso contra a parede.
— Catarina pode estar presa — continuei — pode estar enfraquecida, desidratada, isolada… mas você escuta bem o que eu vou dizer, Luca: ela continua sendo a única mulher que pode nos destruir. E se você — ou qualquer um desses idiotas que trabalham pra mim — voltar a tratar ela como algo descartável, eu mesmo arranco tua língua e te dou pra mastigar.
Soltei-o com um empurrão seco. Ele caiu de lado, tossindo, os olhos arregalados. Quase vomitou de medo. Não me importei.
— Levanta. — murmurei. — E some da minha frente.
Ele obedeceu. Saiu tropeçando pelo corredor sem sequer olhar pra trás.
Eu me recostei na parede, tentando controlar o coração, que parecia prestes a rasgar o peito. A frustração era um animal dentro de mim. Incontrolável. Selvagem.
Não era apenas Luca.
Era o som do soro pingando no corpo da mulher que eu amava.
Era o olhar vazio que ela me deu antes de perguntar “por quê”.
Era o silêncio entre nós.
Voltei ao quarto de monitoramento. Estava escuro, como sempre. Apenas o brilho frio das telas iluminava o ambiente. A imagem de Catarina preenchia o visor central. Ela estava imóvel. Os olhos fechados, os braços soltos. O soro fluía lento pela veia de seu pé. A cada gota, um lembrete de que ela não havia cedido por escolha. Mas por imposição.
Eu me joguei na cadeira diante do monitor. Encostei a cabeça nas mãos. E, por um momento, deixei o mundo todo se calar.
Ela me odiava.
Pela forma como fui embora. Pelo modo como permiti que ela acreditasse que eu estava morto. Por ter me tornado exatamente aquilo que jurei nunca ser: o inimigo.
Catarina sempre foi minha igual. Nunca foi mulher de se dobrar, muito menos de implorar. Ela me enfrentou no dia em que nos conhecemos e nunca mais parou.
Mas agora…
Ela estava quebrando. E eu não sabia se queria impedir ou continuar assistindo.
A verdade — nua, crua, c***l — era que parte de mim desejava vingança. Por tudo. Pela maneira como ela desapareceu da minha vida. Pelo que ela me tirou. Pelo fato dela ter me escondido a gravidez para cuidar do meu filho. Com outro homem.
Com Adam.
O nome dele queimava na minha língua como gasolina.
Não porque era forte. Não porque era ameaça.
Mas porque foi ele quem a protegeu quando eu deveria estar lá.
Ela passou a noite na casa dele. Dormiu na cama dele. Estava grávida.
A tela mudou de câmera, revelando outro quarto. Adam. Respirando com dificuldade. As mãos inchadas. Os olhos semicerrados. Um curativo improvisado no supercílio esquerdo. Ele estava sentado, amarrado à cadeira de metal.
Um de meus homens se aproximou.
— Alguma nova ordem? — perguntou, hesitante.
— Não encoste mais nele hoje. — respondi, sem tirar os olhos da tela.
— Don Mancuso, ele…
— Eu disse não encoste. Ele ainda precisa estar vivo o suficiente para responder quando eu fizer as perguntas.
O homem assentiu e se afastou.
A verdade é que eu não queria respostas. Queria uma confissão.
Queria que ele dissesse “Sim, Catarina me ama. Sim, vamos criar seu filho juntos.”
Assim eu teria motivo. Justificativa. Legitimidade para matar.
Mas enquanto ele não dizia… havia esperança. Um fiapo. Uma chance.
***
O som do elevador descendo era abafado, quase imperceptível, como se até o próprio prédio soubesse que estávamos indo para um lugar que não deveria existir. Subsolo 3. Terra de ninguém.
Atrás de mim, dois dos meus homens me acompanhavam em silêncio. Nenhum deles ousou falar. Nem mesmo olhar diretamente para mim. Eles sabiam o que significava aquele andar. Sabiam o que representava para mim.
Quando as portas se abriram, o ar mudou. O cheiro era metálico, denso. Umidade misturada com ferrugem, suor, dor. As paredes de concreto bruto, sem acabamento, escorriam com fios de condensação, como se o próprio lugar suasse. A iluminação era escassa — lâmpadas fluorescentes tremulavam no teto, lançando sombras que pareciam se mover sozinhas.
Eu caminhei pelo corredor lentamente. Os sons de meus passos ecoavam contra o piso de cimento, ritmados, determinados. À esquerda, uma porta reforçada. À direita, uma sala de armazenamento onde já havíamos quebrado ossos, arrancado verdades. Mas hoje, eu só queria uma.
Dois homens estavam do lado de fora. Um deles segurava uma prancheta; o outro, apenas um copo d’água que ainda estava cheio. Ninguém estava bebendo nada ali.
— Abram. — ordenei.
As trancas giraram com estalos metálicos. A porta se abriu com um gemido enferrujado.
Adam estava amarrado a uma cadeira de metal. Havia um balde próximo aos pés dele, o conteúdo indecifrável. Sua cabeça pendia para frente, o rosto inchado, lábios partidos. Sangue seco manchava o canto de sua boca e o colarinho da camisa. Um dos olhos estava completamente fechado. Talvez o outro estivesse mais funcional — ou talvez não.
Entrei.
Fechei a porta atrás de mim com um empurrão leve.
A sala ficou em silêncio.
Sentei-me diante dele, arrastando uma cadeira com um rangido que fez os pelos da nuca arrepiarem. Cruzei as pernas. Apoiei os cotovelos nos joelhos. Inclinei a cabeça para o lado e observei.
Ele ergueu o rosto com esforço. Quando finalmente conseguiu me ver — ou me distinguir — estreitou os olhos.
— Quem é você? — perguntou com a voz rouca, os dentes vermelhos de sangue coagulado.
Sorri, mas sem humor.
— Meu nome é Dante Mancuso.
Houve uma pausa. Ele piscou algumas vezes. Então, uma risada curta e torta escapou de seus lábios rachados.
— Claro… Mancuso… O irmão da Catarina. O lendário. O morto.
— Isso faz de você o sortudo — murmurei. — Poucos têm o privilégio de me conhecer enquanto ainda respiram.
— A maioria não sobrevive, é isso?
— Exato.
Ele tossiu. Engasgou-se. Cuspiu sangue no chão ao lado.
— Por que veio aqui? — perguntou, encarando-me com o olho bom. — Veio me matar?
— Não. Ainda não. — entrelacei os dedos. — Vim conversar.
Ele riu de novo, dessa vez com amargura.
— Conversar? Depois de tudo que fizeram comigo?
— Sim. Porque, veja bem, isso aqui… — gesticulei para os hematomas, os vergões visíveis sob a camisa rasgada — …isso aqui é só o começo. Depende de você, e de como será a conversa entre nós dois. De homem para homem.