HELOÁ A RAINHA SEM TRONO

942 Words
Capítulo 3 Narrado por Heloá Eu sou Heloá, a p***a da estrela desse morro. Piranha? Sou mesmo. Mas não sou qualquer uma. Eu escolho quem me come. E ninguém me come de graça. Desde que eu subi nesse morro, foi tudo no meu nome. Cíntia e eu tomamos conta da Rua da Ladeira como quem toma um trono. Tem n**o que atravessa a rua quando a gente passa. Tem mulher que segura o marido. E tem cria que sonha em crescer só pra dizer que já pegou uma das duas. Mas eu? Eu sou a favorita. A número um. A que Marratimah escolheu. Não que ele tenha dito com todas as letras. Mas porra... ele me come toda vez que quer, me chama pra viagem, me dá presente, me protege. E isso aqui, nesse jogo, é o suficiente pra eu reinar. Cheguei em casa naquela tarde. A Cíntia tava passando o delineador na frente do espelho trincado. Usava meu short, a infeliz. — Vai onde assim, vagabunda? — perguntei, jogando a toalha molhada na cama. — Vou descer ali no Bar do Buda. O n***o me prometeu um combo. — O n***o só promete. Não entrega. Igual teu último orgasmo. Ela riu. A gente se xingava, mas se amava. Irmãs de guerra, de laje, de rua. Dividíamos o barraco, o secador de cabelo e até uns macho de vez em quando. — E você vai ver o Marratimah hoje? — ela perguntou, maliciosa. — Ele mandou me buscar. Disse que mais tarde quer me ver no condomínio novo. — Esse homem tá manso demais, Heloá... Se prepara que tem coisa vindo aí. Levantei a sobrancelha. — Como assim? — Ouvi falar que ele botou uma novinha pra morar em uma das suas casas. Uma tal de Dandara. Meu sangue ferveu. — Quem? — Aquela filha dos zumbis. Aquela menina que andava de cabeça baixa. Dizem que agora tá de roupa limpa, dormindo em cama arrumada. Fiquei em silêncio por uns segundos. Depois ri. — Ele deve ter feito caridade. Marratimah tem dessas. Às vezes acha que é Deus. Mas no fundo... uma raiva surda começou a crescer dentro de mim. Quando cheguei na casa dele à noite, fui recebida por Big Joel. Ele me olhou de cima a baixo, como sempre. — Tira esse salto. O patrão não curte barulho de salto aqui dentro. — f**a-se o barulho. Ele curte é ver minha b***a desfilando — respondi, batendo o salto firme no chão de cerâmica limpa. O cheiro do incenso misturado com perfume de lavanda me enjoava. A casa tava diferente. Com cara de lar. Flores. Cortinas novas. Tinha até uma p***a de abajur aceso. Isso nunca teve. Quando ele apareceu na escada, de camiseta branca e corrente de ouro no pescoço, eu abri um sorriso. — Vim te dar boa noite — falei, já desabotoando a blusa. Mas ele não sorriu de volta. — Não hoje, Heloá. Minha mão congelou. — Como assim? — Hoje não. Tô resolvendo uns bagulhos. Pode voltar pra casa. — Bagulho é nome novo de b****a agora? Ele respirou fundo. O jeito dele de não querer discutir. Mas comigo não tem paz fácil. — Quem é a novinha? Hein? Quem é a santa que você escondeu aqui dentro? — Vai embora, Heloá. Não faz cena. Não é aqui que ela está morando. Aqui ela só trabalha. — Eu faço o que eu quiser, Marratimah. Você me fode como se eu fosse tua, depois me trata como resto? Quem é ela? Ele não respondeu mais nada. Mas eu ouvi. Um barulho leve de vassoura. Porta se fechando no andar de cima. Tentei correr, mas Big Joel me segurou antes de subir. — NÃO, Heloá! — ele gritou, perdendo a pose. — Deixa a mina. Ela tá limpando os quartos. Foi a primeira vez que ele gritou comigo. Senti o gosto da humilhação descer seco. Me virei. Vesti a blusa de volta com raiva, os dedos tremendo. — Tá empregando lixo agora? Vai salvar mendiga agora? Vai abrir as pernas pro drama dos outros? Ele não respondeu. Então eu cuspi no chão e saí. Mas por dentro, jurei: essa novinha vai aprender que aqui só tem uma rainha. E sou eu. Voltei pro barraco furiosa. Cíntia tava no sofá, rindo de um vídeo no celular. — O que foi, rainha traída? — Ele tá com ela. Com a tal Dandara. — Ih... então é guerra. Sentei no colchão, tirei o salto com força. — Essa novinha vai se arrepender de ter nascido. Não sabe com quem tá mexendo. Eu construí minha reputação nesse morro. Eu segurei n**o no tiro, fiz dinheiro circular, botei gringo pra beijar minha mão. Não vou perder pro olhar triste de uma virgem de favela. Cíntia me olhou com um brilho curioso nos olhos. — E se ela não for virgem? E se ela só for mais esperta que você? Eu sorri com veneno. — Então ela vai morrer mais rápido ainda. Liguei pro Zulu. — Tenho um serviço pra você. Quero saber tudo sobre uma tal de Dandara. De onde veio, o que fazia, se já deu pra alguém antes de subir o morro. Quero foto, ficha, sangue. — E se ela não tiver rastro? — Então você inventa. Mas destrói essa v***a. Zulu não pergunta muito. Ele gosta de caos. E eu? Eu sou o caos vestida de salto, perfume caro e boca pintada. Porque nesse jogo, não basta ser desejada. Tem que ser temida. E Dandara ainda não entendeu isso. Mas vai entender. Vai sangrar pra aprender. Essa história que ela tá trampando lá na casa do meu homem é lorota.
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