Capítulo 3
Narrado por Heloá
Eu sou Heloá, a p***a da estrela desse morro.
Piranha? Sou mesmo. Mas não sou qualquer uma. Eu escolho quem me come. E ninguém me come de graça.
Desde que eu subi nesse morro, foi tudo no meu nome. Cíntia e eu tomamos conta da Rua da Ladeira como quem toma um trono. Tem n**o que atravessa a rua quando a gente passa. Tem mulher que segura o marido. E tem cria que sonha em crescer só pra dizer que já pegou uma das duas.
Mas eu? Eu sou a favorita. A número um. A que Marratimah escolheu.
Não que ele tenha dito com todas as letras. Mas porra... ele me come toda vez que quer, me chama pra viagem, me dá presente, me protege. E isso aqui, nesse jogo, é o suficiente pra eu reinar.
Cheguei em casa naquela tarde. A Cíntia tava passando o delineador na frente do espelho trincado. Usava meu short, a infeliz.
— Vai onde assim, vagabunda? — perguntei, jogando a toalha molhada na cama.
— Vou descer ali no Bar do Buda. O n***o me prometeu um combo.
— O n***o só promete. Não entrega. Igual teu último orgasmo.
Ela riu. A gente se xingava, mas se amava. Irmãs de guerra, de laje, de rua. Dividíamos o barraco, o secador de cabelo e até uns macho de vez em quando.
— E você vai ver o Marratimah hoje? — ela perguntou, maliciosa.
— Ele mandou me buscar. Disse que mais tarde quer me ver no condomínio novo.
— Esse homem tá manso demais, Heloá... Se prepara que tem coisa vindo aí.
Levantei a sobrancelha.
— Como assim?
— Ouvi falar que ele botou uma novinha pra morar em uma das suas casas. Uma tal de Dandara.
Meu sangue ferveu.
— Quem?
— Aquela filha dos zumbis. Aquela menina que andava de cabeça baixa. Dizem que agora tá de roupa limpa, dormindo em cama arrumada.
Fiquei em silêncio por uns segundos. Depois ri.
— Ele deve ter feito caridade. Marratimah tem dessas. Às vezes acha que é Deus.
Mas no fundo... uma raiva surda começou a crescer dentro de mim.
Quando cheguei na casa dele à noite, fui recebida por Big Joel. Ele me olhou de cima a baixo, como sempre.
— Tira esse salto. O patrão não curte barulho de salto aqui dentro.
— f**a-se o barulho. Ele curte é ver minha b***a desfilando — respondi, batendo o salto firme no chão de cerâmica limpa.
O cheiro do incenso misturado com perfume de lavanda me enjoava. A casa tava diferente. Com cara de lar. Flores. Cortinas novas. Tinha até uma p***a de abajur aceso. Isso nunca teve.
Quando ele apareceu na escada, de camiseta branca e corrente de ouro no pescoço, eu abri um sorriso.
— Vim te dar boa noite — falei, já desabotoando a blusa.
Mas ele não sorriu de volta.
— Não hoje, Heloá.
Minha mão congelou.
— Como assim?
— Hoje não. Tô resolvendo uns bagulhos. Pode voltar pra casa.
— Bagulho é nome novo de b****a agora?
Ele respirou fundo. O jeito dele de não querer discutir. Mas comigo não tem paz fácil.
— Quem é a novinha? Hein? Quem é a santa que você escondeu aqui dentro?
— Vai embora, Heloá. Não faz cena. Não é aqui que ela está morando. Aqui ela só trabalha.
— Eu faço o que eu quiser, Marratimah. Você me fode como se eu fosse tua, depois me trata como resto? Quem é ela?
Ele não respondeu mais nada.
Mas eu ouvi. Um barulho leve de vassoura. Porta se fechando no andar de cima. Tentei correr, mas Big Joel me segurou antes de subir.
— NÃO, Heloá! — ele gritou, perdendo a pose. — Deixa a mina. Ela tá limpando os quartos.
Foi a primeira vez que ele gritou comigo.
Senti o gosto da humilhação descer seco.
Me virei. Vesti a blusa de volta com raiva, os dedos tremendo.
— Tá empregando lixo agora? Vai salvar mendiga agora? Vai abrir as pernas pro drama dos outros?
Ele não respondeu.
Então eu cuspi no chão e saí.
Mas por dentro, jurei: essa novinha vai aprender que aqui só tem uma rainha. E sou eu.
Voltei pro barraco furiosa. Cíntia tava no sofá, rindo de um vídeo no celular.
— O que foi, rainha traída?
— Ele tá com ela. Com a tal Dandara.
— Ih... então é guerra.
Sentei no colchão, tirei o salto com força.
— Essa novinha vai se arrepender de ter nascido. Não sabe com quem tá mexendo. Eu construí minha reputação nesse morro. Eu segurei n**o no tiro, fiz dinheiro circular, botei gringo pra beijar minha mão. Não vou perder pro olhar triste de uma virgem de favela.
Cíntia me olhou com um brilho curioso nos olhos.
— E se ela não for virgem? E se ela só for mais esperta que você?
Eu sorri com veneno.
— Então ela vai morrer mais rápido ainda.
Liguei pro Zulu.
— Tenho um serviço pra você. Quero saber tudo sobre uma tal de Dandara. De onde veio, o que fazia, se já deu pra alguém antes de subir o morro. Quero foto, ficha, sangue.
— E se ela não tiver rastro?
— Então você inventa. Mas destrói essa v***a.
Zulu não pergunta muito. Ele gosta de caos. E eu? Eu sou o caos vestida de salto, perfume caro e boca pintada.
Porque nesse jogo, não basta ser desejada. Tem que ser temida.
E Dandara ainda não entendeu isso.
Mas vai entender.
Vai sangrar pra aprender.
Essa história que ela tá trampando lá na casa do meu homem é lorota.