Elize
No trabalho, mesmo sendo gerente, eu ainda fazia questão de vender. Cada venda contava, e as comissões ajudavam a complementar meu salário. Era uma forma de me manter ocupada, de não pensar no vazio que me acompanhava quando o expediente terminava. Hoje foi um dia cheio. Convenci uma cliente a levar um batom e um blush combinando, e depois, com paciência, vendi um perfume importado caro para outra. No final, ver as clientes saindo satisfeitas era bom, mas, para ser sincera, o que me movia mesmo era a comissão que isso garantia.
Quando o relógio marcou o fim do expediente, Roberto, o dono da loja, apareceu. Ele é jovem, por volta dos 30, e, além de simpático, tem aquele jeito de quem sabe o que quer. Nos últimos meses, ele já me convidou para sair algumas vezes. Eu sempre recusei, mantendo a distância. Não estou pronta para isso, e, mesmo que estivesse, Roberto não é o tipo que faz meu coração disparar.
Não dormi nada naquela noite. Ou melhor, às cinco da manhã, meu corpo finalmente cedeu ao cansaço, mas às seis o despertador tocou, implacável, e me levantei. Eu precisava trabalhar. A casa estava quitada, é verdade, mas ainda havia as contas de água, luz, telefone e as compras do mês. Não podia me dar ao luxo de ficar presa dentro de casa, remoendo a dor de um casamento desfeito.
Fui direto para o banheiro, lavei o rosto e tomei um banho rápido. A água morna ajudou a despertar, mas não apagou a exaustão que carregava nos ombros. Me vesti de forma prática, como sempre, e preparei um chá simples, algo que me mantivesse em pé até a hora do almoço.
Enquanto bebia, olhei ao redor da casa, pequena, silenciosa, e ainda carregada de lembranças. Cada móvel, cada canto, parecia gritar o nome dele. Respirei fundo e sacudi a cabeça, afastando os pensamentos. Não podia me dar ao luxo de ficar paralisada. Trabalhar era o que me restava, e eu precisava disso, não só pelo dinheiro, mas para manter minha mente ocupada, para me obrigar a continuar em frente.
Sai de casa com a bolsa no ombro, o rosto sério e a determinação forçada. Era mais um dia comum, mais um dia em que eu tinha que encarar o mundo lá fora, mesmo que, por dentro, tudo parecesse desmoronar. Trabalhar era a única coisa que eu ainda conseguia fazer. Precisava.
— Elize, já está tarde. Posso te dar uma carona até em casa? — disse ele, ajeitando o blazer, com aquele sorriso que tenta ser casual, mas tem um toque de insistência.
Sorri de volta, educada como sempre.
— Não precisa, Roberto, obrigada. Prefiro ir de ônibus, já estou acostumada.
— Tem certeza? — Ele franziu a testa, como se estivesse genuinamente preocupado. — Não é seguro você sair sozinha a essa hora.
— Tenho, sim. Vou ficar bem. Pode deixar.
Ele suspirou, claramente frustrado, mas não insistiu.
— Tudo bem, então. Tome cuidado. Até amanhã.
— Até amanhã.
Peguei minha bolsa e saí da loja, seguindo para o ponto de ônibus. A noite estava fresca, as ruas quietas demais para o meu gosto. Enquanto caminhava, senti um desconforto, como se alguém me observasse. Olhei discretamente ao redor, mas não vi ninguém. Balancei a cabeça, tentando afastar a sensação. Talvez fosse só o cansaço.
O ônibus não demorou a chegar, e entrei rapidamente. Sentei perto da janela, observando as luzes da cidade passarem. Mesmo assim, aquela sensação persistia. Algo não estava certo. Quando desci no ponto próximo de casa, meu desconforto aumentou. Cada passo que eu dava parecia ecoar, como se houvesse outro par de pés logo atrás.
Apertei o passo, tentando manter a calma. Meu coração batia acelerado, mas não queria olhar para trás. Quando finalmente cheguei em casa, fechei a porta com pressa e trancando tudo logo em seguida. Minhas mãos tremiam enquanto conferia cada tranca.
Sentei no sofá, abraçando minha bolsa como se fosse um escudo. Talvez fosse só a minha imaginação, mas, mesmo assim, não conseguia me livrar da sensação de que algo ou alguém estava lá fora, me observando. Era difícil dizer se era o presente, o futuro ou, pior, o passado tentando me alcançar.
Demorei a me acalmar. Quando finalmente consegui, fui para a cozinha tentar ocupar minha mente com algo prático. Pensei em fazer um macarrão com camarão, meu prato favorito, o mesmo que eu costumava preparar para nós nas sextas-feiras. Tomávamos um vinho, e depois fazíamos amor na sala, como se o mundo lá fora não existisse.
Mas desisti. Só a ideia me trouxe uma avalanche de memórias. Lembrei da nossa primeira vez. Eu tinha chorado de dor, não queria continuar, ele era grande, e tudo parecia insuportável. Lembro como ele me segurou, como me acalmou. Ele não insistiu, não pressionou. Esperou por uma semana inteira antes de tentar de novo, mesmo que eu visse o desejo, a ex.citação em seus olhos.
Washington foi paciente em tudo. Ele esperou que eu me acostumasse, que eu perdesse a vergonha, que eu tivesse coragem de explorar o novo. Ele foi mais do que um marido, foi meu porto seguro. E, com o tempo, me tornei uma mulher completa ao lado dele.
Mas depois, o tombo veio. Uma traição que ele achava ser real, mas que nunca existiu. Ele me deixou, e meu mundo desabou.
Deixei o jantar de lado. Fiz apenas uma salada de frutas simples, algo rápido, porque não queria prolongar minha estadia na cozinha, onde tantas memórias estavam guardadas. Tomei um banho quente, como se a água pudesse lavar as lembranças, e me refugiei no sofá com uma série qualquer da Netflix. Mas minha mente estava longe, tão longe quanto ele.
No meio da noite, enquanto o som da série preenchia a sala, ouvi passos. Um calafrio percorreu minha espinha, e me levantei devagar. Caminhei até a janela, empurrando a cortina com cuidado, sem fazer barulho. Lá fora, uma figura se afastava na escuridão.
Por um instante, achei que fosse ele. Parecia com ele. A forma de andar, a altura, a postura. Meu coração acelerou, e meus dedos tremeram na beirada da cortina. Tive vontade de gritar o nome dele, de chamá-lo, mas me recusei.
Já tinha feito isso tantas vezes, chamando por alguém que não virava para trás, alguém que tinha me deixado. Não ia fazer isso de novo. Fechei a cortina, engoli o nó na garganta e voltei para o sofá, abraçando meus joelhos. Não era ele. Não podia ser. Mas, mesmo assim, a esperança tola me consumia, como sempre.