Alemão
Tinha sido mais uma noite de cão. Fiquei sentado no baile funk até as três da manhã, observando tudo e ao mesmo tempo nada. Algumas mulheres tentaram se aproximar, trocar olhares, puxar conversa, mas de nada adiantava. Eu tinha tentado me reconectar com algo, qualquer coisa, mas nem mesmo meu corpo respondia. O sangue não esquentava, o desejo não vinha. Era como se algo dentro de mim tivesse sido desligado para sempre. A verdade era, eu não ficava eret.o por nenhuma outra mulher, porr@, eu nem levantava, até isso ela tinha tirado de mim, eu não conseguiria nem mesmo fazer se.xo, nem isso.
Depois das três, me levantei, sem rumo certo, e fui para o posto. Se não conseguia dormir, pelo menos podia trabalhar. Passei o resto da madrugada zerando todas as pendências da semana, organizando as entradas e saídas, deixando tudo limpo, tudo pronto. O Capitão não teria do que reclamar.
Quando terminei, o sol já ameaçava nascer. Voltei para minha quitinete como se carregasse o peso de uma semana inteira nas costas. Lá, não tinha mais nada a fazer a não ser beber. Peguei a garrafa de uísque que restava e bebi como se estivesse me despedindo da bebida, como se fosse a última vez.
Bebi e bebi, sem pensar em nada, sem sentir nada. Era só eu, a bebida e o silêncio do meu quarto. Bebi até o copo escorregar da mão e tudo apagar. Mais uma noite se foi, e comigo, um pedaço de quem eu fui um dia.
Acordei com um jato de água gelada sendo jogado na minha cara. Levantei num salto, xingando alto:
— Vai tomar no banho, por.ra!
Quando meus olhos focaram, vi o Capitão em pé, segurando o balde vazio, me encarando com aquela expressão que só ele tinha. O Capitão em pessoa. Basicamente, o dono do morro.
— Levanta, Alemão. Vai pro chuveiro — ordenou, com a voz firme, sem espaço para discussão.
Me obriguei a levantar, a cabeça latejando e o corpo pesado como pedra. Entrei no banheiro e deixei a água gelada do chuveiro cair sobre mim. Fiquei lá por uns dez minutos, tentando lavar mais do que o suor e a ressaca. Quando saí, me vesti rapidamente e fui me sentar à frente dele, que já esperava com os braços cruzados e aquele olhar que perfurava a alma.
— Não tenho filho barbado — começou ele, sem rodeios. — A criança que eu tenho está no trabalho com a minha esposa, e meu afilhado está com a mãe. Então, vou dizer isso só uma vez: resolve a po.rra da tua vida. Não quero você bêbado por aí, porque uma hora você vai fazer mer.da.
— Eu só tô ficando bêbado em casa, Capitão — tentei argumentar, a voz saindo arrastada.
— Percebi. E tua casa fede — rebateu ele, o tom de desprezo claro. — É o lugar mais sujo do meu morro. Paga alguém pra limpar essa porcaria e resolve os teus problemas.
— Não tem solução... — murmurei, sem nem conseguir encará-lo.
O Capitão deu um passo à frente, inclinando-se ligeiramente, e sua voz veio fria e definitiva:
— Tem. Só não tem solução pra morte. Tu tem uma semana pra chorar pelos cantos e resolver tua cabeça. Quando voltar pro posto, eu não quero ver garrafa de pinga, ou eu quebro os teus dois braços. E não tô brincando, em algum momento, tu fala demais porque bebeu muito, chega com essa porr@ e vai chegar um momento que vai querer cheirar e no meu comando, não tenho cheirador de **.
Fiquei em silêncio, sentindo o peso das palavras dele. O Capitão não era de ameaçar sem cumprir. Ele limpou o morro de gente que achava que podia viver no caos, e eu sabia que, pra ele, eu não seria uma exceção. Não tinha escolha. Precisava, de alguma forma, juntar os pedaços que ainda restavam de mim.
— Posso trazer ela pro morro? — perguntei, minha voz saindo mais baixa do que eu esperava. Era difícil admitir que ainda pensava nisso, mas precisava ouvir a resposta dele.
O Capitão me olhou, sério, sem surpresa. Ele sabia de quem eu estava falando. Sabia que Elize ainda era o fantasma que me assombrava.
— Pode — respondeu, seco, mas sem tirar os olhos de mim. — Mas tudo tem um limite. Não pode bater, roubar ou espancar mulher no meu morro. Se acha que ela te traiu e tá disposto a passar por cima disso, é contigo. Mas escuta bem, Alemão: se ela chorar pra minha mulher, se minha fiel ouvir um soluço que seja, nós dois resolvemos. E eu resolvo do meu jeito.
Fiquei em silêncio por um momento, eu nem sabia mais o que fazer com o amor que sentia. O Capitão era claro. Ele não tolerava descontrole, ainda mais envolvendo mulheres. Se eu trouxesse Elize, teria que enfrentar meu passado com controle, porque, se eu pisasse fora da linha, ele mesmo cuidaria de mim.
— Entendido — murmurei, tentando manter a voz firme.
Ele me deu um último olhar antes de sair, deixando claro que minha decisão seria vigiada de perto. Eu sabia que trazer Elize seria como andar em uma corda bamba, mas, de alguma forma, parte de mim ainda queria isso. Queria vê-la. Queria respostas. Mesmo sabendo que isso poderia me destruir de vez.
Ou melhor, eu a traria. Podia tê-la ao menos mais uma vez. Não precisava ouvir suas desculpas, não, eu sabia o que vi. Era isso. Não estava disposto a ouvir mentiras, não estava. Mas precisava, ao menos, sentir o cheiro dela mais uma vez. Precisava acalmar o turbilhão dentro do meu peito, acalmar meu coração e, acima de tudo, me sentir homem novamente.
Elize ainda era o centro de tudo dentro de mim, mesmo que eu negasse para o mundo. Era como se, ao tê-la por perto, mesmo que só por uma noite, eu pudesse reconstruir algo que perdi. Não importava mais o passado, as traições que eu acreditava ter visto, os cacos da nossa vida juntos. O que importava era o agora, e o agora dizia que eu precisava dela.
Não era sobre amor, amor era muito pouco, era mais forte o meu sentimento e isso era também sobre necessidade, sobre aquela labareda de fogo enomre que ainda queimava dentro de mim.