Dez anos atrás/A mudança. (Larissa)

913 Words
" Mudanças sempre são bem-vindas, elas marcam o início e o fim de um ciclo." Por: Larissa. Seria um dia perfeito se não tivéssemos que fazer mudança. Céu azul, brisa fresca e o bom e velho cheiro de mato. Ajudo, contra minha vontade, minha mãe a encaixotar algumas coisas do meu quarto, ou seja, quase nada, uma vez que os móveis e objetos maiores ficarão, pela razão de não termos como levar nossa mobília para o Rio Grande do Sul. Papai disse que o frete é muito caro e que, se ele fosse pagar com o dinheiro que ganhou com sua rescisão, não será suficiente. Em comum acordo, meus pais decidiram doar o que não podemos levar. Algumas coisas que acomodamos em caixas de papelão, ficarão na casa da prima Maria Celeste, para ela nos enviar depois, pelos Correios, na sua maioria livros. Bufei a cada olhada que dava para as prateleiras, que estavam sendo esvaziadas rapidamente. _ Mãe? Qual é a razão de nos mudarmos para um lugar tão longe? - perguntei, segurando a vontade de chorar. _Já lhe expliquei! - fala minha mãe, fechando uma caixa pequena repleta de bonecas de pano que eu amo tanto - O patrão do seu pai faleceu e o filho dele não quer mais tocar a fazenda, minha filha. Tivemos sorte de ele indicar o seu pai para esse ex-sócio do falecido senhor Ângelo. Vamos agradecer a Deus que não estamos indo morar de aluguel sem saber como seria o dia de amanhã. Sento emburrada na cama e cruzo os meus bracinhos. Tenho apenas nove anos e tudo isso está mexendo com a minha cabeça e o meu pequeno coração. Não quero abandonar os meus colegas, a minha escola, a minha professora. - O papai não pode arrumar um emprego por aqui mesmo? Assim, não preciso largar meus amigos. - pergunto, encarando meus pés descalços. Minha mãe se senta ao meu lado e me abraça de lado. - Eu sei que é tudo muito difícil para você, meu bebê, mas é uma ótima oportunidade que temos de conseguir comprar uma casa para nós. Esse novo emprego do seu pai vai nos proporcionar isso e muito mais, meu anjinho. Olho para ela tentando esconder a tristeza que reverbera dentro de mim. _ Promete, mamãe? Promete que não vamos ficar nos mudando sempre? Não quero ter que abandonar meus amigos toda vez. Ela pega minhas mãos e as beija. _Sim! Prometo. Agora, anda, arruma sua mala que embarcamos amanhã. Você vai viajar de avião! - sorri, tentando me animar - vai ser muito legal, princesa!- completa. A empolgação dela não me dá ânimo algum, pelo contrário sinto minhas tripas se retorcerem quando ouço a palavra voar. " Esses adultos não vêem os noticiários? Aviões caem o tempo todo, aquele bicho de metal não é seguro!"- falo mentalmente. Rapidamente, a noite chega. Olho o manto n***o estrelado e me pergunto se o céu do lugar para onde vou morar é tão bonito quanto este, que se encontra neste momento salpicado de pequenos diamantes. Vou sentir falta daqui do Rio de Janeiro, especialmente de Piraí, um município do Vale do Paraíba Fluminense (Médio Paraíba), localizado no Sul Fluminense, interior do estado do Rio . Nasci aqui, nesta fazenda, Maria Dolores, e a saudade vai apertar meu pequeno coração. Penso:" o que será feito deste pedacinho do paraíso?" Será vendido, loteado para receber construções residenciais, ou será largado e deixado para o tempo correr todas as histórias que por aqui passaram? Cansada de tanto fritar meus neurônios infantis, imaginando como é o lugar para onde vamos, deito e me cubro. Faço uma prece a Deus para que as crianças do local onde iremos morar, gostem de mim e fecho meus pequenos olhos, entregando-me ao sono. Acordo com mamãe enchendo meu rosto de beijos. _ Acorda, princesa, vamos levantar. Daqui a pouco o carro chega para nos levar ao aeroporto. Me levanto sonolenta e mamãe me leva ao banheiro no colo. Em poucos segundos, uma água quentinha cai sobre meu corpinho e o cheiro doce do sabonete vai ganhando espaço. Mamãe enfia um conjunto de moletom rosa claro em mim. Escova meus cabelos e andamos até a sala, onde meu papai nos espera para tomarmos o nosso último desjejum nessa casa onde moramos por muito tempo e da qual, se eu pudesse, não me mudaria. Passam poucos minutos e, com a barriguinha cheia após o café da manhã, estamos os três dentro de um táxi indo para o aeroporto. Papai carrega um sorriso de nervosismo e empolgação, e minha mãe também. E eu só peço a Deus que as crianças gostem de mim. O tempo passa rápido e, num piscar de olhos, estamos dentro da aeronave voando rumo ao desconhecido. Sinto um gelo na minha barriguinha. "Seria vontade de ir ao banheiro? E tem banheiro nesse treco voador?" - pergunto baixinho para mim mesma. "Adultos complicam tudo. Por que seu Ângelo tinha que inventar de morrer? Nunca vou entender isso!"- falo mentalmente. Aperto a mão da mamãe com medo desse treco de metal cair. Não gosto de nada que voe com pessoas dentro do seu interior. Meus olhos estão arregalados de pavor. - Tenta dormir, querida. Logo vamos chegar. - diz papai, tentando me distrair. Fico pensando e acho que é uma boa ideia. Se acontecer de nós despencarmos, estarei dormindo e não vou ver nada. Me aconchego na poltrona e fecho os olhos, contando carneirinhos para conseguir "pregar" os olhos.
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