Elize

1049 Words
Elize Estou sentada no mesmo lugar de sempre, com uma blusa dele pressionada contra o rosto, tentando encontrar algum consolo naquele cheiro familiar que, inexplicavelmente, ainda permanece. Um vestígio do passado, uma lembrança do que já fomos. Talvez eu devesse me livrar dessa blusa, jogar fora e apagar qualquer rastro dele da minha vida, mas, por mais que tente, não consigo. Ela é meu único refúgio em um mundo que parece ter se transformado em ruínas. Às vezes, penso em como o mundo pode ser crue.l, cr.uel como uma onda que te despedaça sem piedade, te deixando à deriva. Ser deixada para trás foi como ser varrida por essa onda, mas o pior de tudo foi carregar uma criança dentro de mim e depois perdê-la. Eu queria aquela criança com toda a força do mundo. Desejava ela como nunca desejei nada na vida, mas meu corpo sucumbiu. Não me alimentei bem, não cuidei de mim. A gravidez foi pesada, cheia de complicações, e então, como num pesadelo, tudo acabou. Um aborto espontâneo. Meu bebê se foi antes mesmo de eu poder conhecê-lo, antes de segurar suas mãos, antes de ouvir sua voz. O filho do único homem que amei desapareceu junto com qualquer esperança que eu tinha de redenção. Washington acha que fui infiel. Ele tem certeza disso, mas o que ele sabe? Dormi uma noite casada e feliz, e acordei sozinha, abandonada, sem rumo. Foi como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés, como se a vida inteira que construímos juntos tivesse se desfeito em poeira. Ele não me deu explicações, não me deu chance de me defender, apenas virou as costas e foi embora, me deixando em meio às sombras do nosso passado. Casei jovem, cheia de sonhos. Washington era o meu mundo, a minha razão para seguir em frente. Tudo o que fiz, tudo o que me tornei, foi por ele e para ele. Minha vida inteira girava em torno daquele homem. E agora, aqui estou, sozinha, recolhendo os cacos do abandono, tentando entender onde tudo deu errado. Tentando encontrar uma razão para continuar quando tudo o que conhecia desapareceu. A blusa dele, com aquele cheiro que me transporta de volta ao passado, é um lembrete c***l. Respiro fundo, como se pudesse trazê-lo de volta, mas sei que é só uma ilusão. Ele se foi, e o vazio que deixou é como um buraco sem fim, um eco que me consome. Tento me convencer de que preciso seguir em frente, mas toda vez que dou um passo, algo me puxa de volta. Sei que ele está no morro Vai Quem Quer, sei que agora o chamam de "Alemão". Não porque ele me procurou, mas porque fiquei sabendo por Douglas, meu primo distante. Ele me conta sobre ele, os papéis do divórcio foram organizados por Douglas, porque meu primo tem acesso ao morro. Saber onde ele está deveria ser um alívio, mas é uma dor. Ele mudou, tornou-se algo que eu não reconheço, e ainda assim, meu coração insiste em bater por ele. A dor de perdê-lo me transformou em algo que não sei explicar. Por que ainda o amo, mesmo depois de tudo? Por que ainda desejo ouvir sua voz, sentir seu toque? Sou uma idiot@ por desejá-lo. Brigo comigo mesma por ainda estar presa a ele, por não conseguir apagar sua presença. Washington não é mais o homem que conheci, mas, de alguma forma, ainda é tudo o que tenho. E isso é o que mais me destrói , eu só queria poder me refugiar em seus braços e chorar, eu só queria poder dormir sendo proteç@o, me sentia O mundo pode ser c***l, mas nada é mais c***l do que amar alguém que te virou as costas, que te abandonou, que te condenou sem um julgamento. Não sei se um dia ele vai olhar para trás, mas eu sei que, por mais que eu tente, não consigo parar de esperar por esse momento. E isso, talvez, seja a maior crueldade de todas. Guardo a blusa com cuidado, como se ela fosse um pedaço do que me resta de Washington, e pego minha bolsa. Preciso trabalhar, é só o que faço. Trabalho ocupa o vazio, ocupa a mente, mesmo que temporariamente. Quando saio, o vizinho aparece na calçada. Ele me oferece uma carona, como sempre, recuso. Já vendi meu carro para pagar a manutenção anual da casa e manter o plano de saúde, e andar a pé virou rotina. Mas aceitar uma carona dele, um homem casado que vive lançando olhares sugestivos, está fora de questão. Não importa o quão difícil seja, não vou me sujeitar a isso. No caminho, sou parada pelo meu tio Jorge Luís, que também é tio de Douglas. Ele é um homem bom, sempre preocupado com os outros, sempre oferecendo ajuda, cuidando de crianças. Ele me dá um beijo na testa, um gesto que mistura carinho e compaixão. — Você precisa se casar de novo, minha filha, nem que seja com um homem mais velho. A solidão é c***l. Respiro fundo antes de responder, tentando esconder a dor que suas palavras trazem. — Não posso, tio. Ainda o amo, e não quero depender de ninguém. Ele me encara com aquele olhar de quem quer ajudar, mas sabe que as palavras têm limites. — Eu posso te ajudar — ele insiste, como sempre. — Não, tio. Sei que você já ajuda tantas famílias, e eu não quero ser um peso. Posso me virar sozinha, mesmo sabendo que o senhor tem tanto dinheiro. Ele tinha casas até mesmo fora do país.. Ele suspira, mas não insiste mais. Me deixa na porta do trabalho, um sorriso leve no rosto, como se quisesse me transmitir alguma esperança. O trabalho era novo, mas vinha sendo uma tábua de salvação. Sou responsável por uma loja de cosméticos, cuidando da gestão e do estoque, e, para minha surpresa, estou me saindo bem. Talvez mais bem do que eu esperava. Entro na loja, ajusto o crachá e tento me concentrar. Trabalho é o que me mantém em pé, o que afasta a dor, mesmo que por algumas horas. Aqui, pelo menos, ninguém me pergunta sobre o passado ou sobre o que ainda carrego comigo. Aqui, eu sou apenas Elize, a gerente. E, por agora, isso é suficiente.
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