CAPITULO 26

1581 Words
POV DANTE Uma parte de mim afundou. Outra explodiu. Era como cair e queimar ao mesmo tempo. A SUV seguiu em frente, mas eu estava preso no momento. Cada palavra dele ecoava como um sino fúnebre dentro do meu crânio. Grávida. Ela. Aquela mulher impossível, selvagem, indomável. E agora — mãe? — Você tem certeza disso? — perguntei, tentando manter a compostura, tentando agarrar alguma lógica que me ancorasse. — Interrogamos Adam o suficiente para ele manter a mesma versão dos fatos. Ela está grávida, Dante. — De quantas semanas? — Adam disse que acredita estar de oito meses por aí. — Matteo disse. Meu coração falhou um batimento. — Não é de Adam — ele acrescentou. — Adam afirmou que a última vez que ela teve contato íntimo com ele... foi antes de sequestrarmos ela. Enfim, seja quem for o pai, não é o Adam. Meu punho fechou com tanta força que os nós dos dedos estalaram. A chuva parecia ensurdecer. Como se cada gota me gritasse aquilo que eu não queria ouvir: que ela havia escondido isso de mim. Que havia planejado me apagar de um pedaço da história que era nosso. — Ela mentiu pra mim — falei. Não para Matteo. Para mim mesmo. — Ela me enterrou e cavou um novo mundo. Um onde eu não existia. — Talvez seja porque ela se tornou inimiga de nossa família. Esse bebê não é nosso sobrinho. — Matteo tentou ponderar. — Talvez tenha feito isso pra proteger a criança de nós. Eu ri. Um som seco, sem humor. Doído. — De mim, Matteo? Ela queria proteger a criança de mim? — Você sabe que sim. Principalmente de você. Agora você é o Don Mancuso. — Eu nunca teria feito m*l a ela. Nunca — falei com a voz trincada de vidro. — Eu teria protegido os dois com a minha vida. — Sim — Matteo respondeu. — Mas você também teria feito deles prisioneiros. Como faz com tudo que ama. Eu não respondi. Porque ele estava certo. Mas ela não tinha o direito de esconder aquilo de mim. Não quando o que crescia dentro dela era meu legado. Meu sangue. — Encontre Catarina e a leve para o cativeiro. — falei, frio. — Dante... — Só isso, Matteo. Desliguei. Joguei o telefone no banco ao lado. Por um instante, apenas encarei meu reflexo no vidro. O homem que me olhava de volta não era o Don da 'Ndrangheta. Não era o senhor das negociações, nem o estrategista. Era um homem quebrado. Um homem que acabava de descobrir que havia uma nova vida no mundo — uma vida gerada do amor dele com sua maior rival e amor da sua vida. A SUV parou no sinal. E eu soube, com uma certeza absoluta, que nada — absolutamente nada — me impediria de vê-la. De olhar nos olhos dela e perguntar com a voz mais baixa e letal: Por que você me tirou isso? *** Nova York se estendia diante dos meus olhos como um animal selvagem — brilhante, faminta e cheia de segredos. A cidade que nunca dorme. E, ironicamente, era exatamente por isso que escolhi esse lugar para aquilo. O que melhor que esconder algo à vista de todos? Afinal, quem suspeitaria de um cativeiro dentro do hotel mais imponente da cidade? Quando a SUV blindada parou em frente ao edifício, uma chuva fina ainda acariciava as calçadas, transformando as luzes da Times Square em manchas líquidas e tremeluzentes. O prédio erguia-se como uma fortaleza de vidro e aço. Moderno. Suntuoso. Chamativo. E, paradoxalmente, o esconderijo perfeito. Desci do carro ajeitando a lapela do paletó. Meu reflexo no vidro das portas automáticas me devolveu o olhar de sempre: impassível. Frio. O tipo de homem que as pessoas não ousam encarar duas vezes. Entrei. O saguão era uma obra de arte arquitetônica — mármore italiano, lustres de cristal e aquela fragrância artificial de luxo: uma mistura de âmbar, couro e algo levemente cítrico. O cheiro do dinheiro. Daqueles que nunca sujam as mãos, mas vivem do sangue dos que fazem. Me aproximei do balcão. A recepcionista ergueu os olhos, e eu vi exatamente o que esperava: deslumbro. Era jovem, cabelos perfeitamente alinhados num coque elegante, batom vermelho impecável. Seus olhos varreram meu corpo de forma tão sutil que beirava a maestria. Puxei do paletó o passaporte diplomático. Falso, claro. Mas tão bem feito que nem o próprio governo italiano duvidaria. — Buongiorno — murmurei, deslizando o documento no balcão com aquele sorriso que sempre abre portas. — Está tudo conforme solicitado? Ela digitou algumas coisas no sistema, mantendo aquele sorrisinho profissional nos lábios. — Sim, senhor Mancini. O andar inteiro está reservado. — Seus olhos brilharam. — E, claro, qualquer coisa que precisar... estou à disposição. — Perfetto. — Inclinei ligeiramente a cabeça, cortês, deixando que ela imaginasse tudo o que quisesse. — Espero que mantenham minha privacidade... inquestionável. — Absolutamente. — Ela piscou, como se aquele fosse nosso pequeno segredo. Não perdi tempo. Virei-me, caminhei até o elevador privado e pressionei o botão. Quando as portas se fecharam, meu sorriso morreu. A máscara caiu. Aquele não era o homem do passaporte. Era Dante Mancuso, e hoje... eu vim cobrar uma dívida. Ao chegar ao andar, as portas se abriram revelando exatamente o que planejei. Transformaram aquele nível inteiro em um quartel-general improvisado. Mesas espalhadas, laptops, rádios, armamentos discretamente escondidos sob mantas pretas. Meus homens estavam distribuídos em pontos estratégicos — alguns observando câmeras, outros de pé, de braços cruzados, atentos. Um deles, jovem, recém-promovido, virou-se assim que me viu. — Don Mancuso. — Fez uma reverência discreta. — Melhor... entrar. A tensão no tom dele não passou despercebida. Atravessei o corredor de carpete macio e empurrei a porta do quarto principal, que agora mais parecia uma sala de operações da CIA. Telas e mais telas preenchiam uma das paredes. Câmeras transmitindo ao vivo de dois ambientes diferentes. O primeiro, uma sala pequena, onde Adam — aquele maldito — estava, se é que se podia chamar aquilo de "estar". Seus olhos estavam inchados, a boca cortada, o rosto uma massa de hematomas. O interrogatório estava funcionando. Perfeito. Mas foi a segunda tela que fez meu estômago virar. Ela. Catarina. Meu corpo inteiro se retesou, e por um segundo, não havia respiração. Nem batimentos. Só... ela. Estava sentada numa poltrona grande, confortável até. Braços presos por cintas discretas, como se aquilo fosse um abraço macabro. De olhos fechados. A cabeça tombada levemente pro lado, os cabelos soltos cobrindo parte do rosto. Linda. Frágil. E, ao mesmo tempo, feroz. Sempre foi. Mas não foi isso que me acertou como um soco no estômago. Foi a barriga. Saliente. Proeminente sob o tecido leve do vestido azul. Meu cérebro processou a cena em câmera lenta, como se recusasse a acreditar. Meu peito subiu num soluço que não permiti sair. Me virei abruptamente, apontando para a tela. — Alguém já verificou isso? — minha voz saiu como aço, fria, cortante. O jovem capanga piscou, confuso. — Isso... isso o quê, Don? Apontei de novo. Mais incisivo. — Isso. A barriga dela. Ele se mexeu desconfortável. — Sentimos... parece real. — Engoliu seco. — Mas... não temos certeza. Meus olhos se estreitaram. — E por que não confirmaram? — Depois que bateram na cabeça dela... ficou complicado — respondeu, hesitante. O mundo girou. Lentamente, me aproximei dele, o olhar mais pesado que qualquer soco que eu poderia dar. — Bateram. Na cabeça. De Catarina. — Repeti, sílaba por sílaba, como se precisasse ter certeza de que estava ouvindo aquela insanidade. O garoto tentou se justificar: — Ela... ela apresentou resistência no aeroporto, Don. Não tínhamos escolha... Meus dedos voaram. Agarrei-o pela gola, levantando-o alguns centímetros do chão, meu rosto tão próximo do dele que sentia seu hálito trêmulo. — Escuta bem, verme. — Minha voz era uma lâmina encharcada em veneno. — Se alguém... eu repito... se alguém ousar encostar um dedo nela de novo, eu vou arrancar sua pele com minhas próprias mãos. Entendido? Ele assentiu, pálido. Empurrei-o de volta, e ele tropeçou, ajeitando-se. — Tudo bem, Don. Tudo bem. Virei de costas, respirei fundo, tentando não explodir o lugar inteiro. Mas ele, com a estúpida audácia da ignorância, perguntou: — Mas... se não podemos encostar nela... como vamos saber se ela tá... grávida mesmo? O silêncio que se seguiu foi mortal. Meus olhos percorreram a sala. Meu cérebro já calculava possibilidades, riscos, soluções. Frio. Metódico. Cruzei os braços. — Contratem uma enfermeira. Uma profissional. Uma que saiba exatamente com quem está lidando. — Apertei a mandíbula. — E ela vai verificar. O garoto assentiu, aliviado. Mas não terminei. Apanhei o tablet que estava sobre a mesa e joguei na direção dele. Ele pegou no susto. — Antes disso... — sorri, mas não era um sorriso que aquecia. Era daqueles que fazem homens suarem frio. — Mostre isso pra ela. — Isso...? — Adam. — Minha voz saiu rouca, quase um ronco animalesco. — Quero ver... o quanto ela se importa com ele. Quero saber até onde ela vai. Até onde ela mente. O garoto assentiu, com aquele medo latente no olhar. Saiu. Fiquei ali, sozinho por um segundo. As mãos nos bolsos, o peito comprimido. O olhar preso na imagem dela, naquela barriga, naquele pedaço de mim que crescia sem que eu soubesse. Sem que eu estivesse lá. Sem que ela me permitisse ser. Por Deus... ou pelo diabo... isso não vai ficar assim.
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